terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Elegia ao amor platónico, por uma ignorada poetisa de Tavira

Por esse Algarve em fora despertam agora do sono letárgico - quais mouras encantadas - as nossas amendoeiras em irradiantes floreiras de níveas cores. Olhando-as na berma das estradas ou nas férteis várzeas desta terra generosa, sentimos quão verdadeira é a lenda da nórdica princesa, cujo amor conjugal definhava de saudades pelos nevados campos da sua pátria.
Lembrei-me então de um poema, escrito à mais de setenta anos por uma poetisa tavirense, de enorme talento e polida ilustração, que em vida foi humildemente ignorada, e hoje permanece esquecida. 
Chamava-se Maria Amália Padinha. Certamente o meu amigo Ofir Renato Chagas saberá melhor do que eu de quem se trata, e até já lhe terá tecido os maiores elogios num dos seus livros sobre a ilustre cidade de Tavira.
Em homenagem ao seu enorme talento não resisto à tentação de aqui transcrever um dos seus poemas, uma elegia ao amor platónico - muito peculiar ao tempo em que viveu - que é também um hino à beleza naturalista e simbólica da flor da amendoeira.
Este poema, simplesmente assim titulado, foi publicado no jornal «A Ilha», nº 711, de 17-11-1945, que em S. Miguel, nos Açores, dava guarida aos jovens talentos que despontavam nos mais diversos recantos geográficos pátria de Camões.
Ouçamos então o seu belo poema, com a reverência que nos merecem os sentimentos que nele resplandecem:


Poema

Passaste junto à minha porta
e eu sorvi
o ar que respiraste...

Perto, muito perto
eu bem te vi...
Mas tão longe
- longe de mim -
quando passaste...

Olhaste indiferente
para a rua
sem reparares que ela
era diferente.
Sem notares que se abria
uma janela
e que alguém
espiava os teus passos...

O sol vinha beijar-me
à janela onde ficara
a meditar.
E deu-me aquele beijo
que em pensamento
um dia te pedira...

Foi então que me voltei
arrancada ao meu cismar...
.............
- Já te foste!...
e na escuridão amarga
tento ainda destronar
o ilusório sonho
que sonhei.

E é tão grande a minha dor,
tão grande o meu quebranto!...
E só
sem amparo,
choro...

Mas não sou eu só
que choro assim.

A minha amendoeira
num quadro todo branco
também chora comigo
odoroso pranto
em pétalas caído
sobre mim...

E essas pétalas que me cobrem
como nevado manto,
nem sei se são pétalas
se lágrimas do meu pranto!...

Tavira, 7 de Março de 1945.

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