sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O Homem que incendiou a Casa de Camilo


Em 1915 ocorreu um violento incêndio na freguesia de São Miguel de Seide, concelho de Vila Nova de Famalicão, precisamente na então designada "Casa Amarela", ou seja na velha mansarda que serviu de residência ao escritor Camilo Castelo Branco. Esse desastroso sinistro, que praticamente reduziria a escombros a notável habitação do emérito romancista, foi por muitos dos seus biógrafos considerado como um dos mais tristes episódios do itinerário camiliano. Nunca se chegaram a apurar as verdadeiras responsabilidades sobre a autoria do sinistro, pelo que na época chegou a correr em surdina que se tratara de uma vingança dos Farias (gente agressiva, virulenta e perigosa, a quem Camilo, nos seus romances, atribuíra vários crimes e atrocidades pouco abonatórios e bastante depreciativos do bom nome dessa família), cujos antigos ódios nunca se apaziguaram, nem mesmo depois do passamento do insigne romancista. Foi nessa residência, de grande imponência para o meio rural em que se achava inserida, que Camilo escreveu grande parte da sua obra literária, tendo nela sofrido os dissabores da vida e as agruras da progressiva cegueira, que o levariam ao dramático desfecho do suicídio. Nessa imponente "Casa Amarela", hoje Museu Camiliano, viveu e morreu aquele a que os seus biógrafos se referiam como o "torturado de Seide", pois que foi na freguesia de São Miguel de Seide que sofreu amargamente o desgosto de sentir o lento mas irreversível evoluir da doença crónica que o arrastaria para a perda total da visão, privando-o de desfrutar da leitura e, sobretudo, da escrita que sempre foi a sua única enxada para o sustento da vida.
Mas apesar das versões de vingança que durante anos se expendiram sobre o incêndio da casa de Camilo, o certo é que tudo não passou de um triste e involuntário incidente, que o seu próprio autor ocultou quase ate ao fim da vida. Mas, no princípio da década de oitenta do século passado, sentindo que a chama da vida já se lhe estava a extinguir, o inocente incendiário da Casa de Camilo chamou-me à sua presença para me contar a real versão dos factos, a qual, por sua vontade, escrevi e publiquei no vespertino «Diário de Notícias»
Passados todos estes anos resolvi agora exumar dos meus papéis e recortes de imprensa esse velho artigo que aqui deixo transcrito, na expectativa de que o mesmo possa ser útil aos estudiosos da obra camiliana.