terça-feira, 13 de novembro de 2012

Júdice Fialho, o maior industrial conserveiro do Algarve


A figura mais notável da História da Industria Conserveira no Algarve, foi sem sombra para dúvidas João António Júdice Fialho, um homem inteligente e empreendedor, que nas primeiras décadas do século XX conseguiu conquistar os principais mercados europeus com as suas conservas de atum e de sardinha, mas também com as suas massas alimentícias, compotas e marmeladas. Foi dos poucos industriais das pescas que há mais de um século atrás soube visionar  o conceito de globalização à escala atlântica, investindo na aquisição de modernos meios de transformação industrial do pescado, cujos avultados lucros lhe permitiram diversificar a produção e reinvestir noutros segmentos de mercado. 
Palácio Fialho hoje propriedade da Diocese do Algarve
Proprietário e industrial de conservas, João António Júdice Fialho nasceu em Portimão a 17-4-1859 e faleceu em Lisboa, na Casa de Saúde de Benfica, a 17-3-1934, com 74 anos de idade. Os seus avantajados meios de fortuna permitiram-lhe reunir uma magnífica colecção de arte (quadros, porcelanas, mobiliário), fazendo-se distinguir na sociedade do seu tempo, tanto no país como no estrangeiro, como um mecenas e um magnata da cultura e da arte. A sua avultada fortuna permitiu-lhe construir na colina de St.º António do Alto, em Faro, uma magnifica residência ao estilo dos “chateaux” do Loire francês, que ficou conhecido, e ainda hoje se designa, como Palácio Fialho. Começou a construir-se em 1915, sob projecto do arquitecto Joaquim Manuel Norte Júnior, concluindo-se as obras em 1925, cuja cerimónia de inauguração contou com a presença das principais autoridades políticas, religiosas e militares do Algarve.
Nessa altura poucos se interessavam em Faro, ou no Algarve, pelo coleccionismo de peças artísticas e de antiguidades, paixão essa que herdou do sogro, o famoso Dr.  Justino Cúmano, que foi no último quartel do séc. XIX um verdadeiro mecenas da arte e da cultura algarvia, proprietário do Teatro Lethes e grande impulsionador da Arte de Talma no Algarve. 
Iniciou a sua actividade industrial precisamente na cidade de Faro onde fundou uma fábrica de álcool que por razões conjunturais teve efémera duração. Investiu depois no ramo da indústria da pesca do atum e da sardinha, sector tradicional mas de confiável retorno financeiro. Depressa se apercebeu da oportunidade do sector conserveiro, que nos finais do séc. XIX estava ainda a dar os primeiros passos, fundando algumas fábricas em Portimão e Lagos. Anos depois fundaria novas e sofisticadas unidades fabris na cidade de Faro, nas vilas de Olhão e Espinho, tendo por fim avançado para a ilha da Madeira, onde se tornou o principal industrial do sector, tal como aliás acontecia no Algarve. O número de operários, que tinha por sua conta nas diversas fábricas espalhadas pelo país, ascendia a largos milhares.
As marcas que lançou no mercado, sobretudo das suas conservas de sardinha eram as mais conhecidas na Europa, principalmente em Inglaterra, onde praticamente dominava esse sector de mercado. As latas de sardinha e de atum das fábricas algarvias da Casa Fialho foram imprescindíveis para a alimentação dos exércitos beligerantes durante a I Guerra Mundial.
Pedra de litografia usada nas conservas de Júdice Fialho
Júdice Fialho foi um dos maiores industriais de conservas da Europa, cujo sucesso se deve ao seu espírito criativo e empreendedor, capaz de ver à distância os interesses do mercado e a evolução do consumo em diferentes regiões do mundo. Com o elevado volume de negócios que manteve nos principais mercados mundiais, conseguiu reunir um pecúlio financeiro verdadeiramente invulgar, tornando-se num dos maiores capitalistas portugueses do seu tempo.
Teve uma vida de intenso trabalho, com muitos dissabores, traições e desilusões, que lhe endureceram o carácter. Retirou da sua experiência como empresário uma capacidade negocial invulgar e uma diplomacia nas relações exteriores muito peculiar. Soube extrair das relações com os políticos nacionais e estrangeiros grandes lições, umas positivas quando baseadas na honra, outras negativas quando envasadas na corrupção. De todas soube sempre colher ensinamentos que lhe foram muito úteis no seu longo percurso empresarial. Muitas dessas falsas amizades usou-as em proveito próprio. Não obstante, foi um dos maiores industriais das pescas e da transformação conserveira no país, com fábricas no Algarve e noutras regiões do país, contribuindo com as suas iniciativas empresariais para o desenvolvimento da economia nacional.
Panorâmica do palácio Fialho, actual Colégio do Alto
Curiosamente nos últimos anos de vida virou-se para a agricultura, tendo adquirido no Algarve vastas propriedades, situadas no Areal Gordo e Pereiro, as courelas das Caliças, as fazendas de Marachique e das Areias, do Vau da Rocha (em Portimão), Atalaia e Benefícios, assim como a famosa Quinta do Alto, onde construíra a sua residência. Mas também adquiriu as conhecidas Hortas de Olhão e dos Fumeiros, a quinta do Bom João e a vastíssima fazenda do Montenegro, sem esquecer ainda as valiosas e extensas propriedades dos salgados e reguengos de Portimão, em Boina e Arge, tendo por fim adquirido o antigo Morgado de Quarteira, que mais tarde o banqueiro Cupertino de Miranda compraria aos seus herdeiros para aí fundar o resorte turístico hoje conhecido como Vilamoura. Nessas propriedades desenvolveu culturas novas e empregou modernas máquinas, adubos e desinfestantes até aí desconhecidos na região. Algumas dessas máquinas existiam ainda há poucos anos nas arrecadações agrícolas da sua apalaçada residência, hoje transformada, ou adaptada às suas funções educativas, sob a designação de Colégio de Santo António do Alto. A ele se deve a introdução no Algarve das culturas intensivas do pimenteiro e do marmeleiro, cujas produções aproveitou para criar as primeiras agro-indústrias no género, além de ter também experimentado a exportação em lata da pasta de pimento e do doce de marmelo.
Também investiu na pesca do bacalhau, enviando vários navios da sua frota pesqueira do Algarve para os bancos na Terra Nova de onde voltavam carregados de peixe que era depois aqui submetido à secagem, embalagem e exportação para os mercados consumidores em todo o mundo. Embora o Algarve tivesse condições muito propícias à indústria da secagem do bacalhau, o certo é que depois da experiência da Casa Fialho praticamente não houve quem prosseguisse no aproveitamento desse sector.
Face aos seus negócios e aos avultados meios de fortuna, Júdice Fialho passava largas temporadas no estrangeiro usufruindo da avançada cultura dos países do centro europeu, adquirindo conhecimentos nos mais diversos meios, quer científicos quer artísticos. A sua educação e esmerado bom gosto, levou-o a coleccionar imensas obras de arte, principal-mente quadros, tapeçarias, esculturas e ricas porcelanas, com as quais decorou e enriqueceu o seu palácio de Faro.
soldagem das latas de conservas
Uma das suas características mais cativantes era a forma como tratava os seus colaboradores, desde o engenheiro até ao mais humilde trabalhador rural, que a todos conhecia pelo primeiro nome. A nenhum, sobretudo aos mais humildes, permitia que faltasse o sustento, diligenciando sempre trabalho para os activos e apoio financeiro para os velhos e doentes. Impõe-se também salientar que as fábricas conserveiras da empresa Júdice Fialho foram as primeiras no país a possuírem creches para os filhos das operárias e salas de aleitamento para que as mães pudessem cuidar dos seus bebés durante as horas de trabalho.Também lhes eram prestados serviços médicos e apoio farmacêutico, além de ensinamentos de puerícia e aconselhamento no planeamento familiar.
Em 17-4-1916, a Câmara Municipal de Portimão prestou-lhe uma homenagem pública, descerrando o seu retrato no salão nobre daquela edilidade, como prova de gratidão pelo desenvolvimento económico prestado à sua terra-natal.
Dois dias antes de falecer foi submetido a uma intervenção cirúrgica que correu satisfatoriamente, sucumbindo no pós-operatório por causa de um ataque  cardíaco, enfarte agudo do miocárdio.
Foi casado com D. Maria Antónia Cúmano Fialho, que era descendente de uma das mais prestigiadas famílias do Algarve, filha do médico italiano Dr. Justino Cúmano. Teve duas filhas, D. Justina Cúmano Fialho de Sousa Coutinho, casada com D. António de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, e de D. Isabel Cúmano Fialho de Mendonça, viúva de Jorge de Mendonça.
O féretro do benemérito industrial chegou a Faro por via-férrea no dia 21-5-1934, ficando depositado no jazigo da família Cúmano até que ficasse pronto o mausoléu que a viúva mandou edificar no Cemitério da Esperança. O seu funeral foi uma grandiosa manifestação de pesar, demonstrada por milhares de pessoas que deviam ao defunto diferentes provas de amizade e de protecção. Vieram camionetas de todo o Algarve, especialmente de Portimão, Peniche e Sines, onde aquele industrial possuiu fábricas e propriedades agrícolas.
O nome de João António Júdice Fialho encontra-se imortalizado na toponímia das cidades de Faro, Sines e Portimão. Recentemente o município de Portimão atribuiu-lhe o nome a uma Escola do Ensino Básico dos 2º e 3º Ciclos.

Benzeduras e ditos populares na etnografia algarvia

Benzer o pão - Terminada a amassadura do pão, benze-se a massa e talha-se com a mão fazendo um gesto em cruz; quando a maça começa a levedar esta cresce de volume até atingir uma proporção que indica poder dar-se o trabalho por concluído, dizendo-se então: “Deus te acrescente / Deus te ponha a virtude / Que eu já fiz o que pude”. Esta crença e procedimento que era comum e habitual em todo o Algarve, hoje só se executa nas casas de campo e lavoura do interior algarvio, sobretudo em São Brás de Alportel, em Castro Marim, Silves, Monchique e Aljezur. No entanto, este dito era substituído em muitos lares onde se cozia pão, por uma ladainha popular, por um responso religioso, dirigido a Santo António ou a São Francisco, e por uma bênção igual à que viam e ouviam fazer na missa. Esta crença da benzedura e da ladainha religiosa usava-se não só na amassadura do pão, mas também no parto dos animais de curral. Era muito comum o uso de rezas e benzeduras por certos curandeiros e habilidosos de mãos, a que chamavam "endireita", uma espécie de fisioterapeuta popular que nas aldeias e terras do litoral algarvio costumava curar entorces e outras lesões articulares, que no Algarve costumam designar por "desmantalamentos". 
Cangrejo - No linguajar algarvio, significa caranguejo, daí a expressão muito peculiar de “andar ao cangrejo” que se traduz na apanha do caranguejo. Também é muito corrente dizer-se “cangrejar” que significa mourejar ou trabalhar muito, mas com pouco proveito.

Âncoras de Ossónoba?


Âncoras - No cabo de Palos, em Espanha, apareceram há quase cem anos atrás umas âncoras de chumbo com inscrições gregas e latinas. Uma dessas inscrições gregas referia-se a Júpiter Casio. A circunstância de Ossónoba ter sido rica em estanho, de nas suas moedas aparecerem um navio e peixes, e de em Faro ter sido encontrada uma inscrição consagrada a Júpiter, levou o arqueólogo espanhol, o Rev.º Fidel Fita, a aventar que talvez essa âncora fosse feita em Faro. Leite de Vasconcelos, numa curiosa nota crítica em O Archeologo Portugues, vol. XI, p. 382, rebate a opinião pois nem só nas moedas de Ossónoba aparecem aqueles emblemas, e a inscrição não é de Faro mas de Messines.

Foral do ALVOR e outras curiosidades


O FORAL manuelino do Alvor, também designado por foral novo, foi dado em Lisboa a 13-12-1585. Existe também um alvará para esta vila usar do foral de Silves (Chancelaria de D. Filipe I Livro 10, fl. 281). Veja-se também a Provisão de 14-12-1715, facultando ao Duque de Cadaval poder vender o sal das suas Marinhas d’Alvor sem embargo da disposição do Foral (Chancelaria de D. João V, livro 44, fl.37).
Forte do Alvor - Em Novembro de 1924 foi encontrada, soterrada na Rua do Mourão, uma lápide com a seguinte inscrição; «Sendo o Ilmº Bispo e Governador deste Reino, D. Fernando Barreto, mandou acabar este forte no ano de 1675». A pedra que era de altíssimo valor histórico, foi empregue na construção de um bebedouro, porque ninguém conseguiu demover o seu proprietário a oferecê-la  à autarquia de Portimão para o futuro Museu.
Igreja e romarias - O pórtico da Matriz do Alvor, em estilo manuelino de transição para a Renascença, é dos mais belos do Algarve. A igreja tem uma porta lateral também manuelina, sendo o seu interior de três naves, com curiosas colunas e arco da capela-mor bem talhado. Tem junto à igreja a capela da Senhora do Verde. Refira-se que à imagem do Senhor Jesus Crucificado de Alvor faziam-se romagens todas as sextas-feiras do mês de Março, que eram muito concorridas pelos devotos de Portimão, Lagoa, Silves e Lagos.


domingo, 11 de novembro de 2012

Origens do Turismo Algarvio - um dos fundadores do Hotel Bela Vista em Portimão

   
     Numa altura em que vivemos o ano jubilar do turismo português, mercê da realização em Lisboa, em 1911, do IV Congresso Internacional de Turismo; e em que estamos praticamente a abrir as comemorações centenárias do 1.º Congresso Regional Algarvio, realizado no Casino da Praia da Rocha, em 1915; impõe-se aqui, e agora, realçar e destinguir algumas figuras que estiveram na origem do processo nacional de fomento turístico. A maioria dessas personalidades estão hoje injustamente esquecidas e ignoradas, mercê do processo evolutivo dos tempos, mas também da ingratidão que tem caracterizado as gerações recentes. Acresce a tudo isso a ignorância institucionalizada pelo aparelho educativo nacional, que tem transformado uma nação com um glorioso passado num país periférico sem memória nem futuro.
    Assim, e de entre as muitas personalidades que estão ligadas à História do Turismo no Algarve, ocorreu-me lembrar hoje a  figura de Albino Paulino de Jesus, que foi Oficial da Marinha Mercante e empresário de turismo, natural de Ferragudo, onde, aliás, sempre residiu, vindo a falecer no hospital de Portimão, vítima de um lamentável acidente, a 27-9-1954, com 67 anos de idade.
Herdeiro de uma das mais conhecidas famílias do barlavento algarvio, que desde há décadas se havia envolvido no sector da Marinha Mercante em que Albino Paulino de Jesus ascendeu ao honroso posto de comissário, mercê dos seus dotes de inteligência, do seu trato afável e espírito empreendedor. Ligado aos transportes marítimos foi para Lisboa, onde abriu um escritório comercial na Rua de S. Julião, por cujas instalações passavam ao fim do dia muitos algarvios, desejosos de receber encomendas, levantar dinheiro, receber notícias dos seus familiares e até fazer alguns dos chamados negócios de oportunidade garantida.
Com os lucros do escritório lisboeta, montou um negócio de moagem no Alentejo que lhe permitiu juntar largos capitais financeiros. Ciente de que o Algarve era uma região de futuro, com emergentes potencialidades no sector do turismo, então largamente incentivado pelas instituições públicas e pela máquina de propaganda fundada pelo famoso António Ferro, de quem era, aliás, particular amigo, decidiu regressar à terra-mãe.

postal ilustrado editado nos princípios do séc. XX
Quando veio para o Algarve apercebeu-se que o apalaçado edifício da antiga Vila de N.ª Senhora das Dores, situado nas arribas da então desigada Praia de Santa Catarina (hoje Praia da Rocha), a cuja inauguração assistira em 1918, e que pertencia ao famoso industrial conserveiro António Júdice de Magalhães de Barros, estava muito degradado pelo abandono a que fora votado. Com efeito, a belíssima residência de traço neogótico, cujas janelas em arco ogival eram, e são, a sua principal característica arquitectónica, fora construída no topo da falésia, que debruçada sobre o mar permite o privilegiado visionamento daquela magnífica baía, de mar-chão e doiradas areias, que se estende desde a Ponta do Altar, em Ferragudo, até quase à Ponta da Piedade, em Lagos.
    A magestosa casa estivera ao abandono durante uma década, precisamente desde 1924, quando faleceu a esposa de Magalhães de Barros, até 1934, quando Henrique Bívar de Vasconcelos, que já possuía uma pensão no centro de Portimão, convenceu os herdeiros a arrendarem-lhe a "casa branca" para nela instalar uma moderna unidade hoteleira, que viria a ser inaugurada em 1936 sob a designação de Hotel Bela Vista. Face à crise económica que desde 1929 se instalara na América e se estendera à Europa (dando origem ao nazi-fascismo), muitas das casas bancárias e grandes industriais do país sofreram processos de insolvência que os obrigaram a vender o seu património. O imóvel agora transformado em Hotel foi um desses exemplos. Mas apesar de todas as contingências políticas e económicas desses conturbados anos, o turismo prosseguia o seu caminho, não só de preenchimento do lazer e revelação do hedonismo, mas também de novas terapias contra os flagelos da tuberculose, da asma e afecções pulmonares, contra o raquitismo, as artrites reumatóides, a psoríase e tantas outras doenças, para cujo combate e restabelecimento da saúde muito contribuíram as praias, os puros ares das montanhas e as águas medicinais das termas.

     O turismo algarvio dava então os primeiros passos, fazendo da Praia da Rocha e das termas de Monchique os seus principais pólos de atracção, tendo como oferta a amenidade do clima, a paradisíaca envolvência das suas praias, e os seus novos hotéis. A par dessa oferta e da evolução dos tempos, despontavam também os casinos, que acompanharam o desenvolvimento turístico da orla costeira. O Hotel Bela Vista foi um dos precursores do turismo moderno, com boas condições de higiéne, de conforto e de recato. Talvez por isso os seus primeiros hóspedes tenham sido estrangeiros, da orla mediterrânica, sobretudo espanhóis, gente rica, educada e empreendedora, que fugia dos horrores da guerra civil. Parece que entre esses clientes estavam figuras da política e da cultura ibérica, atraídos pela família dos irmãos Feu, industriais conserveiros oriundos da Andaluzia que também aqui se refugiaram no último quartel do séc. XIX, decidindo fixar-se em Portimão e investir no mesmo ramo industrial em que eram reconhecidos peritos. É curioso assinalar que o turismo, uma nova indústria relacionada com o lazer da burguesia, esteve em muitos aspectos diretamente relacionada com as origens da indústria conserveira em Portimão. 
     A década de trinta foi conturbadíssima na Europa. A crise económica desacreditou a democracia e deu origem a regimes políticos autocráticos e centralistas, estribados na ordem, no autoritarismo e na força militar. Em Portugal emergiu o Estado Novo, sob a figura emblemática de Salazar, cujo regime designado por Corporativismo era um decalque, mais suave e menos militarisado, do fascismo italiano. Apesar da não participação na II Guerra Mundial, o nosso país passou por uma difícil crise económica a que o turismo não poderia ficar incólome. Portugal transformou-se numa pátria de exílio para muitas coroas reinantes que haviam sido destituídas com a guerra, mas também foi um local de refúgio para muitas famílias abastadas, empresários, proprietários, artistas e "dealers" de toda a casta de mercadorias, proliferando o mercado paralelo e os negócios obscuros, sobretudo do ouro e do volfrâmio. Muitos dos estrangeiros que aqui procuravam a paz, o socego e a segurança, eram judeus, fugidos às desumanas perseguições dos nazis alemães, a célebre "solução final", como lhe chamou Hitler, que visava o extermínio raça hebraica, e o apagamento da cultura e da religião judaica. Por isso, o nosso país transformou-se, nesses primeiros anos da década de quarenta, numa espécie de plataforma de fuga para a América, ou, mais concretamente, numa plataforma de saída da Europa.
    Não admira que, nestas circunstâncias, os hotéis de Lisboa, mas também os da linha costeira até ao Estoril e Cascais, estivessem totalmente preenchidos de clientes, a maioria dos quais em trânsito. E no meio dos clientes mais abastados camuflavam-se os espiões de ambos os lados do conflito.
estado actual do Hotel Bela Vista, após recente restauro
     O turismo no Algarve poucos benefícios teve com a guerra, ou melhor, com a estadia e passagem dos refugiados. Por isso os hotéis, nomeadamente o da Bela Vista, não conseguiram sobreviver face às dificuldades de abastecimento, à carestia de vida e às dificuldades de acesso ao financiamento.  O resultado prático foi a insolvência da maioria dessas novas unidades.
    Foi no rescaldo desses conturbados anos da guerra que regressou ao Algarve um dos seus filhos pródigos, Albino Paulino de Jesus, detentor de um invejável pecúlio financeiro e decidido a investir na Praia da Rocha, aonde viria a refundar o conhecido Hotel Bela Vista, à frente do qual se manteve como sócio-gerente durante largos anos. Também pensou fazer o mesmo na praia do Estoril, mas quedou-se apenas pela aquisição de uma bela vivenda onde passava férias ou se hospedava sempre que ia a Lisboa.
Com o avançar da idade decidiu recolher-se à sua aldeia natal, a bonita freguesia de Ferragudo onde comprou um antigo e amplo moinho no cimo duma colina sobranceira ao rio Arade, de onde desfrutava uma soberba panorâmica sobre a foz e a linha prateada da costa marítima. Acalentava o sonho de restaurar o velho e altaneiro moinho para nele instalar uma pousada turística, cujas obras estavam plácidamente evoluindo. Porém, um estúpido e fatídico desastre interrompeu o mais bonito sonho da sua vida.
    O acidente deu-se na Praça Visconde de Bivar, em Portimão, quando o infeliz Albino Paulino de Jesus, que pretendia tomar lugar na camioneta da carreira para Faro, se deixou atropelar pela mesma ficando praticamente esmagado pelos rodados do pesado veículo. Expirou pouco depois no hospital local, sem que os cuidados médicos de que foi alvo pudessem evitar o triste desenlace.
Era casado com D.ª Alda Reis Paulino de Jesus e foi pai da Dr.ª Maria Carolina Paulino de Jesus, de D. Maria Celeste, de Fernando e de Adelino Reis Paulino de Jesus. Era irmão de António e de Artur Paulino de Jesus, que foram ambos muito conceituados e experientes comandantes da Marinha Mercante.
 

«O tempo está Pégo» expressão de Castro Marim


 Pégo foi a designação mais surpreendente que o Prof. Leite de Vasconcelos registou como muito frequentemente aplicada em Castro Marim, sobretudo quando aplicada ao vento de sudoeste: o tempo está Pégo. Na realidade era, e creio que ainda é, um dito muito comum naquela antiga vila raiana, como se comprova pelo seguinte ditado: “Quando Dês q’ria / do Pégo aventava /e do Norte chovia”. Segundo o eminente etnólogo “Pégo” provém do mesmo étimo  latino, pelagus, que significa mar (cf. Opúsculos, III, p. 477).

Etimologia Tiponímica de Castro Marim

 
vista panorâmica do Castelo de Castro Marim
O Prof. José Leite de Vasconcelos, na sua monumental Etnografia Portuguesa, vol. II, p. 622, dá curiosas achegas para a etimologia do topónimo Castro Marim.
Afirma inclusivamente que é um dos mais estranhos topónimos meridionais em que entra um genitivo. Diz também que por vezes se traduz o étimo latino por “Castelo da beira-mar”, face à designação Castrum Marini. Daquilo que o grande sábio não tem dúvida é que o topónimo Castro é raríssimo na região sul do país, e que, por isso, não lhe repugnava que Castro Marim proviesse da época visigótica.
 

CASTRO MARIM - Documentos Históricos


emblema da Ordem de Cristo

     Ordem de Cristo - A Bula do Papa João XXII, “Ad ea ex quibus cultus angeatur”, instituiu a Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, a pedido de El-rei D. Dinis, dando para sua residência a Vila de Castro Marim. Pela dita Bula a Ordem apropriou-se de todos os rendimentos, jurisdições e regalias de que beneficiava a Ordem dos Templários, extinta pelo Papa Clemente V; também nessa Bula nomeava para grão-mestre Egídio Martins, sujeitando-se a Ordem de Cristo à visitação dos abades de Alcobaça. Dada em Avinhão, a 14-3-1319. Escrita em pergaminho, com selo de chumbo pendente.
ANTT, Gaveta VII, Maço 5, doc. 2; acrescente-se ainda outra Bula relativa ao mesmo assunto em ANTT, Gaveta VII, Maço 8, doc. 5 e docs. 6 e 8.
 Doação de Impostos à Ordem de Cristo da vintena de todo o pão que passasse pelo rio Guadiana e da terça da barca que passasse de Castro Marim para Aiamonte. Pergaminho em bom estado, assinado por D. Manuel I e datado de Lisboa a 14-5-1504. 
ANTT, Gaveta VII, Maço 11, doc. 10.
Acordo fronteiriço entre Castro Marim e Aiamonte, pelo qual se ordenava que os barcos e batéis que entrassem pela foz do Guadiana para cada uma das ditas vilas não fossem embargados pelos moradores dos respectivos lugares. Pergaminho em mau estado, datado de 1288.

Vila de Castro Marim, desenho pub. Livro de Duarte d'Armas
ANTT, Gaveta XV, Maço 15, doc. 21.
Escambo - Pergaminho em bom estado, com selo pendente de cera, datado de Leiria a 7-11-1372, que trata do escambo feito entre D. Fernando e o mestre da Ordem de Cristo, pelo qual el-rei trocou Castelo de Vide por Castro Marim. 
ANTT, Gaveta VII, Maço 14, doc. 1
Traslado de uma inquirição que se realizou a respeito dos lugares de Castro Marim e de Aiamonte. Escrito sobre papel, com 12 folhas e em bom estado, datado de 10-11-1537.
 ANTT, Gaveta XIV, Maço 5, doc. 15.
Livro do Tombo da Ordem de Cristo
Anadel-mor - Apontamentos a respeito de Garcia de Melo, anadel-mor de Castro Marim. Escrito em papel, com 2 fls., em bom estado, datado de 1509.
ANTT, Gaveta XX, Maço 5, d. 14.
 Foral antigo encontra-se no ANTT, Maço de Autos sobre Direitos Reaes e da Ordem de Cristo, n.º 1, e tb. a fls. 18 e 22, estando datado de 1-5-1282. Veja-se tb. no Livro I do Rei D. Afonso III, fl. 141, e Livro I do Rei D. Dinis, fl. 44vº. Ver tb. os Autos entre as Partes, os moradores da mesma vila e Lopo Mendes seu comendador, nos quais se deu contra este Sentença a 21-3-1504 para que não levasse mais direitos do que aqueles que estipulava o Foral. O foral manuelino, ou Foral Novo, foi dado em Lisboa a 20-8-1504, encontrando-se no Livro de Foraes Novos do Alemtejo, fl. 24, col. I.
Sentença dada pelo infante D. Henrique, duque de Viseu e regedor da Ordem de Cristo, a favor de Diogo Lopes de Freitas, contra Martim Vicente Garrido, pela qual foi condenado a pagar dois barcos bons e aparelhados como o que levara carregado de trigo pela foz do rio de Castro Marim sem pagar o direito de portagem na forma do seu foral. Escrito em papel, bem conservado e com selo de chapa. Dada em Estombar, a 20 de Janeiro de 1447.