terça-feira, 19 de novembro de 2013

Sermão de Stª. Clara proferido em Faro por Frei Francisco de Santo Ambrósio no ano de 1681


Trago hoje a terreiro a notícia de se haver publicado, em 1681, um notável Sermão pronunciado na sé de Faro, por um ilustre, mas quase desconhecido franciscano, que dava pelo nome religioso de Frei Francisco de Santo Ambrósio. Confesso que pouco sei acerca do seu trajecto de vida, que deve ter percorrido com extrema humildade. O que dele conheço são uns breves fogachos referenciados oficialmente no seu desempenho eclesiástico. Assim, toda a gente sabe que o nosso Frei Ambrósio professou na Ordem de S. Francisco, na Província da Piedade, na qual se integrava o sul territorial, sendo por isso de admitir que se não nasceu no Algarve era provavelmente alentejano. Todavia, nada nos pode asseverar certezas, visto serem demasiados os casos que excedem e contrariam este raciocínio. Sei também que foi «religioso observante», isto é, pertencia às chamadas OFM (Ordem dos Frades Menores), que neste caso era a dos Frades Franciscanos Observantes, com regra simplificada pelo Papa Leão XIII (das Reformas1368 e 1897, cujo hábito era castanho com capuz curto). Os religiosos observantes eram mais populares, porque embora fizessem voto de pobreza, castidade e obediência, não estavam obrigados à reclusão conventual, andando por isso na “observação do mundo”, isto é, andavam na rua, colaborando com as populações em diversas actividades assistenciais. Por isso é que os seus conventos eram normalmente dentro das cidades para melhor interagirem e cooperarem com as populações urbanas, mais atreitas aos pecados mundanos e mais carecidas de assistência moral e religiosa.
Sabemos também que foi «Qualificador do Santo Ofício», isto é que foi agente especializado na censura de obras literárias e na pesquisa de ideias, atitudes e gestos que contrariassem a pureza da religião Católica Apostólica Romana. Os Qualificadores eram odiados dentro e fora da Igreja, porque deles partia a denúncia para do Santo Ofício. Na vida civil o seu equivalente eram os «Visitadores de Naus», agentes da autoridade que fiscalizavam as mercadorias que chegavam nos barcos estrangeiros para impedirem a entrada de livros e de folhas volantes que propagassem as ideias protestantes.
Além de censor foi também Guardião, isto é, frade superior ou principal dirigente, dos Conventos de S. Francisco de Xabregas, da Cidade de Évora, da Vila de Odemira e da Cidade de Faro. Foi também Examinador, isto é, fazia a selecção dos melhores noviços conventuais para prosseguirem a vida religiosa, mas também fazia de analista ou avaliador sinodal. Foi, por fim, Confessor penitenciário do Bispado do Reino do Algarve e Confessor do Real Convento das Religiosas Flamengas de Alcântara, o que significa que superintendia no exercício sagrado da confissão aos sacerdotes, frades e freiras. Acima de tudo o nosso Frei Ambrósio, apesar dos cargos exercidos, nunca deixou de ser um simples Assistente no Convento de S. Francisco, em Lisboa. Por fim sei que faleceu no ano de 1700.
Da sua obra aqui ficam as referências de tudo o que veio a público, o que não sendo muito pode porém considerar-se notável, pois que a imprensa nessa época era um luxo e a edição em letra de forma, de um livro ou de um simples opúsculo, como era o caso dos sermões, dava ao seu autor uma reputação de que poucos se podiam vangloriar. Da sua lavra apenas possuo um raro exemplar do:
SERMAM DA GLORIOSA MADRE S. CLARA PREGADO NO CONVENTO DAS Religiosas de sua primeira regra da Assumpçaõ da Cidade de Faro; estando o Santissimo Sacramento manifesto. OFFERECIDO A SENHORA SOROR THEREZA MARIA DE JESUS, FILHA DO EXCELENTISSIMO SENHOR DVQVE DE CADAVAL. NO REAL CONVENTO DAS RELIGIOSAS Capuchas da primeira regra da gloriosa madre S. Clara, de N. Senhora da Quietaçaõ das Flamengas de Alcantara. PELLO R. P. FR. FRANCISCO DE SANTO AMBROSIO CONFESSOR DO dito Convento, Religioso observante da Provincia dos Algarves. Lisboa, Com as licenças necessárias, Na Impressaõ de Antonio Craesbeeck de Mello, Impressor da Casa Real, Anno 1681, [2], 3-21, [1] p. (Na Biblioteca tem a cota: BN TR. 562410 P.)
A edição foi patrocinada, como facilmente se depreende, pelo Duque de Cadaval (D. Nuno Álvares Pereira de Melo), certamente por instância da sua filha, que estava internada como religiosa professa no Mosteiro das Flamengas de Alcântara, onde aliás era confessor precisamente o xabregano Frei Francisco de Santo Ambrósio. Desse respeitoso relacionamento, e da admiração que sentia pelo talento do seu confessor, surgiu certamente o pedido de publicação. Acrescente-se, conforme consta no citado opúsculo, que este sermão disserta sobre o tema "Ave Maria // Simile erit regnum Caelorum decem Virginibus: quae accipientes lampades suas exierunt obviam sponso & sponsae. Math. Cap. 25" (Ave Maria // o reino dos céus é como as dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo e da noiva. Mateus, cap. 25).
Confesso que tive a paciência de ler este sermão na íntegra, mas a experiência não me deixou seduzido a prosseguir a sua obra. A teologia não é seara de fácil penetração, ao contrário do que muita gente pensa. Em todo o caso, este espécime bibliográfico é bastante raro, embora seja obrigado a reconhecer que existem alguns exemplares em Portugal e no Brasil. Possuo outros sermões proferidos no Algarve da autoria de diferentes presbíteros, acerca dos quais devo aditar que são geralmente mais pequenos e mais acessíveis, nas asserções teológicas e filosóficas, dos que os de Frei Francisco de Santo Ambrósio.
Do mesmo Frei Ambrosio conheço um outro sermão com interesse regional, e que espero venha a figurar na Algarviana, o qual, a título de curiosidade, passo a citar:
SERMAM DO PRINCIPE DA IGREJA MEU SENHOR S. PEDRO PREGADO NA SANTA SEE DA CIDADE DE FARO. PELO R. P. FR. FRANCISCO DE S. AMBROSIO. Religioso observante da Provincia dos Algarves. SENDO GUARDIAM DO NOSSO PADRE S. FRANCISCO Da mesma Cidade. OFFERECIDO AO ILLUSTRISSIMO SENHOR MARCELLO DURASSO ARCEBISPO DE CALCEDONIA, E NUNCIO Apostolico cõ poderes de legado a Latere nos Reynos de Portugal. Imprenta Antonio Craesbeeck de Mello, LISBOA, 1681. Descrição: 1 fl. prel. não num., 17(+1) p. (19cm). Na Biblioteca Nacional está inserido numa miscelânea dos Reservados, onde está catalogado com a seguinte cota: RES. 3537//17 P
Obra de Frei Francisco de Santo Ambrósio foi compilada, pouco antes do seu falecimento, no livro que passo a citar, do qual conheço um exemplar na Biblioteca Nacional.
SERMÕES VARIOS, PREGADOS PELO REVERENDO PADRE FREY FRANCISCO DE SANTO AMBROZIO, RELIGIOSO OBSERVANTE, QUALIFICADOR DO Santo Officio, Guardiaõ que ha sido dos Conventos de N. P. S. Francisco de Xabregas, da Cidade de Evora, da Villa de Odemira, da Cidade de Faro; onde foy Exzaminador, [sic] Confessor penitenciario do Bispado do Reyno do Algarve, Confessor do Real Convento das Religiosas Flamengas de Alcantara. ASSISTENTE EM O CONVENTO DE N. PADRE S. Francisco, desta Cidade de Lisboa, Provincia de Portugal. OFFERECIDO AO EXCELLENTISSIMO SENHOR MARQUEZ DE ALEGRETE PRIMEYRA PARTEImprenta BERNARDO DA COSTA, LISBOA, 1696. Este exemplar apresenta-se com 6 fls. prels., 333 i. e. 323 p. (Existe um erro de paginação: da 169 salta para a p.180).

E é tudo o que sei. Se alguém quiser acrescentar mais elementos que possam completar este breve apontamento, fico muito grato.