sábado, 13 de agosto de 2016

ÁPODOS LOCAIS



“DITADOS TÓPICOS” foi a designação que José Leite de Vasconcelos inventou para designar aquelas expressões, de tipo adesivante, que servem para caracterizar certas pessoas, ou determinadas populações, que ficaram presas a factos do passado, que por bem ou por mal, abonam o seu carácter e as suas características de vida. Sem querer discordar do nosso último sábio, prefiro a designação de “ÁPODOS LOCAIS” para referenciar certos adágios ou ditos com repercussão regional.Alguns são simples e de imediata compreensão, quase não constituindo insulto para quem os profere, nem suscitando melindre para quem os ouve e acata. Estão neste âmbito chamar “serrenhos” aos habitantes da serra algarvia, que parece de somenos agressividade insultuosa do que “montanheiro”, designação que os citadinos usam para definir os arcaicos, ignaros e desconfiados habitantes das aldeias serranas.Do mesmo modo, parece tolerável chamar “carecas” aos de Faro, ou “melos” e “melinhos” aos de Olhão. Tem tudo a ver com o Barão de Faro (família Ortigão) que era careca, e com o Barão de Olhão, que era de apelido Melo. Tudo simples, compreensível e até tolerável. Já não se pode dizer o mesmo quando se classificam os louletanos de “caceteiros”, os sambrasenses de “cachamorreiros” ou se designa depreciativamente os de Monchique como “monchiqueiros, dando a entender que a salutar e verdejante vila termal não passava de uma alfurja.Menos admissíveis e convenientes eram, porém, certas designações ou expressões que, funcionando linguisticamente como ápodos, feriam a susceptibilidade das populações locais. Incluem-se, neste caso, a designação de “linguareiros” para os habitantes de Lagoa, e de “casmurros” para os da freguesia de Budens, no concelho de Lagos. Aos do Alvor chamam-lhe “os que roubaram o Senhor”, por causa de uma lenda popular muito deturpada e pior interpretada. Maldosa e pessimamente narrada tem sido, ao longo de muitos anos, a historieta dos de Tavira (e também dos de Lagos), que por ganância, egoísmo ou temor de partilha, se diz que “comem na gaveta”. O mesmo acontece quando em Faro se fala do “agulheiro”, uma falsa lenda que por não ter pés nem cabeça caiu no olvido e no perdão dos farenses. Já a mesma tolerância e perdão não poderá esperar quem tiver a ousadia de afirmar que “quando zurra um burro é meio-dia em Porches”. Aquela tão velha quanto bela aldeia de Porches, cujos pescadores desafiavam os mares mais longínquos, nunca perdoariam tamanha insolência. Em Porches já não há burros…Os de Armação de Pera dão uma casca tremenda quando se lhes diz: “larga o prego”, os de Estoi quando se lhes fala no “garrocho”, e os de Olhão desencadeiam um arraial de trolha quando lhes falam nos “canudos do órgão”. Igualmente insultados se sentem os de Lagos quando se lhes fala na história do Maio, ou do “quanto mais longe mais luze”. É certo e sabido que o “tresluze” do Maio desencadeia no ânimo lacobrigense uma valente bofetada ou um soco nos dentes do engraçadinho que proferir tão insultuosa expressão. Pior do que tudo isso é proferir em Monte Gordo, sobretudo junto dos pescadores a que chamam “Cuícos”, a frase “moce agarra o pato”. Arreia-se o tresmalho e vai tudo pelos ares, a soco, pontapé e naifada… 
Aos de Vila Real de Santo António não se deve falar no poço velho e muito menos se deve perguntar se bebem “água do povo novo”. A resposta vem de imediato, de cima para baixo e com o punho fechado. Já vi um incauto, a instâncias de falsos amigos, pedir à mesa do café “água do povo novo”, saindo pela porta fora quase a toque de caixa. Isto sim são ápodos locais, por serem maldosos, insidiosos e estigmatizantes.Logicamente não vou contar nenhuma dessas histórias, visto serem demasiado escabrosas e inconvenientes para serem agora desenterradas. Certamente era isso que os meus leitores queriam, mas reservo-me por razões de respeito para uma ocasião mais aprazada, e mais segura…

domingo, 7 de agosto de 2016

ALBUQUERQUE, Teresa de Jesus Lopes de Pina Manique e

Senhora muito respeitada da burguesia farense, que pelo casamento se tornaria herdeira de prestigiados pergaminhos sociais no seio da elite nacional. Deve ter sido das primeiras mulheres a concluir um curso universitário, e quase de certeza a primeira portuguesa licenciada em Engenharia Agronómica.
Nasceu em Faro, na centúria de oitocentos, e foi das primeiras meninas a estudar no Liceu Nacional de Faro. Aliás, chegou a frequentar aquele estabelecimento com as suas irmãs, o que atesta a superioridade mental e intelectual da família, cujo espírito evoluído e moderno se diferenciava largamente da restante sociedade farense, cuja tradição reservava para as meninas um papel mais comedido e reservado. As “meninas do Liceu”, como então lhes chamavam, eram três irmãs, pertencentes à família Jesus Lopes, de origens sociais modestas, que se estabelecera com enorme sucesso no sector mercantil e agro-industrial.
Quando a Teresinha quando foi para Lisboa estudar optou pela investigação no Instituto de Engenharia Agronómica, onde foi protegida e tratada como a mais rara flor daquela instituição científica. A sua primazia conferiu-lhe um estatuto muito especial a ponto de ter conquistado o coração de um dos alunos mais proeminentes do instituto e da própria sociedade lisboeta. Refiro-me ao conhecido engenheiro agrónomo e silvicultor José de Pina Manique e Albuquerque, figura de proa da Estação Agronómica Nacional, de quem teve uma única filha, Helena Guiomar de Pina Manique Albuquerque.
A engª Teresa tinha mais duas irmãs, igualmente casadas com figuras de referência na sociedade científica nacional: a Dr.ª Branca Lopes Martins, então já viúva do famoso Prof. Doutor Augusto da Silva Martins; e a Dr.ª Maria João Lopes do Paço, esposa do prestigiado arqueólogo e etnólogo Afonso do Paço, que curiosamente foi sempre um militar de carreira, alcandorando-se ao posto de Tenente-Coronel.
Viveu a maior parte da sua vida em Lisboa, mas quando vinha ao Algarve nunca se esquecia de visitar a sua terra-natal, onde mantinha laços familiares, relações de amizade e beneficência, contribuindo pecuniariamente para as principais instituições de caridade, protecção à infância e auxílio mútuo. Costumava passar férias no Algarve, nomeadamente na estância termal de Monchique e, mais tarde, na Praia da Rocha, sendo essas estadias alvo de notícia na imprensa regional algarvia.
A engª Teresa de Jesus Lopes residiu durante décadas na Avenida da República, em Lisboa, onde viria a falecer a 18-8-1965.