domingo, 21 de junho de 2020

CLEMENTINA, Maria

A actriz algarvia Maria Clementina
Actriz de teatro, Maria Clementina Borges de Sá, de seu nome completo, nasceu em Faro a 28-1-1897, e faleceu em Lisboa nos últimos dias de Dezembro de 1947, com 50 anos de idade. Era filha de D. Clementina Rato Borges de Sá e de João Bernardino Cardoso Sequeira Borges de Sá, que foi oficial do exército. Era, também, sobrinha-neta de Duarte de Sá, notável figura de intelectual e homem das artes, que foi o primeiro director do Conservatório de Lisboa.
Depois dos estudos primários frequentou a Escola de Arte de Representar, onde se distinguiu quase de imediato pelas suas qualidades para o canto, desenvolvendo muito as suas naturais aptidões com D. Eugénia Mantelli de quem foi dileta discípula.
As artes do palco, sobretudo o teatro, atraíam a sua curiosidade e natural ambição de sentir na alma os aplausos do público. Estreou-se então a 17-11-1919, no Teatro da Trindade, numa opereta, ou teatro musicado, muito na moda nesse tempo, intitulada «A Bela Risette», integrada na famosa companhia de Afonso Taveira.
Pouco depois integrou-se na companhia de Luz Veloso, que tinha como palco o famoso «Chiado Terrasse» (onde, a 18-12-1921, se realizou o célebre «Comício dos Novos», com Almada Negreiros a proclamar o Futurismo contra os modelos dominantes da arte), estreando-se no teatro declamado. Curiosamente tonou-se pouco depois em escriturada de Nascimento Fernandes, distinto artista algarvio e um dos mais prestigiados nos proscénios portugueses.
Estúdios da «Invicta Film», no Porto, pioneira do cinema luso
Quando se constituiu a «Companhia de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro» entrou para o seu elenco, nele se mantendo até ao precoce cair do pano no teatro da sua vida. Na culminância da sua carreira artística passou ainda pelo Teatro Nacional D. Maria II, onde alcançou a simpatia da crítica, e também do público, sem, todavia, ter conseguido atingir o patamar a que outras divas do palco lograram ascender.
Não quis o destino, infelizmente, que a sua carreira fosse longa. Talvez por essa razão não tivesse tempo para provar o seu verdadeiro talento e lograr alcançar os grandes êxitos da ribalta. Pode dizer-se, sem melindrar a sua memória, que embora Maria Clementina fosse uma artista bastante popular, faltou-lhe, porém, o sucesso estrondoso, a endeusante fama e a paixão do público, para se tornar numa diva da Arte de Talma. Em todo o caso, a sua carreira fez-se de forma ascensional, com a crítica a render-lhe rasgados elogios e até, por vezes, a render-se ao seu talento. As suas preferências interpretativas incidiam nas figuras de recorte cómico, caricaturando de forma maliciosa, histriónica e satírica certos estereótipos da sociedade portuguesa
Georges Pallu, realizador francês da Invicta Film
grande impulsionador do cinema português
Maria Clementina foi acima de tudo uma actriz do teatro cómico, distinguindo-se em várias comédias (talvez o género mais do agrado nacional) com figuras da sua própria concepção, representando quadros de um memorável humor, entre o brejeirismo popular e o sardónico afrancesado. Para isso valia-se da sua inteligência, perspicácia e esmerada educação literária. A sua invejável cultura geral, associada aos dotes de criação literária, levaram-na para os caminhos da escrita, preparando por vezes com os colegas os textos de peças cómicas, revistas e quadros hilariantes que integrava, por vezes, em peças de cariz erudito ou de raiz clássica.
Talvez poucos saibam que Maria Clementina foi uma das actrizes pioneiras do cinema português, ainda no tempo do “mudo”, participando em dois filmes produzidos pela «Invicta Films», do Porto, e realizados pelo cineasta francês Georges Pallu, que foi o grande impulsionador da cinematografia portuguesa. A primeira fita é de 1922, e intitulava-se «O Destino»; a segunda é de 1925, e designava-se «A Tormenta». Devo acrescentar que o cineasta Georges Pallu foi contratado a 17-2-1918, pelo portuense Alfredo Nunes de Matos, dono da «Invicta Film», à célebre empresa cinematográfica «Pathé Frères» de Paris. Quando chegou a Portugal, a 12-3-1918, deu início ao cinema moderno, artístico e profissional, sem perder de vista as raízes históricas da cultura lusíada. Pode dizer-se que o Algarve ficou de algum modo ligado ao arranque da 7ª Arte no nosso país, já que o primeiro filme produzido, «Frei Bonifácio», foi escrito por Júlio Dantas, o mais célebre de todos os escritores algarvios do século XX.
Em 1924, o artista António Pinheiro, algarvio dos quatro costados, e leal amigo de Maria Clementina, realizou com a ajuda de Georges Pallu, que também escreveu o argumento e até participou como actor de uma fita, hoje totalmente ignorada, intitulada «Tinoco em Bolandas», na qual a Maria Clementina desempenhava a baronesa de Sandomil, um dos papéis principais.
Cena do filme «Tinoco em Bolandas», de António Pinheiro
Já no tempo do cinema sonoro, e no estertor da II Guerra Mundial, em 1945, quando o cinema luso estava em grande pujança, a cineasta Maria de Lurdes Dias Costa, que como atriz e locutora de rádio, usava o pseudónimo Bárbara Virgínia, convidou a Maria Clementina para um insignificante papel no filme «Três Dias Sem Deus», que não obteve a simpatia da crítica, nem do público. O argumento deste filme era uma adaptação da obra «Mundo Perdido», da autoria do algarvio adoptivo Gentil Marques, que conheci muito bem nos anos oitenta como grande impulsionador da imprensa turística no Algarve. A título de curiosidade se acrescenta que o filme, produzido como todos os anteriormente citados pela «Invicta Film», era do género drama, e chegou a ser exibido no Festival de Cannes, a 5-10-1946, sob o título de «Trois jours sans Dieu». A estreia no nosso país ocorreu 30 de A
gosto de 1946, mas não teve a adesão do público, e o sucesso tão aguardado resultaria em breve num inesperado fracasso.
Maria Clementina sendo aparentada, pelo lado paterno, com o Conde de Farrobo herdara-lhe os genes artísticos, que elevou até aos píncaros das suas possibilidades, com honra, rigor e competência profissional.
Descendente, pelo lado materno, de uma importante família de Lagos, era também sobrinha do tenente-coronel do Estado Maior do Exército Raul Frederico Rato e do Dr. Jerónimo Cabrita Rato, sendo prima do Dr. Afonso Eduardo Martins Zuquete, que foi Governador Civil de Leiria.

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