Nos
finais século XIX, princípios do seguinte, era Lisboa, então como hoje, não só
a capital do Império, como também o fulcro da cultura e da criação artística
nacional. Razão pela qual se transformara num autêntico magnete de sedução e
aliciamento para os novos e mais promissores talentos nacionais. O jovem
algarvio José Mora, foi mais um dos que emigraram para a capital à procura de
uma oportunidade de vida e do tão almejado sucesso. Alcançou-o, embora
vagamente, no teatro.
Os
primeiros paços na Arte de Talma iniciou-os na sua terra natal, a sempre
próspera mas ignorada Vila Nova de Portimão, centro portuário de grande
projecção regional, pelo qual se escoavam muitas toneladas de conservas de
peixe, de figo, amêndoa, azeite, vinhos e aguardentes, cortiça, esparto, e uma
miríade de outras produções locais, de entre as quais se distinguiam os
citrinos de Silves. Várias foram as famílias que naquele porto se distinguiram
e enriqueceram pelo seu empreendedorismo, desde os Bivares aos Vilarinhos,
fomentadores da indústria corticeira, dos Júdice Fialhos, os Feus, magnatas da
indústria transformadora das pescas, passando pelos escritórios de exportação da
família Teixeira Gomes, que viria a distinguir-se na política, chegando à mais
alta magistratura nacional, mas também na literatura portuguesa, conquistando
lugar de destaque entre os maiores do seu tempo.
Vista parcial de Vila Nova de Portimão, cerca de 1906 |
Deixando
o seu grupo de amadores e os improvisados tablados, que a muito sacrifício se
erguiam nas associações operárias, passou depois José Mora a tentar a sua sorte
no Teatro Lethes, em Faro. Distinguiu-se logo pelo fulgor histriónico da sua
voz, e pela estampa física, tenteando o êxito em pequenos monólogos poéticos e depois
em peças mais exigentes de autores consagrados. A família Cúmano, sustentava o
palco e a Companhia do Lethes, com a ampla generosidade da sua avultada
fortuna, que apesar de tudo não conseguiu resistir à morte do seu principal
promotor, nem à crise provocada pelo célebre Ultimatum, que no fim de século
exauriu as finanças públicas e mergulhou o país na maior carência e
austeridade. Perante a realidade, dura e crua, não restava ao jovem José Mora
outra solução senão rumar à capital, para onde, aliás, se costumavam dirigir os
que nesse tempo dessem provas de talento e de competência profissional.
O antigo Teatro Avenida em Lisboa, hoje inexistente |
Mercê
das suas capacidades naturais de inteligência para se adaptar à interpretação,
e da sua prodigiosa memória para decorar rapidamente os papéis de cena, em breve
arranjaria trabalho. Esteou-se, ao que parece, no Teatro Avenida, do
conceituado empresário Luiz Galhardo, a 7 de Agosto de 1914. Mas um amigo,
reconhecendo-lhe as qualidades levou-o para a Companhia Taveira, no Teatro da
Trindade, que aliás já o conheciam aqui do Lethes. Pouco depois foi para o
Teatro Gymnasio, do célebre Actor Valle – que também já tinha vindo a Faro – e
dali não tardou a ir para o Teatro D. Amélia, cujo empresário, o ilustre
Visconde de S. Luiz Braga, pontificava pela descoberta dos melhores talentos na
Arte de Talma, que dali seguiam quase todos para os glorificados palcos do S.
Carlos e D. Maria.
Os antigos Teatros de Lisboa |
Com
que pena, à distância de mais de um século, avaliamos hoje a carreira de José
Mora, uma grande promessa do teatro na capital, em cujos tablados, e eram
muitos, se representavam diferentes géneros, da tragédia à comédia, com
particular relevo para a interpretação das peças de grandes vultos da dramaturgia
nacional, desde Garrett, Herculano, Pinheiro Chagas, Mendes Leal, D. João da
Câmara, Lopes de Mendonça, Marcelino Mesquita até ao jovem Júlio Dantas.
Tivesse ele mais juízo e mais cuidado na escolha das suas amizades, e
certamente estaríamos hoje a falar de uma grande figura do tablado artístico
nacional. Deixou-se seduzir pela estúrdia da vida nocturna, misturando a bebida
com os amores mercenários, confundindo as exigências do trabalho com o laxismo
da boémia. Em breve começou a dar sinais de decadência. Faltava aos ensaios,
embriagava-se com a malta da estiva, contraiu doenças, desempregou-se, enfim…
apressou a morte, quando os traços da juventude ainda ornavam o seu rosto de
Apolo.
Perdeu-se
um talento que dera sinais de grande exuberância no papel do Romão Alquilador,
nessa imortal peça «A Severa» de Júlio Dantas, que depois se transformaria num
dos romances de maior sucesso na literatura portuguesa. Na opinião dos melhores
críticos de teatro, com assento na imprensa do início de século, foi José Mora
muito elogiado, não só na «Severa» como ainda nos dramas de «Maria Antonieta»,
na «Morgadinha de Valflor», de Pinheiro Chagas, na comédia «Negócios são Negócios»,
e em muitas outras que já não chegou senão a papéis secundários.
Nasceu
este desafortunado rapaz na então Vila Nova de Portimão, em12 de Agosto de 1879
e faleceu em Lisboa a 29 de janeiro de 1928, com 48 anos de idade. É assim a vida
artística, por vezes por vezes o caminho do êxito e da fama torna-se tão
sinuoso e labiríntico que pode conduzir os incautos à caverna do Minotauro.