sábado, 16 de maio de 2020

ASSIS, Renato Vitório Serafim de


Capitão do exército, natural de Faro que faleceu em Tancos, onde prestava serviço militar, a 10-3-1952, com 51 anos de idade. Era filho de D. Laurinda Serafim de Assis e de António de Oliveira Assis.
Estudou no Liceu de Faro e na Escola Politécnica de Lisboa, de onde se transferiu para a Escola de Guerra, a fim de seguir a carreira das armas. Quando estalou a terrífica Guerra Civil de Espanha ofereceu-se para integrar o grupo de oficiais conselheiros que ali permaneceu nos primeiros meses do conflito. Para além disso desempenhou outras missões de grande importância militar, através das quais foi várias vezes condecorado.
Acima de tudo o capitão Renato Assis foi um prestigiado oficial da arma de engenharia, muito estimado pelos seus homens, que o tinham na consideração de um verdadeiro paradigma da vida castrense.
Teve um único filho, João Eduardo Assis. Era irmão de Stela Serafim de Assis Mil-Homens e de D. Isménia Serafim de Assis. Por outro lado, era primo de Assis Esperança, um dos mais célebres escritores algarvios do século XX.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A beleza das mulheres de Silves

O terceiro conde de Carnarvon
Vem de longe a fama encantatória das mulheres do sul peninsular, cuja fascinante beleza deixava os mareantes do norte europeu absolutamente rendidos, subjugados ao feitiço dos olhos místicos e desafiantes destas sereias das terras mouriscas. E quantos forasteiros, das mais remotas origens, aqui se deixaram prender nas teias do amor. O Algarve, a quem o Conde Shomberg Lippe, chamara «um pedaço do Paraíso Terrestre», proporcionava aos que aqui renovavam a sua pátria, todas as condições para uma vida serena e feliz.
O fruto, que desta terra mais fama granjeou na voz dos poetas, foi a rosa mística das suas belas agarenas. Por todo o mediterrâneo se espalhou o maravilhoso mito da cativante beleza das mulheres do algarve-andaluz. Contavam-se histórias de sedução ardente e de cativantes amarras, em que se deixavam enlear os viandantes. Dizia-se até que as sereias subiam as falésias das praias algarvias para acender fogueiras, com que se davam a conhecer aos marinheiros os melhores ancoradouros. Aqui aportados deixavam-se enfeitiçar pela invulgar beleza das mulheres algarvias. Enfim, fantasias que adoçavam a realidade da vida, que era bem mais difícil, árdua e até cruel, para os que a sorte não bafejava.
Henry John George Herbert
conde de Carvarvon
O terceiro Conde de Carnarvon, Henry George Herbert, cujo espírito viageiro o tornou célebre, numa das suas visitas pelo sul peninsular, deve ter sido um desses marinheiros que se deixou seduzir pela incandescente beleza da mulher algarvia. Com efeito, numa das sessões em que interveio no Parlamento inglês teceu, em 1836, rasgados elogios às mulheres algarvias, em especial às de Silves, cidade que visitara para apreciar as suas antigualhas mouriscas. Ouçamos as suas palavras, que são um mimo, um panegírico poético, uma bandeira de propaganda regionalista, quiçá até um cartaz turístico que não deveríamos descurar nos tempos que correm:
«As mulheres de Silves, assim como as de todo o Algarve, são extremamente formosas de feições, e muitas vezes também de figura: tez pálida, mas clara, olhos ensombrados por longas pestanas negras e sempre belos, tendo quasi sempre a distingui-los uma expressão pensativa e bondosa, que se reflete no sorriso, dando-lhe carácter. Os encantos das espanholas maravilham e atraem os olhares, mas a beleza algarvia, menos ardente, é dotada de mais ternura e nem por isso penetra menos fundo no coração
Panorâmica da cidade de Silves, em 1883
Esta expressiva declaração de Lorde Carnarvon – que foi uma distinta figura da nobreza, da política e da literatura britânica, que deixou nas suas obras notáveis descrições das terras e das gentes do sul peninsular – pode ler-se num opúsculo muito interessante e curioso, realizado e editado pelos serviços de propaganda da embaixada da Grã-Bretanha em Portugal. Numa edição de esmerado cuidado, com belas ilustrações e impressa em papel couché, veio a público com o sugestivo título: Portugal na Literatura Inglesa – Famosos escritores ingleses prestam homenagem a Portugal, Lisboa, Embaixada Britânica, 1943 (16 p., impresso a 2 colunas, ilustrado, 25 cm).
Para os possíveis interessados, acrescento que o exemplar que vi e consultei na Biblioteca Nacional de Lisboa, tinha a cota: L. 117620 V.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Dois sermões proferidos por Fr. Francisco da Cunha na Sé de Faro, no séc. XVIII


Em 1730, vendiam-se na casa de Rodrigo da Maya, um livreiro que teve a sua época, sediado no bairro oriental da Sé de Lisboa, várias publicações de índole religiosas. Havia de tudo, desde estampas e pagelas piedosas até aos sermões para a doutrinação ecuménica do rebanho patriarcal. Para servir os leigos e profanos, ou seja, o público em geral, não faltavam também ali os folhetos de cordel, pequenos fólios in-quarto, relatando prodígios insólitos e rocambolescos, como assombrações, encantos, génios demoníacos e toda a casta de fenómenos, caldeados com milagres e curas de origem divina.
Sé de Faro, no século XIX
Na imprensa do tempo, sobretudo na «Gazeta de Lisboa» publicavam-se pequenas notícias, pagas à linha pelos livreiros e editores, dando conta da vinda a público desses folhetos e opúsculos de inspiração religiosa. A intenção e expectativa era a de serem brindados pela Patriarcal ou até pela Casa Real, com a suprema graça de uma compra por grosso para distribuição pelas diversas casas de frades religiosos existentes na diocese.
Foi um desses anúncios que vi na edição nº 35, de quinta-feira 31-8-1730, a páginas 280 da «Gazeta» a referência à seguinte publicação:
Oraçaõ fúnebre, Laudatoria Historica, e Panegyrica nas Exequias do Summo Pontifice Benedicto XIII, de gloriosa memoria, que na Sè da Cidade de Faro, Reyno do Algarve, pregou o Padre Mestre Fr. Francisco da Cunha Augustiniano, mandou celebrar o Emminentissimo Senhor Cardeal Pereira do Titulo de Santa Susana, do Conselho de S. Magestade, dignissimo Bispo do dito Bispado fazendo nellas Pontifical. Lisboa na oficina Augustiniana, 1730.
O que me prendeu-me a atenção foi o facto de se tratar de um evento religioso realizado em Faro, certamente na Sé, que deve ter sido presenciado pelos mais altos representantes das autoridades civis e militares. Procurei indagar da sua existência na Biblioteca Nacional tendo constatado que existe mais do que uma cópia disponível à leitura pública.
O saudoso Abílio Gouveia, que tinha na sua biblioteca uma vasta coleção de sermões e outros folhetos relativos ao Algarve, disse-me que tinha um exemplar, mas não pude havê-lo à mão, para o poder asseverar. Nessa altura, o Abílio Gouveia era já bastante idoso, reservava-se na sua residência como um eremita, e tinha a sua biblioteca muito a recato dos olhares alheios.
Acerca do autor deste folheto, Frei Francisco da Cunha, padre mendicante da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, consultei as obras em que se arrima o conhecimento geral de tudo quanto no passado se publicou na lusa língua. Refiro-me à Biblioteca Lusitana, de Barbosa Machado (vol. II, p. 140), e ao Dicionário Bibliográfico Português, de Inocêncio Francisco da Silva (vol IX, pp. 282-283).
Por eles coligi o pouco que se conhece acerca deste Frei Francisco da Cunha, que nasceu em Lisboa, em data que ignoro, mas que se presume ter sido ainda no século XVI. Consta que era filho de Domingos de Araújo, que foi um honrado Escrivão dos Feitos da Coroa, e de Bárbara da Cunha, os quais presumo terem sido ambos de boa e reconhecida índole. Ainda muito jovem estudou Humanidades e Latim, antes de dar entrada, a 6-03-1714, no convento da Graça, em Lisboa, na sagrada congregação dos Eremitas de Santo Agostinho. Na reclusão do cenóbio dedicou-se com perseverança ao estudo da teologia, da exegese bíblica, da filosofia aristotélica e da escolástica. O seu sacrifício foi coroado com a nomeação para Leitor de Teologia no convento onde professara. Pouco depois foi requestado para o exercício das mesmas funções no convento da sua ordem em Leiria, passando depois a Prior daquela prestigiada casa religiosa.
Voltou anos depois a Lisboa, onde foi prior do convento da Penha de França. Sabe-se que quando os agostinianos se reuniram em assembleia magna, na cidade de Perugia, na Itália, o nosso Frei Francisco da Cunha foi nomeado para presidir ao Capítulo Geral da Ordem, o que terá sido para ele uma subida honra. Após a sua estadia na capital da Úmbria, foi nomeado Procurador da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho em Lisboa para integrar a Cúria Romana, junto do Sumo Pontífice. Esse terá sido o momento áureo da sua carreira religiosa.
Quando voltou à pátria lusa, não foi longo o seu repouso na tranquilidade conventual, pois seria pouco depois nomeado Vigário Provincial do Reino do Algarve, com assento na Sé de Faro. É durante a sua estadia no Algarve que se estreia nas letras da fé católica, através da publicação do opúsculo acima referido.
O prelado desta diocese, o cardeal José Pereira de Lacerda (1662-1738), de quem foi amigo pessoal, nomeou-o para o exercício da alta dignidade de Examinador Sinodal da Bispado de Faro. Os seus dotes de orador fizeram-se destacar nas festas religiosas e nas celebrações ecuménicas da fé católica, pronunciando no púlpito da Sé de Faro notáveis sermões de que é exemplo o que aqui pronunciou por ocasião do Natal de 1731:
Sermam Panegyrico do Glorioso grande, ou mayor Santo S. Joseph fundado no Decreto da Sagrada Congregaçaõ dos Emminentissimos Cardeaes em 19 de Dezembro de 1726, pelo que se manda pòr S. Jozé na Ladainha dos Santos depois de S. Joaõ Bautista, prégado na Sé de Faro, pelo P. M. Fr. Francisco da Cunha, na Festa que lhe faz o Cardial Pereira. Lisboa, na Officina Augustiniana, 1731.
Embora já sem importância para o Algarve, o frade eremita calçado dos agostinianos, Francisco da Cunha, publicou em 1743 a sua mais reputada e extensa obra, cujo interesse literário excede largamente as anteriores, até pelo facto de na época causar alguma celeuma contestatória nos meios profanos e da autonomia popular. Aqui vai citada nos termos em que a descreve o Dicionário Bibliográfico de Inocêncio da Silva:
Oraçaõ academica panegyrica histórica encomiástica profano-sacra, pelos felicissimos sucessos e victoriosas armas da Serenissima Rainha de Bohemia, com a descripçaõ do mesmo Reyno, e corte de Praga, e das suas victorias do Panaro e Mano, adornada de varias poesias e muitos versos dos melhores engenhos portuguezes. Lisboa, na Officina Alvarense, 1743.
Sei que publicou ainda, com o pseudónimo de Ricardo Fineca Fascunh, que mais não é do que o anagrama de Francisco Cunha, um opúsculo intitulado:
Relaçam da prodigioza navegaçam da nao chamada S. Pedro, e S. Joam da Companhia de Macao, por merce da milagrozissima Imagem de N. S. de Penha de França, com a explicaçam, e pintura da grande cobra, que se achou na dita nao, e se criou dentro em huma pipa de agoa..., escrita por hum devoto domestico da mesma Senhora, Ricardo Fineça Fascunh. Lisboa, na oficina de Jozé da Silva da Natividade, 1743.
Curiosamente, nesse mesmo ano deu à estampa um outro opúsculo, no mesmo estilo dos anteriores, e de carácter laudatório e histórico, dedicada à rainha consorte de D. João V, que só por mera curiosidade passo a citar:
Oraçam academica, panegyrica, historica, encomiastica, profana-sacra, consagra, tributa e oferece à mesma soberana e Senhora D. Maria Theresa Augusta, Christina, Amélia Walburga de Austria / O.M. Fr. Francisco da Cunha Augustiniano. Lisboa, na Oficina Alvarense, 1743.
E nada mais conheço deste frade agostiniano, que tenha verdadeiro interesse para o estudo do Algarve ou que mereça constar na «Algarviana». Como se vê e comprova, apenas publicou cinco trabalhos, todos eles de inspiração religiosa, cujo interesse e valor histórico-cultural, se pode considerar muito reduzido.
Para terminar devo acrescentar que em 1759 há notícia de Frei Francisco da Cunha ainda vivo, ignorando-se onde e em que ano terá perecido.

sábado, 2 de maio de 2020

Capitão David Neto, um algarvio fiel a Salazar


Uma das figuras que apoiou Salazar e o Estado Novo, foi o capitão David Neto, um militar de grande integridade moral, que se fartou das incongruências da República, da falta de autoridade governativa, das hesitações da nossa política externa, e do partidarismo em que mergulhara a vida nacional. Teve um papel importante na defesa territorial das possessões africanas, que compunham o grosso do nosso império, e comportou-se exemplarmente, com bravura e dignidade no seio do C.E.F., que tão heroicamente defenderam a bandeira e os interesses nacionais na I Guerra Mundial. Em sua memória, aqui fica um breve esboço da sua vida, e da sua personalidade, não só como militar, mas também como escritor.
David Rodrigues Neto, de seu nome completo, nasceu na freguesia do Algoz, concelho de Silves, a 31-3-1895 e faleceu em Portimão a 4-12-1970, com 75 anos de idade. Acima de tudo foi um digno militar, um honrado advogado e um honesto político nacionalista.
Fez os seus estudos preparatórios na terra natal e os secundários em Faro, transferindo-se depois para a Universidade de Coimbra, onde iniciou o curso que teve de interromper por causa da participação de Portugal na I Guerra Mundial. Assim, assentou praça em 207-1915, sendo nos dois seguintes promovido a alferes e a tenente, até que em 1922 ascendeu ao posto de capitão, iniciando a partir daí uma carreira de armas que prosseguiu até à patente de Major, em 1948, mas que bem poderia ter sido mais fulgurante, se não fosse a sua vontade de concluir os estudos superiores e enveredar pelo foro.
Como militar portou-se com valentia e heroísmo, sobretudo nos insalubres campos da Flandres, sofrendo nas trincheiras a contaminação infecciosa das doenças que dizimaram mais militares do que os ignominiosos ataques do exército alemão. Basta dizer que as suas primeiras promoções foram obtidas nos campos da França durante a Grande Guerra, por actos de valentia, recebendo por isso várias condecorações nacionais e estrangeiras. Infelizmente, na célebre batalha de La Lys, ocorrida no fatídico “9 de Abril” de 1918, foi incapaz de suster o ataque das forças alemãs, esmagadoramente superiores em efectivos e equipamento militar, sendo as nossas linhas dizimadas até que os últimos resistentes, como o alferes David Neto, foram feito prisioneiros e internados num campo de concentração. Porém, o nosso intrépido algarvio conseguiu evadir-se do campo, prosseguindo um plano de fuga que o levou até à Dinamarca. Seduzido pelo conhecimento de novas culturas e ideias, decidiu demorar-se pela Europa, mesmo depois do armistício assinado em Novembro de 1918, percorrendo sobretudo a Bélgica e a Inglaterra.
Quando, anos depois, retornou a Portugal, preferiu voltar a estudar Direito, matriculando-se primeiro na Universidade de Coimbra e depois em Lisboa, onde viria a concluir o curso em 1926, logo após a «Revolução do 28 de Maio», em que participou activa e decididamente, sendo até apontado como um dos oficiais mais destemidos no avanço sobre a capital, afirmando-se um nacionalista convicto que expendia publicamente a necessidade de instaurar uma ditadura militar para salvar a pátria da incompetência dos políticos e da partidocracia instalada. Como recompensa foi nomeado comandante do Batalhão de Caçadores 5, cujas fortes convicções nacionalistas comprovou, no ano seguinte, ao colocar-se na linha da frente contra as revoluções do “7 de Fevereiro” e do “26 de Agosto”, ambas do ano de 1927, recebendo pouco depois, pela valentia debaixo de fogo, a condecoração da Torre-e-Espada.
Capitão David Neto Informa Salazar sobre a derrota do
Reviralho na Revolta de 26 de Agosto de 1931 - Lisboa
Talvez porque esperasse melhor retribuição política pela sua esforçada conduta militar, sentiu uma profunda desilusão com o regime salazarista, a tal ponto que decidiu retornar às origens, fixando-se na cidade de Portimão, onde se revelaria um cidadão impoluto e da mais relevante dedicação à sua província e ao seu povo. Nem parecia ser o mesmo major David Neto que todos conheciam, um contumaz nacionalista que escreveu na imprensa violentíssimos textos contra o “regabofe” republicano, publicando em 1933 um livro bastante polémico, demolidor das ideias de democracia sem responsabilidade e de liberdade sem ordem, que lançaram o país no caos e na bancarrota. Esse livro intitulou-se Doa a quem Doer, teve largas repercussões na imprensa e até no governo do recente “Estado Novo” de Oliveira Salazar – que embora apreciando certas críticas sobre o passado republicano e certas afirmações de esperança em relação ao rumo que tomava a nova situação política – o certo é que o não convidou para altos cargos da administração pública. Certamente desiludido com as expectativas a que se julgaria com direito, decidiu em 1935 afastar-se definitivamente da vida militar e optar pela advocacia. Creio, porém, que mesmo na vida forense o seu sucesso não foi significativo.
Pouco depois decidiu fixar-se definitivamente na cidade de Portimão, onde tinha bens de monta e desejava prosseguir a advocacia. Não creio que tivesse sido lá muito bem sucedido nas suas aspirações forenses. Em todo o caso, deixou marcas naquela cidade, nomeadamente em 1946 quando teve um gesto de altruísmo que veio demonstrar à saciedade não só a sua generosidade como ainda a superioridade do seu carácter.
Esse gesto consistiu na doação ao Instituto Português de Oncologia de uma vasto terreno em Portimão, para nele se instalar o centro de diagnóstico e tratamento do cancro. A escritura de doação do terreno foi firmada a 22-10-1947, pelo outorgante doador, pela sua esposa D. Maria Firmina Júdice de Abreu Neto e pelo chefe da secção de finanças de Portimão, em representação do Estado, tendo assistido ao acto o governador civil do distrito, Dr. Antero Cabral. A escritura foi lavrada nas notas da Dr.ª Mariana Carapeto dos Santos Patrício, notária naquela cidade, na qual se definiu que o terreno doado ao Instituto Português de Oncologia tinha 15.000 m2, situado no sítio de S. Sebastião, junto à estrada para o Alvor, no qual aquele Instituto se responsabilizaria pela construção de uma unidade hospitalar para o combate ao cancro, a qual na altura ficou orçada em 12 mil contos.
Não sei se o mesmo veio ou não a ser aproveitado para o fim em vista. Em todo o caso a oferta do terreno para o desenvolvimento da saúde em Portimão é uma prova do seu altruísmo e amor regionalista.
Mas o facto mais relevante e mais curioso na vida do ex-major David Rodrigues Neto foi o facto de ter perdido a confiança em Salazar e no regime nacionalista, tomando fortes posições contra o «Estado Novo» ao ponto de chegar a ser preso pela PIDE e sofrer a humilhação de ser julgado no Tribunal Plenário de Lisboa, em Conselho de Guerra e até mesmo no Tribunal da Comarca de Portimão, onde defendera vários pleitos judiciais. Durante as campanhas para a Presidência da República esteve sempre ao lado da oposição, quer na candidatura, em 1951, do almirante Quintão Meireles, quer, em 1958, na heróica campanha eleitoral do general Humberto Delgado, ao longo da qual tomou posições muito críticas contra o regime vigente.
Na imprensa algarvia colaborou no «Comércio de Portimão» e sobretudo no «Correio do Sul», cujo director, o Dr. Mário Lyster Franco, era seu amigo e antigo correligionário como simpatizante do movimento nacionalista. Mesmo quando o major David Neto se tornou em “personna non grata” ao regime nunca o «Correio do Sul», nem o seu director, lhe fecharam as portas. Creio até que entre eles existia alguma consonância nas críticas que em surdina faziam ao regime salazarista, que com o tempo vinha apodrecendo em favoritismos clientelares e em perseguições políticas absolutamente desumanas.