sábado, 2 de maio de 2020

Capitão David Neto, um algarvio fiel a Salazar


Uma das figuras que apoiou Salazar e o Estado Novo, foi o capitão David Neto, um militar de grande integridade moral, que se fartou das incongruências da República, da falta de autoridade governativa, das hesitações da nossa política externa, e do partidarismo em que mergulhara a vida nacional. Teve um papel importante na defesa territorial das possessões africanas, que compunham o grosso do nosso império, e comportou-se exemplarmente, com bravura e dignidade no seio do C.E.F., que tão heroicamente defenderam a bandeira e os interesses nacionais na I Guerra Mundial. Em sua memória, aqui fica um breve esboço da sua vida, e da sua personalidade, não só como militar, mas também como escritor.
David Rodrigues Neto, de seu nome completo, nasceu na freguesia do Algoz, concelho de Silves, a 31-3-1895 e faleceu em Portimão a 4-12-1970, com 75 anos de idade. Acima de tudo foi um digno militar, um honrado advogado e um honesto político nacionalista.
Fez os seus estudos preparatórios na terra natal e os secundários em Faro, transferindo-se depois para a Universidade de Coimbra, onde iniciou o curso que teve de interromper por causa da participação de Portugal na I Guerra Mundial. Assim, assentou praça em 207-1915, sendo nos dois seguintes promovido a alferes e a tenente, até que em 1922 ascendeu ao posto de capitão, iniciando a partir daí uma carreira de armas que prosseguiu até à patente de Major, em 1948, mas que bem poderia ter sido mais fulgurante, se não fosse a sua vontade de concluir os estudos superiores e enveredar pelo foro.
Como militar portou-se com valentia e heroísmo, sobretudo nos insalubres campos da Flandres, sofrendo nas trincheiras a contaminação infecciosa das doenças que dizimaram mais militares do que os ignominiosos ataques do exército alemão. Basta dizer que as suas primeiras promoções foram obtidas nos campos da França durante a Grande Guerra, por actos de valentia, recebendo por isso várias condecorações nacionais e estrangeiras. Infelizmente, na célebre batalha de La Lys, ocorrida no fatídico “9 de Abril” de 1918, foi incapaz de suster o ataque das forças alemãs, esmagadoramente superiores em efectivos e equipamento militar, sendo as nossas linhas dizimadas até que os últimos resistentes, como o alferes David Neto, foram feito prisioneiros e internados num campo de concentração. Porém, o nosso intrépido algarvio conseguiu evadir-se do campo, prosseguindo um plano de fuga que o levou até à Dinamarca. Seduzido pelo conhecimento de novas culturas e ideias, decidiu demorar-se pela Europa, mesmo depois do armistício assinado em Novembro de 1918, percorrendo sobretudo a Bélgica e a Inglaterra.
Quando, anos depois, retornou a Portugal, preferiu voltar a estudar Direito, matriculando-se primeiro na Universidade de Coimbra e depois em Lisboa, onde viria a concluir o curso em 1926, logo após a «Revolução do 28 de Maio», em que participou activa e decididamente, sendo até apontado como um dos oficiais mais destemidos no avanço sobre a capital, afirmando-se um nacionalista convicto que expendia publicamente a necessidade de instaurar uma ditadura militar para salvar a pátria da incompetência dos políticos e da partidocracia instalada. Como recompensa foi nomeado comandante do Batalhão de Caçadores 5, cujas fortes convicções nacionalistas comprovou, no ano seguinte, ao colocar-se na linha da frente contra as revoluções do “7 de Fevereiro” e do “26 de Agosto”, ambas do ano de 1927, recebendo pouco depois, pela valentia debaixo de fogo, a condecoração da Torre-e-Espada.
Capitão David Neto Informa Salazar sobre a derrota do
Reviralho na Revolta de 26 de Agosto de 1931 - Lisboa
Talvez porque esperasse melhor retribuição política pela sua esforçada conduta militar, sentiu uma profunda desilusão com o regime salazarista, a tal ponto que decidiu retornar às origens, fixando-se na cidade de Portimão, onde se revelaria um cidadão impoluto e da mais relevante dedicação à sua província e ao seu povo. Nem parecia ser o mesmo major David Neto que todos conheciam, um contumaz nacionalista que escreveu na imprensa violentíssimos textos contra o “regabofe” republicano, publicando em 1933 um livro bastante polémico, demolidor das ideias de democracia sem responsabilidade e de liberdade sem ordem, que lançaram o país no caos e na bancarrota. Esse livro intitulou-se Doa a quem Doer, teve largas repercussões na imprensa e até no governo do recente “Estado Novo” de Oliveira Salazar – que embora apreciando certas críticas sobre o passado republicano e certas afirmações de esperança em relação ao rumo que tomava a nova situação política – o certo é que o não convidou para altos cargos da administração pública. Certamente desiludido com as expectativas a que se julgaria com direito, decidiu em 1935 afastar-se definitivamente da vida militar e optar pela advocacia. Creio, porém, que mesmo na vida forense o seu sucesso não foi significativo.
Pouco depois decidiu fixar-se definitivamente na cidade de Portimão, onde tinha bens de monta e desejava prosseguir a advocacia. Não creio que tivesse sido lá muito bem sucedido nas suas aspirações forenses. Em todo o caso, deixou marcas naquela cidade, nomeadamente em 1946 quando teve um gesto de altruísmo que veio demonstrar à saciedade não só a sua generosidade como ainda a superioridade do seu carácter.
Esse gesto consistiu na doação ao Instituto Português de Oncologia de uma vasto terreno em Portimão, para nele se instalar o centro de diagnóstico e tratamento do cancro. A escritura de doação do terreno foi firmada a 22-10-1947, pelo outorgante doador, pela sua esposa D. Maria Firmina Júdice de Abreu Neto e pelo chefe da secção de finanças de Portimão, em representação do Estado, tendo assistido ao acto o governador civil do distrito, Dr. Antero Cabral. A escritura foi lavrada nas notas da Dr.ª Mariana Carapeto dos Santos Patrício, notária naquela cidade, na qual se definiu que o terreno doado ao Instituto Português de Oncologia tinha 15.000 m2, situado no sítio de S. Sebastião, junto à estrada para o Alvor, no qual aquele Instituto se responsabilizaria pela construção de uma unidade hospitalar para o combate ao cancro, a qual na altura ficou orçada em 12 mil contos.
Não sei se o mesmo veio ou não a ser aproveitado para o fim em vista. Em todo o caso a oferta do terreno para o desenvolvimento da saúde em Portimão é uma prova do seu altruísmo e amor regionalista.
Mas o facto mais relevante e mais curioso na vida do ex-major David Rodrigues Neto foi o facto de ter perdido a confiança em Salazar e no regime nacionalista, tomando fortes posições contra o «Estado Novo» ao ponto de chegar a ser preso pela PIDE e sofrer a humilhação de ser julgado no Tribunal Plenário de Lisboa, em Conselho de Guerra e até mesmo no Tribunal da Comarca de Portimão, onde defendera vários pleitos judiciais. Durante as campanhas para a Presidência da República esteve sempre ao lado da oposição, quer na candidatura, em 1951, do almirante Quintão Meireles, quer, em 1958, na heróica campanha eleitoral do general Humberto Delgado, ao longo da qual tomou posições muito críticas contra o regime vigente.
Na imprensa algarvia colaborou no «Comércio de Portimão» e sobretudo no «Correio do Sul», cujo director, o Dr. Mário Lyster Franco, era seu amigo e antigo correligionário como simpatizante do movimento nacionalista. Mesmo quando o major David Neto se tornou em “personna non grata” ao regime nunca o «Correio do Sul», nem o seu director, lhe fecharam as portas. Creio até que entre eles existia alguma consonância nas críticas que em surdina faziam ao regime salazarista, que com o tempo vinha apodrecendo em favoritismos clientelares e em perseguições políticas absolutamente desumanas.

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