quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

D. António Barbosa Leão, bispo do Algarve

Aquele que foi um dos mais famosos prelados do Algarve, nasceu em Parada Todeia, antiga freguesia do concelho de Paredes a 17-10-1860 e faleceu como Prelado da Diocese do Porto a 21-6-1929. Era filho de Manuel Barbosa e de Maria Barbosa Leão, casal humilde, mas de inquestionável honradez, dedicação ao trabalho e grande seriedade.
Estudou no Colégio do Carmo, em Penafiel, e no Seminário Episcopal do Porto, onde se ordenou presbítero a 1-8-1886. Exerceu o professorado no Colégio da Formiga e no Seminário dos Carvalhos, até que em 4-9-1890 tornou-se pároco da freguesia da Lustosa no concelho de Lousada. Aí se manteve até 21-12-1904, passou a dedicar-se à pregação apostólica. A fama da sua erudição chegou ao conhecimento do governo e da Coroa que sugeriu a Roma, ao Papa Pio X que o nomeasse Bispo de Angola e Congo, o que sucedeu em Julho de 1907, depois do decreto de 13-2-1906 o haver incumbido dessas funções. Mas quando o bispo do Algarve, D. António Mendes Belo, foi designado Patriarca de Lisboa, o governo por decreto de 7-11-1907 nomeou D. António Barbosa Leão para o substituir na diocese de Faro, o que seria confirmado por Roma no mês seguinte. O novo prelado recebeu com satisfação a incumbência de dirigir a diocese algarvia, funções que desempenhou com competência e sentido de responsabilidade entre 3-4-1908 e 28-8-1919. Durante esse período desenvolveu algumas actividades e tomou posições notáveis no seio da diocese, nomeadamente em Dezembro de 1908, quando enviou a todos os párocos um inquérito para que estes respondessem acerca da antiguidade histórica da freguesia, rendimentos e outros meios de subsistência dos párocos. As respostas a esse inquérito são hoje muito consultadas pelos historiadores locais.
D. António Barbosa Leão, bispo de Faro

Por outro lado, em 1-2-1909, publicou a Pastoral da Páscoa, na qual abordava o ensino religioso. Em Fevereiro, mas do ano seguinte, apresentou ao governo um “Memorial” sobre as Côngruas como meio de sobrevivência dos párocos, enviando em Setembro um “Relatório” complementar, no qual sugeria os melhores meios para se proceder a uma nova dotação dos benefícios paroquiais. Mas quando dias depois se implantou a República tudo se alteraria na vida religiosa do país. A publicação da “Lei da Separação da Igreja do Estado” agravaria as relações políticas entre os dois poderes. Como reflexo desse antagonismo político, emergente da implantação do regime republicano, surgiu a publicação de uma Pastoral colectiva dos prelados portugueses, datada de 24-12-1910, na qual criticam de forma veemente as posições anti-clericais do governo.
Como o bispo do Algarve publicasse, precisamente um ano depois, uma pastoral em que acusava o regime de perseguir a Igreja e de subalternizar os párocos, o governo reagiu através da publicação do decreto de 6-1-1912 condenando-o à pena de desterro para fora da diocese durante dois anos, instaurando-lhe também um processo-crime. O prelado cumpriu o desterro indo viver para a sua casa da Parada, mas ao sair da diocese mandou publicar um protesto dirigido ao Presidente da República, cujo conteúdo reivindicativo pelas asserções impugnativas contra a arbitrariedade do poder temporal, constitui hoje um testemunho teológico bastante importante, sobretudo como documento histórico.
Terminado o desterro, voltou à diocese algarvia em 11-1-1914, sendo aqui recebido com grande júbilo pelos seus párocos e sobretudo pelos crentes pertencentes às classes sociais mais desfavorecidas. Teve a partir daí algumas iniciativas dignas de relevo. Assim, promoveu as comemorações do 1.º centenário do bispo D: Francisco Gomes do Avelar, falecido em Faro a 15-12-1816, em cuja homenagem o prelado mandou reunir entre 8 e 11 de Fevereiro de 1916 um congresso sobre as obras católicas no Algarve, cujos volumes de «Actas» são ainda hoje consideradas como fonte credível para a investigação histórica.
Saliente-se também o facto de D. Barbosa Leão ter publicado um folheto de 45 páginas no qual defendia sem rebuço o programa da União Católica e do Centro Católico Português, que suscitou grande polémica nos arraiais monárquicos, pelo facto do seu autor expender com sinceridade as suas posições políticas, face ao momento de confrontação bélica generalizada, que se vivia por toda a Europa. Havia, por essa razão, que salvar o país e garantir melhores condições de vida para os mais desfavorecidos, ajudando o governo e a República a levar por diante a sua política de reforma social.
Nos onze anos que D. Barbosa Leão esteve à frente da diocese algarvia, realizou uma obra fecunda de melhoramentos regionais, nomeadamente a construção do edifício do Seminário de S. José em Faro e da residência da cúria episcopal, onde viveu o próprio bispo.
Caricatura publicada na imprensa

Em Julho de 1919 foi nomeado Bispo do Porto, partindo de comboio para a cidade Invicta debaixo do aplauso do povo algarvio, assumindo a prelazia daquela diocese a 8-10-1919, onde permaneceu até à sua morte, ocorrida a 21-6-1929.
Quando se começou, em 15-1-1910, a publicar o quinzenário «Boletim do Algarve», órgão da diocese algarvia, foi D. António Barbosa Leão um dos seus mais assíduos colaboradores, publicando nessas colunas as suas Pastorais dirigidas à eclésia algarvia. Nele publicou em 1911 uma “Pastoral ao Clero” a propósito das relações da Igreja com a República, a qual causou grande polémica visto nela produzir afirmações liberais de quase franco republicanismo. Como já dissemos mais acima, essa atitude foi tida por abusiva e considerada de excessiva liberdade de opinião. Por isso recaiu sobre o ilustre prelado a adversidade do governo, que, em 6-1-1912, o penalizou com a proibição de não residir na sua diocese, partindo para a localidade de Parada, sua terra-natal, sobrepujado com o peso da injustiça dos homens.
Seja como for, D. António Barbosa Leão foi um homem inteligente, com inquestionáveis capacidades de escrita e talentos de orador, cuja preladia atravessou o conturbado período histórico da revolução republicana e da consolidação do novo regime. As pastorais que dirigiu ao presbitério algarvio e que publicou na imprensa local, para que todos tivessem conhecimento dos negócios eclesiásticos na região, foram medidas duma exemplar transparência, raramente imitada.
O povo algarvio tinha pelo bispo Barbosa Leão uma grande simpatia e respeito, disso não temos a mínima dúvida. 
Para além de ter fundado o «Boletim do Algarve», precursor do semanário paroquial «Folha do Domingo», que ainda se publica, dirigiu também a revista “Missões de Angola e Congo” e colaborou com o jornal “Novidades”, órgão nacional da Igreja Católica em Portugal. Publicou diversa propaganda religiosa e duas obras fundamentais para o espírito teológico da igreja: “A Largueza do Reino de Deus” e “De que Espírito Somos?”.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Ana Lorjó Tavares de Oliveira

Rua de Santo António, em Faro, 1909
Senhora natural de Faro, onde nasceu em 1851, no preciso ano em que o Liceu Nacional de Faro recebeu da rainha D. Maria II a carta oficial da sua fundação. Não podemos afirmar que Ana Lorjó tivesse sido uma figura marcante na sociedade farense da sua juventude, isto é, no período áureo do chamado Fontismo, que no Algarve deu azo ao surgimento de importantes melhoramentos na organização cultural, social e económica, em particular na cidade em Faro. Lembro como exemplo a vida cultural dos farenses, que nessa época sentiu um enorme impulso no Teatro Lethes, mercê da gerência do Dr. Paulo Cúmano, detentor de avultados meios de fortuna que lhe permitiram manter nesta cidade de província uma casa de espectáculos ao mais alto nível, cuja programação artística não era inferior ao que de melhor se apresentava no São Carlos de Lisboa. No que se refere aos “melhoramentos materiais”, símbolo da política fontista, devemos lembrar que nessa época se melhorou o cais de acostagem, que servia de porto marítimo à cidade, e inaugurou-se a chegada do caminho de ferro, o que significou o fim do isolamento a que o Algarve esteve condenado durante séculos.
Ana Lorjó, segundo nos apercebemos pela imprensa local da época, foi uma cidadã muito respeitada e muito apreciada na sociedade farense, pela sua esmerada educação e cultura intelectual. Escreveu breves apontamentos sobre a programação do Lethes e pequenas notas sociais nos “carnets” da vida local, referindo-se à chegada de certos individualidades que vinham à capital algarvia por razões profissionais ou familiares, e à partida de outras que seguiam para Lisboa, ou até mesmo para o estrangeiro, por razões muito diversas. Assinou também nos periódicos de Faro, breves textos sobre assuntos de particular interesse para as mulheres.
Jardim Manuel Bivar, em Faro, 1919
O que mais a distinguia era o facto de pertencer à família Lorjó Tavares, que marcou posição de relevo no teatro amador, nomeadamente no Lethes e nas reuniões femininas do Clube Farense, espécie de salões de elite, mas ao estilo provinciano, numa tentativa de imitação dos que se realizavam no séc. XIX em Lisboa, nas residências de mulheres notáveis, como Amália Vaz de Carvalho, Ana de Castro Osório, Celina Guimarães e outras.
Foi casada com o general Francisco Palermo de Oliveira, do qual julgo não ter tido descendência. Fixaram residência em Faro onde desfrutavam de grande simpatia social e até de certo prestígio, mercê das origens familiares do esposo, que provinha dos Palermos, que em Faro alcançaram significativos meios de fortuna, e até dispunham de um palacete na Rua de Santo António.
Era irmã do jornalista e escritor teatral José Lorjó Tavares (vide este nome) e tia de Henrique Cortes Ferreira de Sousa, do tenente José Cortes Ferreira de Sousa e de Frederico Ferreira de Sousa, todos eles distintas figuras da sociedade farense do seu tempo.
Sabemos que Ana Lorjó Tavares herdara da família o génio da escrita, e chegou a colaborar com certa regularidade na imprensa algarvia, mas é bastante difícil descortinar em que órgãos em que efectivamente colaborou, visto que o fazia sob a cobertura de enigmáticos pseudónimos. Faleceu com 87 anos em Faro, nos finais de Abril de 1938.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

O ensino secundário em Faro no século XIX

 Perguntou-me um aluno como era o ensino secundário em Faro no século XIX. Respondi-lhe que se trata de um assunto algo delicado, porque temos tendência a encará-lo com os olhos e o pensamento actual. Na verdade, não são comparáveis, devido à diferença como se organizava a sociedade e a ordem política. Todavia, é bem certo que a falta de equipamentos escolares e de coordenação entre os diversos níveis de ensino, não facilitaram o acesso e muito menos o prosseguimento do ensino primário para o ensino secundário, encontrando-se nessa circunstância a razão que melhor explica o atraso cultural e o bloqueio socioeconómico da região algarvia nos últimos duzentos anos. A educação até quase aos nossos dias consistia em combater o analfabetismo, pelo que a formação de charneira ao ensino universitário foi descurada até aos anos cinquenta do século XX. O ensino da matemática, é um caso de confrangedor atraso nacional, por ter sido sempre descurado pelo poder central. É essa quanto a mim, uma das razões principais do nosso atraso científico e da nossa falência educativa, em face dos nossos parceiros europeus. Desde o estabelecimento do ensino jesuítico e da implantação da Inquisição, que sempre neste país se deu primazia ao Latim e aos estudos clássicos, em detrimento da Matemática, do experimentalismo (madre das coisas, como dizia Duarte Pacheco Pereira) e da ciência em geral.
Até à implantação definitiva do liberalismo em Portugal, o ensino não era propriamente uma obrigação do Estado. Todavia, antes disso, o Marquês de Pombal criou uma rede de escolas primárias que abarcava todo o país. Eram as chamadas escolas de “aprender a ler, escrever e contar” que, desde então, passaram para a responsabilidade e encargo das autarquias. A maioria delas, sobretudo nas aldeias pobres do interior, encerraram poucos anos depois, reabrindo mais de dois séculos depois, já no tempo da ditadura.
Por isso, o ensino não constituía um encargo público, a não ser o primário, cabendo tradicionalmente à Igreja, ou aos quartéis, a difusão de um ensino mais elevado, e especializado no caso dos militares. Digamos que até à revolução setembrista, em 1836, e ao governo de Passos Manuel, o aparelho educativo encontrava-se desorganizado, desarticulado, e pouco eficiente. Nos conselhos do interior, não existia “a casa da escola”, improvisando-se as instalações paroquiais para esse efeito, e só abriam portas caso houvesse a disponibilidade de um professor, o que era raro. Devemos aos nossos emigrantes no Brasil o benemérito financiamento da construção de escolas destinadas a resgatar do analfabetismo os seus pobres conterrâneos. Nas Beiras, em Trás-os-Montes e, sobretudo, no Minho, conheço dezenas de escolas construídas pelos brasileiros de torna-viagem, verdadeiros mecenas do ensino e da cultura lusíada.

Antiga escola construída em Lagos no âmbito do legado do Conde de Ferreira, para a educação das crianças. Este edifício apresenta uma lápide com a data da sua inauguração, 24 de Março de 1866. Actualmente encontra-se ali instalada a Sociedade Filarmónica Lacobrigense, onde estudam música dezenas de crianças daquela cidade.

Aqui no Algarve, porém, não conheço exemplos semelhantes, a não ser do portuense Conde de Ferreira, que legou a fortuna amealhada para a construção de 90 escolas para os pobres de todo o país. Dessas 90 escolas ainda subsistem 70 edifícios, que conservam a traça original, adaptados a outros fins, geralmente de carácter cultural e educativo. No Algarve só conheci duas escolas, a de Lagos (actual sede da Filarmónica Lacobrigense) e a de Loulé, recentemente demolida.

Postal antigo de Lagos, onde se vê (à esquerda) a antiga escola primária construída com o legado do Conde de Ferreira.  É o mesmo edifício da foto anterior.

No domínio do ensino, a que chamamos hoje secundário, e que no século XIX chamavam preparatório, porque dava acesso à universidade de Coimbra, única existente no país, existiam até ao início da década de 1840, isto é antes da criação do Liceu de Faro (oficialmente instituído em 1851, mas que funcionava a título experimental desde 1846, numas instalações próprias pertencentes ao seminário episcopal), as seguintes “aulas” ou disciplinas, que habilitavam os alunos ao ensino universitário: uma aula de Retórica e outra de Filosofia, ambas em Faro; nove de Latim na cidades e principais vilas. Era tudo o que oficialmente existia. Ora, para entrar na universidade os alunos precisavam de apresentar as suas “habilitações”, isto é, os comprovativos dos seus estudos preparatórios em Latim e Grego, Gramática, Retórica, Filosofia, Aritmética e Geometria, Geografia e História. O aluno só precisava de atestar o seu bom aproveitamento em apenas cinco destas disciplinas preparatórias, sendo que a maioria dos rapazes ao entrar em Coimbra jurava ter frequentado Gramática, Retórica e Filosofia. As outras duas já constituíam uma pré-especialização na vida escolar dos jovens universitários. Segundo os Estatutos da Universidade, o aluno podia matricular-se com a idade mínima de 16 anos, à excepção das Faculdades de Matemática e de Filosofia, cuja fasquia baixava para os 14 anos.
Já que apontei o início da década de quarenta, período marcado pelo Cabralismo, acrescento que o Algarve (já desprovido dos colégios dos jesuítas de Portimão e de Faro, cujos alunos se habilitavam directamente às universidades de Coimbra e de Évora, antes da sua extinção em 1759 por Pombal), apenas possuía 24 escolas de primeiras letras, sediadas nas cidades e vilas, assim como em algumas aldeias, alfabeticamente assim discriminadas: Algoz, Alte, Alvor, Esto, Estombar, Paderne, São Bartolomeu de Messines e São Brás (de Alportel, concelho de Faro) Oficialmente existam também duas escolas femininas de primeiras letras, em Lagos e em Faro, ao que parece ambas pouco frequentadas e com diminutos resultados práticos. No fundo, o aproveitamento geral em todas estas escolas era apontado como escasso e irregular, com parcos equipamentos e reduzida frequência. A razão que as entidades locais, sobretudo autárquicas, apontavam para o insucesso do aparelho educativo era a má remuneração pelo Estado dos professores, que não só auferiam pouco como tinham os seus vencimentos atrasados por longas temporadas. As escolas, como base essencial do progresso, eram no Algarve não só escassas, como eram também improvisadas, desconfortáveis e desprovidas de quaisquer apetrechos didácticos – recursos que tinham de ser providos pela boa vontade e dedicação dos próprios professores. Ora faltando-lhes uma remuneração compatível com a sua função, e nem sequer prestada a tempo e horas, não admira que os professores se sentissem desmotivados, a ponto de abandonarem a escola e o cumprimento das suas funções profissionais.
Planta do castelo de Faro, cuja traça original e os panos de muralha ainda se conservam na íntegralidade histórica. Trata-se de um documento importantíssimo para o estudo da cidade, e para o conhecimento da composição urbana do seu casco histórico.

A única “aula” de Matemática existente no Algarve, funcionava no Regimento de Artilharia de Faro, onde desde há muitas décadas funcionava uma escola especializada no cálculo matemático e na geométrica, destinada em exclusivo à instrução militar. Nela haviam recebido os preciosos ensinamentos da sua especialidade dezenas de jovens, que se distinguiram por todo o país. Nessa escola de matemática dos artilheiros de Faro ensinou, no séc XVIII, o célebre Coronel Theodozio da Silva Rebocho, cujos discípulos tiveram altas classificações, tendo alguns deles feito exame de admissão à Academia da Marinha, onde entraram facilmente e com distinção.
Edifício do Paço Episcopal de Faro, e ao seu lado direito o palacete onde se instalou a Câmara Municipal. Para o lado esquerdo do Paço encontra-se o edifício do antigo Seminário de São José, onde funcionou provisoriamente o primeiro Liceu de Faro em 1846 até 1849, passando depois para outras instalações na Rua do Município. Na foto, vê-se os antigos estudantes do Liceu, trajados com capa e batina, privilégio que lhes foi concedido pelos camaradas da Universidade de Coimbra.
Dessa plêiade de instruendos da escola de Faro merece que aqui se preste o devido destaque à memória do lente da aula do Regimento de Tavira, o brigadeiro do corpo de engenheiros, José Sande de Vasconcellos, e os seus discípulos, João Stuart, Domingos António de Castro, Jacinto Alexandre, José Justino Henrique e Francisco Xavier dos Reis, os quais compunham a equipa que elaborou as primorosas colecções de plantas das praças e fortalezas da costa do Algarve, que se encontram depositadas na Biblioteca Nacional e no Arquivo Histórico da Marinha.

domingo, 14 de março de 2021

Acerca do Dia da Mulher e da ALGARVIANA – breve esclarecimento

O meu jovem amigo Tomás Severino Pinto Bravo, lembrou-se de comemorar o Dia da Mulher transcrevendo no Facebook um breve trecho da autoria do meu saudoso amigo Dr. Mário Lyster Franco, extraído de uma conferência que aquele brilhante intelectual algarvio pronunciou em diferentes certames literários, sob a epígrafe de «Mulheres e Jogos Florais».
Como estou directamente ligado aos últimos anos de vida desse emérito vulto da cultura algarvia, não posso deixar de acrescentar algumas palavras que justificam a publicação da referida conferência, a cuja edição estive ligado, e que, aliás, constituiu o derradeiro título da sua incomparável obra de escritor e jornalista.
Capa do opúsculo que editei em 1983 sob o 
sugestivo título de Mulheres e Jogos Florais
uma verdadeira homenagem à mulher, na 
figura mítica de Clemência Isaura, que viveu
no séc. XIV, e que passa por ser a inspiradora
dos primeiros certames literários da poesia
trovadoresca.

Como é do conhecimento público, trabalhei com o Dr. Mário Lyster Franco, entre 1980 e 1984, na actualização e edição dessa obra mestra da cultura algarvia, que tem por título «ALGARVIANA – Subsídios para uma bibliografia do Algarve e dos autores algarvios». Compareci diariamente, durante quatro anos, na «Casa do Cercado» em Faro, residência particular do Dr. Lyster Franco, onde procedi à redação de centenas de biobibliografias respeitantes aos autores referenciados para figurarem na referida obra. As referências eram pequenos verbetes, em forma de postal, onde constavam o nome do autor e a indicação de um ou mais livros, ignorando-se tudo o resto. E o meu trabalho consistia na pesquisa e redacção de todos os elementos necessários à elaboração do texto final. O autor, Dr. Mário Lyster Franco, então octogenário, havia parado há muitos anos com essa tarefa, devido aos afazeres com a publicação do seu jornal «Correio do Sul», o mais completo e mais cultural órgão de informação que se publicou a sul do Tejo. Além disso, um galopante glaucoma tinha-o deixado quase cego, razão pela qual tinha cessado toda a sua actividade literária e intelectual.
Nesse afã diário empreguei todas as minhas forças para refazer e actualizar a obra, por forma a que se editasse ainda em vida do seu autor. E aqui revelo que, ao contrário da sua vontade, não permiti que o meu nome figurasse ao lado do seu, como co-autor. Tive esse respeito e essa humildade. Dei o melhor de mim, e posso dizer que a obra nunca se teria iniciado nem publicado (ainda que apenas o 1º volume), sem o meu esforço. Escrevi mais de três centenas de biografias e apreciações críticas das obras dos autores, para integrarem os dois primeiros volumes - dos seis em que decidi repartir a obra final. Creio que hoje, a realidade editorial alterou-se completamente, com o surgimento de inúmeros autores algarvios, para além das obras, que dizendo respeito ao Algarve, terão de ser igualmente integradas na «Algarviana», pelo que a dimensão dessa obra, dos seis volumes que inicialmente julgava compreender, deverá estender-se pelo menos por mais dois, num total superior a três mil páginas.
No autógrafo que o Dr. Mário Lyster Franco 
me dedicou pode ler-se: «Ao chato do Mes-
quita esta chatice feita para chatear os outros, 
of(erece) o chatarrão-mór Mário Lyster Fran-
co. 28/VIII/83 A. D. [Anno Domini] 
Mas, o que agora me trás a terreiro é a justificação da publicação do opúsculo «Mulheres e Jogos Florais», um texto de excepcional beleza literária, o último da lavra do meu saudoso amigo Mário Lyster Franco.
Descobri o texto num amontoado de papeis, constituído por originais manuscritos e dactilografados, respeitantes a várias das suas conferências, pronunciadas no Algarve e em Lisboa. Entre elas estava precisamente este «Mulheres e Jogos Florais», que o Dr. Lyster Franco havia pronunciado nas cerimónias que encerravam esses certames literários, na Praia da Rocha, em Quarteira, e julgo que também em Armação de Pera. Depois de ler o texto insisti para que o publicasse, ao que recusou terminantemente. Mas eu não desistia, até porque o via a morrer sem que nenhuma alegria lhe proporcionasse motivação e força para se agarrar à vida. Nessa altura o então Presidente da Câmara de Faro, havia proibido a continuação da edição da Algarviana, o que até hoje se mantém. Para contrariar os que o condenavam ao silêncio e ao ostracismo, decidi editar na Litográfica do Sul, o texto final desta brilhante conferência. Para isso contei com a boa vontade do director das oficinas daquela empresa, que era um homem de grande sensibilidade cultural, chefe dos bombeiros locais e amante das tradições algarvias, de nome Tenório, figura que certamente os vilarealenses ainda se lembram. Fez-me um preço de amigos (doze contos por 300 exemplares), e o opúsculo sai a público em 1983, como a última produção do Dr. Mário Lyster Franco. É de facto um texto brilhante, dedicado às mulheres, à poesia e sobretudo ao amor. Infelizmente não teve a divulgação que merecia, nem circulou no mercado livreiro por falta de interesse, visto que nessa altura, tal como hoje, grassava entre os intelectuais uma má vontade, e até uma injusta ridicularização, sobre a importância dos Jogos Florais no incremento da nossa literatura e na descoberta de novos talentos.
Esta é a factura que a Litográfica do Sul me passou no
valor 12 mil escudos, respeitante aos custos de edição
dos 300 exemplares do livro Mulheres e JogosFlorais.
Como se vê foi editado em 24 de Maio de 1983, e fui
 eu quem pagou a edição.
Infelizmente, e apesar de ter patrocinado a sua edição, não trouxe comigo nenhum exemplar, a não ser o que o meu querido amigo Dr. Mário Lyster Franco teve a amabilidade de autografar, de uma forma irónica, mas verdadeira. Fui um “chato” na forma como insisti na sua edição, que serviu para chatear os que o tinham condenado ao silêncio e ao ostracismo, sobretudo o presidente da Câmara de Faro. Os políticos são sempre assim, traiçoeiros e traidores.
A quase totalidade dos exemplares deste opúsculo ficaram na «Casa do Cercado», não sabendo qual o destino que tiveram. A casa é hoje uma triste ruína. O seu espólio artístico e museológico, de altíssimo valor, presumo que a família vendeu aos melhores antiquários de Lisboa. Só a pinacoteca da família, constituída por vários quadros da autoria do pai, Carlos Augusto Lyster Franco, a que se juntavam muitos outros pintados pelos seus antigos colegas das Belas Artes, que com o decorrer dos anos se tornaram famosos artistas, valeria hoje dois ou três milhões de euros. E se não fosse eu, com a ajuda do Horácio Cavaco, então presidente da RTA, até a «Algarviana» teria sido vendida aos alfarrabistas da capital, como aliás aconteceu com milhares de outros livros, que faziam parte do espólio herdado não só do pai, que era também um cuidadoso bibliófilo, como também do seu sogro, o Dr. Rodrigues Davim, cuja avultada biblioteca foi repartida pelas suas duas filhas, sendo uma delas a D. Silvina casado com o Dr. Mário Lyster Franco. Esta é que é a mais pura das verdades.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Carlos da Silva Fernandes, um homem que se fez a si próprio

Carlos da Silva Fernandes
O trajecto de vida do cidadão Carlos da Silva Fernandes foi muito curioso, ao estilo do self-made man, que teve altos e baixos, sucessos e desilusões, que o levaram de uma situação de riqueza até quase ao descalabro. Mas enquanto outros desistem e se revoltam contra a vida e acusam os outros do seu infortúnio, com Carlos Fernandes aconteceu precisamente o contrário. Levantou-se do chão e voltou a vencer. O facto de ser um homem culto e de grande inteligência, associada à rara capacidade de fazer amigos e de prever os acontecimentos a uma certa distância no tempo, permitiu-lhe ter quase sempre do seu lado o sucesso nos negócios e um vasto leque de relações de trabalho.
Começou o seu trajecto de vida nos meios artísticos e culturais de Lisboa o que lhe permitiu tornar-se conhecido em certos sectores empresariais da capital, estabelecendo uma teia de afinidades que aproveitou para se lançar noutros voos. Avançou então no caminho da indústria, tornando-se proprietário de uma fundição que laborou muitíssimo bem até ao “25 de Abril”, com uma carteira de negócios ligada ao ultramar e a alguns países da Europa. Todavia, aguçou-se-lhe no espírito a paixão pela política, e por isso se desleixou com a direcção e volume de negócios da sua empresa. Fundou com outros utópicos democratas o Partido Republicano, e na ânsia da sua afirmação eleitoral fez-se à estrada e viajou pelo país inteiro, restabelecendo relações e amizades antigas. 
Mas a política tirou-lhe a disponibilidade para se dedicar à sua empresa, a tal ponto que a situação da fundição se tornou insustentável. A falência aconteceu num ápice e a quimera da política esfumou-se à mesma velocidade com que se esboroaram os negócios e o descalabro da sua empresa industrial.
Face à difícil situação económica em que se encontrava, decidiu vender os produtos fabricados que tinha em armazém, assim como os móveis e outros objectos que possuía em sua casa, tornando-se de um momento para o outro nem vendedor ambulante, que percorria as feiras e mercados do país. Estabeleceu novas relações e amizades constatando que entre os seus novos colegas de profissão não existia nem organização, nem ordem e muito menos um espírito solidário que os pudesse ajudar em situações imprevisíveis de crise. Assim, decide criar uma associação de vendedores ambulantes, da qual se tornaria num líder natural, não só pelos seus dotes de inteligência, como ainda pela sua cultura, pela sua lhaneza de trato e até pela sua anterior experiência política, num projecto que não obstante ter falhado sempre lhe proporcionou um vasto conhecimento das relações humanas. Tornou-se, assim numa espécie de porta estandarte dos vendedores ambulantes, e nessa qualidade visitou ministérios e foi presença activa em certos momentos na Assembleia da República.
Dessa sua actividade comercial, relacionada com os mercados e a venda ambulante, resultou a eleição para presidente da direcção da Feimercal - Associação dos Feirantes e Vendedores Ambulantes, à frente da qual prestou inestimável colaboração no sentido da abertura de um mercado mensal em Paderne.
Panorâmica da aldeia de Paderne
Em boa verdade, Carlos Fernandes tornara-se num padernense de alma e coração, nascendo esse amor e essa forte convicção regionalista a partir do jornal «Avezinha». Curiosamente, foi em Armação de Pêra que tomou contacto com a leitura deste semanário, sentindo desde logo uma forte empatia por este humilde órgão da imprensa regional algarvia, não só pela sua curiosa designação como, sobretudo, pelo seu forte pendor cultural. Procurando conhecer melhor as origens e os dirigentes do jornal, deslocou-se à freguesia de Paderne, onde depois de se relacionar com as pessoas tratou logo de colaborar com artigos e notícias, relacionados com a vida comercial da região e até com o fomento cultural, de que tanto carecia a freguesia pela qual logo se apaixonara.
Gostava tanto do jornal como da aldeia, pelo que tratou em breve de adquirir uma casa onde fixou a sua residência. Contrariando as origens e até as expectativas de grandes negócios, Carlos Fernandes deixou Lisboa, onde nascera e vivera muitos anos, transferindo-se para a província por uma questão de felicidade e de paz interior, que encontrou nessa pacata aldeia algarvia.
Arménio Aleluia Martins, director e refundador do jornal
 «Avezinha», hoje museu de imprensa em Paderne
Carlos Fernandes pela sua bagagem cultural, e até pelo seu porte físico, era um homem de forte personalidade, mas de grande afabilidade social, cuja dimensão humana era muito rara nos dias de hoje. Apesar de todas as vicissitudes da vida, soube sempre lutar e vencer os escolhos que teve de enfrentar no difícil mundo dos negócios e do comércio, sabendo sempre cativar e manter as relações humanas. Nem sempre abundante de meios financeiros, era a amizade o melhor capital que possuía.
A sua inclusão no meu «Dicionário dos Jornalistas e Homens de Letras do Algarve» é uma espécie de homenagem a um homem de fáceis relações humanas e de exuberante trato social, que fez da sua colaboração no jornal «A Avezinha» uma válvula de escape, uma forma de dar largas às suas inatas capacidades de homem de letras que nunca chegou a ser por desencontros do destino.
Carlos da Silva Fernandes, foi aquilo a que o vulgo chama "o homem dos sete instrumentos", pois que durante a sua vida desempenhou actividades profissionais de sucesso no mundo da indústria, do comércio e até da comunicação social, tendo sido um dedicado colaborador do jornal «A Avezinha», órgão sediado na humilde freguesia de Paderne, concelho de Albufeira, cuja audiência de leitores se espalhava pelo mundo inteiro. 
Resta-me acrescentar, para concluir, que Carlos da Silva Fernandes, nasceu em Lisboa, a 19 de Dezembro de 1921, e faleceu em Paderne, onde ficou sepultado, no concelho de Albufeira, a 17 de Junho de 2005, com 83 anos de idade.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Maria da Conceição Elói, uma mulher do povo que lutou pela educação e pela cultura algarvia

Poetisa e jornalista, Maria da Conceição de Sousa Elói nasceu em Paderne, freguesia do concelho de Albufeira, a 31-8-1898, e faleceu em Faro a 7-12-1979.
Desde criança, nos bancos da escola primária, que revelava aptidões para a poesia, escrevendo versos dedicados aos colegas e professores. Não tendo podido ir mais além nos estudos, conseguiu aumentar a sua educação através da leitura de autores clássicos e de algumas lições de francês e de piano, adquiridas na convivência com as famílias mais ilustradas de Paderne.
A vontade de auxiliar os pobres e de comunicar à sociedade a urgente necessidade de ajudar os mais desfavorecidos, levou-a editar, em Março de 1921, um jornal manuscrito inocentemente intitulado "a Avezinha", tendo como redactoras principais quatro meninas, e todas Marias, cujo coração transbordava de altruísmo e de amor pelo próximo. As quatro Marias, subscreviam os seus artigos e poesias, na pueril inocência das suas idades, com o pseudónimo de flores. Assim, além da Maria Conceição Elói, que assinava como Madressilva, colaboravam também a Maria Feliciana Marim Marques, como Violeta, a Maria da Conceição Mendes Costa Biker, como Rosa, e a Maria do Espírito Santo, como Hortênsia. Seguiu-lhes o exemplo, a ilustre Maria Francisca Arez Frias, que assinava os seus preciosos artigos com o pseudónimo de Gardénia. Ignoro, infelizmente, a identidade daquelas que assinavam com os criptónimos de Bonina, Urze, Assucena, Margarida, Camélia, Tília, etc. Pode mesmo dizer-se, que naquele pueril “jardim” despontou uma espécie de escola de jornalismo feminino.
Inspiravam-se as cândidas redactoras no culto da natureza, na bondade e na fraternidade, a tal ponto que parece estar na sua génese a intenção de angariar esmolas para uma velhinha que se encontrava cega, o que só se poderia fazer estendendo a triste notícia a todos os amigos padernenses espalhados pelo Algarve. A designação do jornal, algo infantil, demonstra a inocência das suas fundadoras, que julgando-se pobres criaturas indefesas e perdidas nos montes do barrocal, longe dos centros culturais e das grandes cidades, procuravam através do voo da sua “Avezinha” transmitir a todos os seus conterrâneos uma mensagem de amor e fraternidade, consentânea com o espírito cristão que a todas irmanava.
Depois da fase manuscrita, em que o jornalinho passava de mão em mão, com redobrados carinhos, o padre João Santos Silva, reconhecendo o esforço daquelas jovens e a utilidade daquele arauto da benemerência e da bondade, conseguiu que a diocese o aceitasse como boletim paroquial. Assim, em 17-7-1921, e sem quaisquer encargos para os seus fundadores, passou a editar-se em letra de forma, na tipografia União em Faro, aumentando o seu auditório e os seus horizontes de comunicação.
Tornou-se, deste modo, no primeiro jornal do povo de Paderne. E durante quinze anos foi cumprindo os seus objectivos, humanitários e culturais, até que a emigração para o Brasil da Maria Feliciana, e a morte do padre João dos Santos Silva, suscitaram em 28-12-1939 a mudança da sede do jornal para Faro, onde sobreviveu até à edição n.º 331 datada de 17-10-1953. Nesse período «a Avezinha» foi dirigida pelo padre Dr. Sesinando Oliveira Rosa, tendo estranhamente como proprietário do título o Padre José Gomes da Encarnação bondosíssima figura do presbitério diocesano. O apoio das suas fundadoras e dos seus beneméritos colaboradores foi esmorecendo até que se extinguiu.
Maria da Conceição Elói teve, felizmente, a alegria que ver ressurgir em Maio de 1977, a sua «Avezinha», pela mão de Arménio Aleluia Martins, seu dedicado amigo e admirador, que ainda tentou entregar-lhe o lugar de Directora que, modestamente, declinou. Continuou, porém, a colaborar até quase aos derradeiros dias da sua vida.
O talento, sobretudo poético, de Maria da Conceição Elói revelar-se-ia noutras colunas da comunicação social algarvia, nomeadamente na «Folha do Domingo» e «Correio do Sul» (ambos de Faro), no «Povo Algarvio» (de Tavira), na «Folha de Alte» (Loulé), nas revistas «Portugal Feminino» e «Almanaque de Santo António» (ambas de Lisboa) e em mais duas outras que se editavam no Brasil.
Consciente do seu valor, mas também desejosa de poder aferi-lo, concorreu a variadíssimos Jogos Florais, realizados tanto no Algarve como no resto do País, nomeadamente em Lisboa, Évora, Caldas da Rainha, Porto, Cascais. Desse modo obteve dezenas de prémios, entre 1ºs e 2°s lugares, assim como centenas de menções honrosas. Recebeu o último galardão em Lisboa, num concurso promovido pela revista «Mundo Rural», onde classificou em 2° lugar um dos seus contos. Ficou muito sensibilizada com o prémio atribuído e por isso decidiu ir a Lisboa, que foi dos raros actos públicos a que compareceu, pois o seu espírito modesto e simples não se compaginava com honrarias públicas.
Exerceu uma fecunda actividade literária durante quase setenta anos, escrevendo em verso todos os géneros de poesia, e em prosa redigiu belos contos literários e inúmeras crónicas jornalísticas. Como poetisa possuía especial apetência para a composição de sonetos.
No primeiro aniversário da sua morte o povo de Paderne homenageou-a com a colocação de uma lápida na casa onde nasceu, no sítio dos Montes Elóis, e uma placa evocativa junto do seu túmulo no cemitério local. Também lhe atribuiu o nome a uma das ruas da sua amada terra-natal.
Maria da Conceição Elói, na velhice
Em homenagem à sua obra poética, o Racal Clube de Silves escolheu-a para patrona dos VI Jogos Florais do Algarve, com a particularidade de ter sido a primeira mulher a receber essa distinção.
O jornal «a Avezinha», prestou-lhe, porém, a mais profunda e merecida homenagem de todas as que se haviam realizado, quando o seu director, Arménio Aleluia Martins, decidiu realizar o maior dos sonhos que a pobre poetisa nunca concretizou em vida - a publicação em livro dos seus versos. O título já ela o havia escolhido quando confidenciou à sua dilecta amiga Joselina: “Mal acordei esta manhã, passou-me pela mente, este pensamento com a rapidez de um relâmpago – se um dia publicasse um livro, gostaria que lhe pusessem: «Ecos da Minha Voz»...” Com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Albufeira o livro saiu a público em Janeiro de 1983, com o título de Ecos da Minha Voz, cumprindo-se a vontade da sua autora.
Acima de tudo Maria da Conceição Elói era uma mulher simples, alegre, afectuosa e expansiva. Tinha uma débil compleição física, era pequena e frágil, mas possuía um coração de ouro, uma alma de bondade e carinho, uma rara grandeza de espírito para uma mulher do campo, desprendida de vaidades e honrarias, que as mereceu, mas só as teve depois de morta.
Na sua lápide funerária incrustaram, em jeito de homenagem, este belo poema da sua autoria:
 
ANOITECEU...
 
Minha "irmã morte", quando tu chegares
Não tentes desviar o meu destino,
Nunca gostei de coisas singulares,
É tudo em mim, humilde e pequenino.
 
É tudo em mim, suave e cristalino,
Sem loucas alegrias, vãos pesares,
Eu canto a vida, como a voz do sino
Vai espalhando sons por esses ares...
 
Como regressa ao ninho uma andorinha
Ao pressentir que a noite se avizinha,
E para repousar ali desceu,
 
Numa campa rasa ó minha "irmã morte!"
Quisera um epitáfio desta sorte:
"Minha aldeia, voltei! Anoiteceu"...