domingo, 14 de março de 2021

Acerca do Dia da Mulher e da ALGARVIANA – breve esclarecimento

O meu jovem amigo Tomás Severino Pinto Bravo, lembrou-se de comemorar o Dia da Mulher transcrevendo no Facebook um breve trecho da autoria do meu saudoso amigo Dr. Mário Lyster Franco, extraído de uma conferência que aquele brilhante intelectual algarvio pronunciou em diferentes certames literários, sob a epígrafe de «Mulheres e Jogos Florais».
Como estou directamente ligado aos últimos anos de vida desse emérito vulto da cultura algarvia, não posso deixar de acrescentar algumas palavras que justificam a publicação da referida conferência, a cuja edição estive ligado, e que, aliás, constituiu o derradeiro título da sua incomparável obra de escritor e jornalista.
Capa do opúsculo que editei em 1983 sob o 
sugestivo título de Mulheres e Jogos Florais
uma verdadeira homenagem à mulher, na 
figura mítica de Clemência Isaura, que viveu
no séc. XIV, e que passa por ser a inspiradora
dos primeiros certames literários da poesia
trovadoresca.

Como é do conhecimento público, trabalhei com o Dr. Mário Lyster Franco, entre 1980 e 1984, na actualização e edição dessa obra mestra da cultura algarvia, que tem por título «ALGARVIANA – Subsídios para uma bibliografia do Algarve e dos autores algarvios». Compareci diariamente, durante quatro anos, na «Casa do Cercado» em Faro, residência particular do Dr. Lyster Franco, onde procedi à redação de centenas de biobibliografias respeitantes aos autores referenciados para figurarem na referida obra. As referências eram pequenos verbetes, em forma de postal, onde constavam o nome do autor e a indicação de um ou mais livros, ignorando-se tudo o resto. E o meu trabalho consistia na pesquisa e redacção de todos os elementos necessários à elaboração do texto final. O autor, Dr. Mário Lyster Franco, então octogenário, havia parado há muitos anos com essa tarefa, devido aos afazeres com a publicação do seu jornal «Correio do Sul», o mais completo e mais cultural órgão de informação que se publicou a sul do Tejo. Além disso, um galopante glaucoma tinha-o deixado quase cego, razão pela qual tinha cessado toda a sua actividade literária e intelectual.
Nesse afã diário empreguei todas as minhas forças para refazer e actualizar a obra, por forma a que se editasse ainda em vida do seu autor. E aqui revelo que, ao contrário da sua vontade, não permiti que o meu nome figurasse ao lado do seu, como co-autor. Tive esse respeito e essa humildade. Dei o melhor de mim, e posso dizer que a obra nunca se teria iniciado nem publicado (ainda que apenas o 1º volume), sem o meu esforço. Escrevi mais de três centenas de biografias e apreciações críticas das obras dos autores, para integrarem os dois primeiros volumes - dos seis em que decidi repartir a obra final. Creio que hoje, a realidade editorial alterou-se completamente, com o surgimento de inúmeros autores algarvios, para além das obras, que dizendo respeito ao Algarve, terão de ser igualmente integradas na «Algarviana», pelo que a dimensão dessa obra, dos seis volumes que inicialmente julgava compreender, deverá estender-se pelo menos por mais dois, num total superior a três mil páginas.
No autógrafo que o Dr. Mário Lyster Franco 
me dedicou pode ler-se: «Ao chato do Mes-
quita esta chatice feita para chatear os outros, 
of(erece) o chatarrão-mór Mário Lyster Fran-
co. 28/VIII/83 A. D. [Anno Domini] 
Mas, o que agora me trás a terreiro é a justificação da publicação do opúsculo «Mulheres e Jogos Florais», um texto de excepcional beleza literária, o último da lavra do meu saudoso amigo Mário Lyster Franco.
Descobri o texto num amontoado de papeis, constituído por originais manuscritos e dactilografados, respeitantes a várias das suas conferências, pronunciadas no Algarve e em Lisboa. Entre elas estava precisamente este «Mulheres e Jogos Florais», que o Dr. Lyster Franco havia pronunciado nas cerimónias que encerravam esses certames literários, na Praia da Rocha, em Quarteira, e julgo que também em Armação de Pera. Depois de ler o texto insisti para que o publicasse, ao que recusou terminantemente. Mas eu não desistia, até porque o via a morrer sem que nenhuma alegria lhe proporcionasse motivação e força para se agarrar à vida. Nessa altura o então Presidente da Câmara de Faro, havia proibido a continuação da edição da Algarviana, o que até hoje se mantém. Para contrariar os que o condenavam ao silêncio e ao ostracismo, decidi editar na Litográfica do Sul, o texto final desta brilhante conferência. Para isso contei com a boa vontade do director das oficinas daquela empresa, que era um homem de grande sensibilidade cultural, chefe dos bombeiros locais e amante das tradições algarvias, de nome Tenório, figura que certamente os vilarealenses ainda se lembram. Fez-me um preço de amigos (doze contos por 300 exemplares), e o opúsculo sai a público em 1983, como a última produção do Dr. Mário Lyster Franco. É de facto um texto brilhante, dedicado às mulheres, à poesia e sobretudo ao amor. Infelizmente não teve a divulgação que merecia, nem circulou no mercado livreiro por falta de interesse, visto que nessa altura, tal como hoje, grassava entre os intelectuais uma má vontade, e até uma injusta ridicularização, sobre a importância dos Jogos Florais no incremento da nossa literatura e na descoberta de novos talentos.
Esta é a factura que a Litográfica do Sul me passou no
valor 12 mil escudos, respeitante aos custos de edição
dos 300 exemplares do livro Mulheres e JogosFlorais.
Como se vê foi editado em 24 de Maio de 1983, e fui
 eu quem pagou a edição.
Infelizmente, e apesar de ter patrocinado a sua edição, não trouxe comigo nenhum exemplar, a não ser o que o meu querido amigo Dr. Mário Lyster Franco teve a amabilidade de autografar, de uma forma irónica, mas verdadeira. Fui um “chato” na forma como insisti na sua edição, que serviu para chatear os que o tinham condenado ao silêncio e ao ostracismo, sobretudo o presidente da Câmara de Faro. Os políticos são sempre assim, traiçoeiros e traidores.
A quase totalidade dos exemplares deste opúsculo ficaram na «Casa do Cercado», não sabendo qual o destino que tiveram. A casa é hoje uma triste ruína. O seu espólio artístico e museológico, de altíssimo valor, presumo que a família vendeu aos melhores antiquários de Lisboa. Só a pinacoteca da família, constituída por vários quadros da autoria do pai, Carlos Augusto Lyster Franco, a que se juntavam muitos outros pintados pelos seus antigos colegas das Belas Artes, que com o decorrer dos anos se tornaram famosos artistas, valeria hoje dois ou três milhões de euros. E se não fosse eu, com a ajuda do Horácio Cavaco, então presidente da RTA, até a «Algarviana» teria sido vendida aos alfarrabistas da capital, como aliás aconteceu com milhares de outros livros, que faziam parte do espólio herdado não só do pai, que era também um cuidadoso bibliófilo, como também do seu sogro, o Dr. Rodrigues Davim, cuja avultada biblioteca foi repartida pelas suas duas filhas, sendo uma delas a D. Silvina casado com o Dr. Mário Lyster Franco. Esta é que é a mais pura das verdades.

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