quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Deputados pelo Algarve eleitos às Cortes de 1822

Entrada solene, em Lisboa, da Junta Provisória,
emanada da Revolução Vintista, proclamada na
 cidade do Porto no dia 24 de Agosto de 1820.

As primeiras eleições que se realizaram no país, com recurso ao sufrágio livre e representativo, foram as de 1822, no âmbito das quais seriam eleitos deputados de todo o continente e ilhas. Não se pode dizer que tanto a legislação como o processo eleitoral fossem semelhantes aos que regulam hoje a nossa vida democrática. Muito longe disso. Em primeiro lugar, não existiam partidos políticos, pelo que só os cidadãos com meios de fortuna e prestígio social podiam apresentar-se ao sufrágio pelos seus próprios meios. Depois o voto não era universal, isto é, apenas podiam votar os cidadãos activos que pagassem impostos, pelo trabalho, pelo agenciamento de vida ou pela propriedade de bens imóveis. Outra particularidade da lei eleitoral era o voto indirecto, isto é, o eleitor votava na sua paróquia em delegados, que depois na sede do concelho votavam em procuradores, que depois elegiam os deputados. Nestas eleições de 1822, por serem as primeiras, as listas apresentadas a sufrágio tiveram um âmbito nacional, ficando os eleitos regionais como substitutos, em caso dos efectivos não puderem assumir as suas funções no parlamento.
Apoio popular aos revolucionários vintistas que
 implantaram a liberdade em Portugal, clamando:
 Viva a Liberdade, a Constituição e a Regeneração.

Os candidatos a deputados pelo Algarve que obtiveram maior número de votos, foram os seguintes: 
Efectivos – Gregório José de Seixas, 4880 votos. 
Manuel Pedro de Mello, 4417 votos. 
Manuel Aleixo Duarte Machado, 4209 votos. 
Rodrigo de Sousa Castelo Branco, 4154 votos. 

Substitutos – José António Ferreira Braklami, 1761 votos. 
José Bento de Barahona Fragozo, 1477 votos. 
José Diogo Mascarenhas Neto, 1229 votos. 
José Vaz Velho, 1065 votos. 

Aguarela de Roque Gameiro alusiva às Cortes de 1820.
Curiosamente o conhecido historiador algarvio João Baptista da Silva Lopes, cujo prestígio político era inquestionável, por ter sido membro da Maçonaria de Lagos e um dos heróicos sobreviventes das prisões de S. Julião da Barra, apresentou-se a sufrágio nas eleições regionais, mas a sua eleição como substituto foi impugnada devido ao facto de desempenhar as funções de Vice-Cônsul da Espanha, o que, alegadamente, lhe granjearia a simpatia e popularidade junto do eleitorado. Por isso foram-lhe retirados 262 votos, supostamente descarregados nas urnas por eleitores relacionados, por razões de sangue ou interesses económicos, com a nação espanhola. Essa decisão impediu a eleição da mais prestigiada figura intelectual e política do Algarve. 

domingo, 6 de setembro de 2020

Dízima da Pescaria na lota da Fuzeta em 1833

Miniatura da Real Efígie de D. Miguel I, ostentando o 
ceptro Real e a Coroa, depositada em honra de Nª Sª 
da Conceição de Vila Viçosa. Este tipo de iconografia
 real era geralmente usado pela fidalguia provinciana, 
mas também pelos ricos burgueses do comércio,
 pendurado ao pescoço em grosso fio de ouro.

Escasseia a informação sobre os rendimentos fiscais das instituições públicas, nomeadamente das relacionadas com as pescarias algarvias. 
Desde a reestruturação tributária mandada executar pelo Marquês de Pombal, que o rendimento dizimar da pesca no Algarve pertence ao foro das Alfândegas organizadas entre 1770 e 1773, de forma inteligente e fundamentada nas modernas técnicas da contabilidade, pelo superintendeste geral das alfandegas das três províncias do sul, José António de Oliveira Damásio, que desempenhava em simultâneo as funções de inspector das portagens e marinhas, conservador da Companhia das Reais Pescarias, presidente e relator da Real Junta dos foros e censos e juros do Reino do Algarve.[1]
Por isso é que trazemos agora a público a notícia de em 1833 o Superintendente das Alfândegas do Algarve, ter levado à praça a almoeda da dízima das Pescarias da Fuzeta, para ser arrematada pelo lanço mais elevado. Ora, no primeiro leilão público parece que um tal José Pires ofereceu 170 mil réis anuais, ficando por isso detentor da exploração do dízimo sobre as pescarias locais. 
Todavia, dessa arrematação recorreu para as instâncias superiores, uma tal Chatarina Josefa, que na sua qualidade de anterior arrendatária fiscal, ofereceu 200 mil réis. Ainda que esta oferta tenha sido apresentada já fora do prazo legal, entendeu o Superintendente das Alfândegas do Algarve que, a bem do interesse público, deveria dar satisfação à pretensão da anterior arrendatária, exarando por isso um parecer favorável com data de 3-2-1833.
Alfinete de lapela, da Real Efígie de D. Miguel. Repare-se
 na forma tosca do desenho, pintado sobre papel fino,
 que dá a ideia da preocupação iconográfica da época.
Apesar do seu aspecto, tosco e popular, trata-se de uma
 jóia já que o alfinete é de prata, debruado com 16 pérolas
 sobre uma espécie de coração em ouro, com seis pequenos
diamantes. A sua dimensão é de 1,7 cm, e tem de peso apenas 1,6 gramas.

Esta decisão demonstra a inexistência de um Estado de Direito e serve para ilustrar a forma arbitrária como os miguelistas governavam. Reverteram uma decisão legal, em face das urgências financeiras da Coroa. Mas a razão foi outra: a Catharina Josefa era fiel apoiante da usurpação miguelista na aldeia piscatória da Fuzeta, daquelas que em público ostentava com orgulho, junto ao peito, a Real Efígie de D. Miguel.

__________________________
[1] ANTT, Ministério do Reino, Maço 608. Este maço é praticamente constituído por documentação respeitante à administração pombalina no Algarve. Nele encontrei também muitos documentos do século XVII relativos ao Algarve, por exemplo, vários acórdãos e assentos de rendas do cónego D. Francisco Barreto, que herdou foros e censos do seu tio e homónimo que foi Bispo do Algarve. De grande interesse é também o inventário dos bens pessoais do bispo D. Francisco Barreto, datado de 4-9-1671.
Neste mesmo maço 608 encontrei também um importante processo de inquirição relativo aos bens de José António de Sousa Pereira.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Alfandegas de Portimão e Lagos em 1765

Belíssima aguarela da autoria de Joseph Constantine
 Stadler (1780–1822), alemão que viveu em Inglaterra,
 publicada na obra de George Landman,
Historical
 Military, and Picturesque, Observations on Portugal
.

Encontrei há anos, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, um belíssimo livro manuscrito do século XVIII, encadernado em veludo vermelho com gravação a das armas reais em ferro quente, inseridas no centro das pastas. É uma fonte de primordial importância para o estudo das alfândegas de Portimão e de Lagos, por nela se conter a transcrição, em caligrafia pombalina, muito limpa e facilmente legível, dos principais documentos que estiveram na origem da reestruturação fiscal das alfândegas do sul.
Essa fonte manuscrita está classificada na secção do Ministério do Reino com a seguinte referência de busca:
Gravura do séc. XVII representativa da cidade de Lagos,
cercada pela sua antiga muralha
.
«Provimentos e Providencias que em falta de Regimento que fez e deixou o Desembargador Antão Bravo de Sousa Castello Branco na Alfandega de Villa Nova de Portimão para o governo interino da mesma. Anno de 1765». 
O livro respeitante à alfândega de Portimão foi fotocopiado e presumo que existe um microfilme de todo o seu conteúdo. Mas, o livro da alfândega de Lagos não estava mexido, e julgo que nunca se fez uma cópia de trabalho que permitisse evitar o seu desgaste pela consulta pública. Acho que o Arquivo Distrital de Faro deveria pedir à Torre do Tombo a digitalização destas fontes de suprema importância para o estudo da época pombalina no Algarve.

terça-feira, 1 de setembro de 2020

A população do Algarve entre o Cabralismo e a Regeneração (1842-1852)


Ilustração sobre a «Maria da Fonte», revolta popular
contra os «Cabrais»,originou a guerra-civil da Patuleia.
No «Diário do Governo», de 29-3-1842, publicou-se em dois cadernos diferentes (pp. 481-487 e 493-503) uma estatística do número de fogos de todos os concelhos do continente e ilhas. É uma fonte de profícua consulta para o estudo da demografia, mas também para o conhecimento da geografia socioeconómica do nosso país.
Através dessas tabelas demográficas ficamos a saber que o Algarve tinha nesse ano, marcado pela ascensão política do Cabralismo ao poder, um total de 33071 fogos, o que admitindo uma ocupação média de 4 habitantes por fogo, temos uma população algarvia presumivelmente avaliada em 132.284 pessoas.
António Bernardo da Costa Cabral
(1803-1889), popularmente designado
 por Costa Cabral, foi deputado e Par do
 Reino, conselheiro de Estado, ministro
 da Justiça e ministro do Reino,
 presidente do Conselho de Ministros. 
Em 1847, o mesmo «Diário de Governo», nº 192, de 16-8-1847, publicou uma nova relação nacional dos fogos por concelho, através da qual se nota uma ligeira subida da população algarvia. Assim, para o Algarve mencionava-se um total de 34829 fogos, o que, usando a mesma taxa de ocupação por fogo, dá uma hipotética população total de 139.316 pessoas.
Em 1852, o número de fogos registados no Algarve foi de 38643, do que poderá resultar um total aproximado de 154.572 habitantes. A relação do número de fogos atribuídos a cada um dos concelhos algarvios encontra-se publicada no «Diário do Governo», nº 238 de 8-10-1856, a pp. 1459 e seguintes. Não vou agora destacar aqui qualquer concelho em especial, no entanto, em todas as relações demográficas ressalta o concelho de Loulé como o mais populoso do Algarve.
O crescimento populacional no Algarve, foi de aproximadamente doze mil habitantes, na década entre 1842 e 1852, período cronológico que medeia entre o Cabralismo e o início da Regeneração. O progresso demográfico não foi tão significativo quanto desejável por causa das contrariedades políticas que afectaram o desenvolvimento económico do país, nomeadamente a guerra-civil da Patuleia, entre 1846-47, que teve no Algarve um dos seus palcos estratégicos, já que aqui desembarcaram as tropas de Sá da Bandeira, cujo heroísmo militar foi decisivo para o desfecho desse funesto conflito, entre Cartistas e Setembristas.