quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Sousa, Cónego Joaquim Jorge de

 Cónego da Sé de Faro, nasceu em Aljezur a 8-11-1911 e faleceu em Faro em 1998, com 87 anos de idade.
Ordenou-se presbítero a 25-7-1937 e a 8-11-1937 foi nomeado vigário Cooperador da Sé Catedral, e a 24 do mesmo mês passou a pároco encomendado da Sé de Faro.
Ainda antes da ordenação, já exercia o cargo de mestre de cerimónias, da Sé Catedral, funções que prestou, durante muitos anos.
durante muitos anos também, foi professor do Seminário Diocesano.
A 15/4/57, foi nomeado Notário Apostólico Substituto. A 3/5/58, foi nomeado Beneficiado, com assento e Voto no Cabido.
Foi professor de Religião e Moral na Escola Tomás Cabreira.
No exercício das suas competências religiosas, foi pároco na freguesia da Conceição de Faro e também assistente diocesano dos Cruzados de Fátima, da União Missionária do Clero e das Obras Missionárias.
Nas últimas décadas do século XX era dos mais conhecidos e respeitados sacerdotes da diocese algarvia, especialmente pelo facto do Padre Joaquim Jorge desempenhar as funções de Capelão da Santa Casa da Misericórdia de Faro. A bem dizer ele era o rosto da Misericórdia de Faro, dando-se por inteiro ao cuidado dos pobres e à protecção dos desvalidos. Com o avançar da idade a sua presença era menos notada em público, mas mesmo velho e doente nunca deixou de cumprir as suas obrigações, rezando com profundo sentimento e fervor a Eucaristia Dominical na Igreja do Pé da Cruz.
Recentemente, a Misericórdia de Faro fundou, no sítio da Torre de Natal, um lar para idosos, com capacidade para 58 utentes, ao qual atribuiu a designação de Estrutura Residencial Sénior Cónego Joaquim Jorge de Sousa, uma espécie de homenagem e de reconhecimento pela dedicação daquele sacerdote aos idosos e aos mais carenciados.
Importa aqui dar especial destaque aos artigos que o Padre Joaquim Jorge de Sousa publicou no «Correio do Sul» sobre a ascendência algarvia do escritor Ramalho Ortigão, sobre a passagem do poeta João de Deus pelo seminário de São José de Faro, e muitos outros estudos relativos à História Eclesiástica Algarvia publicados nos semanários farenses «O Algarve» e «Folha do Domingo».

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

ABOIM, José Vaz Júdice

Funcionário público e figura muito prestigiada na sociedade farense dos finais do século XIX até ao primeiro quartel da centúria seguinte. Desempenhou durante décadas as funções de secretário do Governo Civil de Faro, nas quais se aposentou poucos anos antes do seu passamento.
Faleceu em Lisboa a 16-1-1928, com 76 anos de idade, vitimado por uma síncope cardíaca, pouco depois de se ter deslocado à capital a fim de procurar remédio para a doença incurável de que padecia.

AZEVEDO, Manuel Vasques de


Funcionário público, respeitável despachante da Alfândega de Vila Real de St.º António, de onde era natural, e onde também viria a falecer, em meados de Novembro de 1951, com 66 anos de idade.
Beneficiava na sua terra natal de grande prestigio social, mercê da sua honestidade e da sua competência profissional, razões mais do que suficientes para o fazerem credor da simpatia e confiança dos seus conterrâneos. Não admira por isso que superiormente o tivessem sido escolhido  para desempenhar, por mais do que uma vez, as honrosas funções de vereador e de vice-presidente da Câmara Municipal da vila pombalina. 
Diga-se, em abono da verdade, que Manuel Vasques de Azevedo nunca foi político, mas tão somente um funcionário público que, por auferir vencimento do Estado, era obrigado a desempenhar funções autárquicas. Esse procedimento era muito comum no tempo da ditadura salazarista, para evitar que as despesas da administração autárquica pesassem nas finanças públicas e no orçamento do Estado. Também é verdade que no período do Estado Novo, sobretudo durante e após a II Guerra Mundial, as administrações autárquicas quase nada faziam, em termos de obras públicas, para não sobrecarregarem o Orçamento de Estado, devido ao pavor que o ditador tinha em relação ao possível descontrolo das finanças públicas. Quem sofria com isso eram as populações, que viam as suas cidades, vilas e aldeias, reduzidas ao marasmo e ao ronceirismo que tanto caracterizava o regime salazarista. Os próprios elencos autárquicos, por serem nomeados pelo governo, eram em geral desempenhados por funcionários do Estado, por militares e até sacerdotes religiosos, desde que as populações os considerassem competentes e honestos para o exercício das funções que lhes eram confiadas. Acontecia também que certos cidadãos na situação de reforma, só pelo facto de serem estipendiados pelo Estado eram obrigados ao desempenho de funções na administração pública, não lhes sendo possível pedir escusa dessas funções a não ser por razões atendíveis de saúde.
A título de simples pormenor se acrescenta que Manuel Vasques de Azevedo era casado com D. Maria Amália Piloto de Azevedo, senhora muito conhecida e respeitada no conceito das melhores famílias vilarealenses. Era irmão de D. Elvira de Azevedo Vaz Velho, que foi casada com João Machado Vaz Velho, residentes em Faro, onde beneficiavam de grande apreço e consideração social.



terça-feira, 29 de janeiro de 2019

O Algarve na opinião alheia


Muito se tem escrito ao longo dos tempos sobre o Algarve. Não iremos fazer aqui uma pesquisa exaustiva das opiniões críticas emitidas em livro por autores diversos e dispersos, porque a tanto não nos sobejaria nem a paciência nem o espaço. Faremos, apenas um breve bosquejo de algumas apreciações, que nos pareceram mais elucidativas, mas belas ou mais eloquentes. São uma espécie de caleidoscópio dos diversos ângulos pelos quais se podem apreciar as qualidades naturais, ambientais e humanas desta região bendita, que os portugueses e os estrangeiros admirammercê das suas particulares belezas e sobretudo das suas singularidades histórico-culturais.
Falcão Trigoso, Algarve, seca do figo, quadro de 1911
Assim, acerca do Algarve aqui ficam alguns informes coligidos a esmo. Comecemos pela caracterização do conceito histórico de Região:
«… o antigo "reino do Algarve", a última zona a incorporar-se na unidade territorial portuguesa, não teve apenas, com efeito, a sua individualidade bem reconhecida no título que usavam os nossos primeiros reis, mas sempre se considerou bem separado do resto do país: num documento de 1595, citado pelo Dr. Leite de Vasconcelos (Biblos,vol. VI, pág. 487), fala-se, por exemplo: da “estrada que vai de Tavira para Portugal”, e Baptista de Castro no seu Mapa de Portugal (vol. I. pág. 77), ainda escrevia que o Algarve ficava “separado de Portugal pelos montes Caldeirão e Monchique”. E só por esta circunstância se explica talvez o facto de ser o Algarve a única zona do país onde o distrito veio sobrepor-se exactamente à antiga divisão provincial, constituindo, por outro lado, uma razão até certo ponto atendível para que a ela se faça corresponder também uma região geográfica verdadeiramente digna deste nome.» A. de Amorim Girão, Esboço duma carta regional de Portugal, 2.ª ed. p. 8.

«... quando se fala da região algarvia, é sobretudo a zona litoral do Algarve administrativo e histórico que queremos referir-nos. É, de facto, o seu manto de sedimentos secundários e terciários que "transforme le pays en un véritable jardin" no justo e autorizado dizer de Lapparent (Leçons de géographie physique, 3.ª ed., pág. 463). A. de Amorim Girão, Esboço duma carta regional de Portugal, 2.ª ed. p. 136.
Algarve, família camponesa varejando a azeitona das oliveiras

«…quem entra no Algarve pelo caminho de ferro reconhece bem que não é em S. Marcos da Serra, onde o solo e a paisagem são ainda os do Alentejo, mas apenas em S. Bartolomeu de Messines, precisamente no limite setentrional da orla mesozóica, que de súbito nos julgamos transportados a um verdadeiro mundo à parte.» in A. de Amorim Girão, op. cit., p. 174.

«Tanto o Algarve se considerava dantes divisão distinta do resto de Portugal, que em certos documentos algarvios dos séculos XVI e XVII se fala dele como se fosse outra nação, por exemplo: em 1595 diz-se numa confrontação: “...a estrada que vai á aldeia de Moncarapacho e sidade de Tavira pêra Portugal...”; em 1607, noutra confrontação: “...dali sempre pella estrada de Portugal”, isto é, que vai para Portugal.» (J. L. V., Opúsculos, vol.V, p.330).

Postal antigo, traje rural da algarvia
Do ponto de vista natural, ambiental e orográfico, o Algarve aparece-nos descrito e apreciado como uma região distinta, com culturas próprias e exclusivas, um clima ameno e dócil, uma réstia, em suma, do paraíso terrestre:

«As culturas arvenses, e, em especial, da amendoeira, da figueira e da alfarrobeira, têm um considerável desenvolvimento nesta sub-região (o litoral) que mais parece um pomar, onde o homem, no dizer do Portugal Pequenino, “é, como o árabe, mais hortelão do que lavrador”; e algumas espécies vegetais próprias dos climas quentes, como a palmeira, a bananeira, o esparto, etc., contribuem ainda para dar-lhe um aspecto inédito em Portugal.» A. de Amorim Girão, Esboço duma carta regional de Portugal, 2.ª ed., p.140.
Amendoeiras em flor, camponesa algarvia

«...Todo o Algarve é um pomar cultivado com esmero. A gente ao Alentejo, quando vê um bocado de terra bem tratado, diz: - É um pedacinho do Algarve». (Raul Brandão, Os Pescadores.

«...as casinhas aglomeradas, muito brancas, escorrem luz brilhante, como numa paisagem de esmalte...» Mariana Santos, «O Barranco do Velho», in Biblos, vol. VIII, 203.

«…o Algarve que é um pomar cultivado com esmero, e a costa, a mais recortada e piscosa de Portugal, com as suas praias esplêndidas, a água que às vezes parece caldo azul e ao pé dos areais as armações do atum, o peixe que com a sardinha dá mais dinheiro em Portugal.» Maria Angelina e Raul Brandão, Portugal Pequenino, Lisboa, 1930, p. 109.

sábado, 26 de janeiro de 2019

VILHENA, Francisco Augusto da Silveira Almeida

Notabilíssima figura da elite farense do último quartel do século XIX, detentor de avultados meios de fortuna, que o vulgo conhecia e respeitava sob o título de Visconde do Cabo de Santa Maria. Viveu a maior parte da sua vida na cidade de Faro, onde marcou vincada presença social como político e jornalista. Defendeu as ideias avançadas do socialismo, e quando jovem chegou mesmo a simpatizar com a filosofia política de Proudhon e da Comuna de Paris. Tinha uma ilustração sólida, adquirida através da leitura dos grandes clássicos da literatura europeia e das obras filosóficas que marcaram o surgimento das ideias libertárias, do republicanismo operário e até mesmo do próprio anarquismo. Com o avançar da idade amansou os impulsos ideológicos, açaimou os projectos de justiça social cogitados na juventude, e tornou-se num cidadão pacato e empreendedor, num empresário de sucesso da opinião pública através do seu monumental jornal, o «Algarve e Alemtejo».
    Francisco Augusto da Silveira Almeida Vilhena, nasceu na vila de Ílhavo a 10-7-1848 - um dos históricos alfobres da miscigenação algarvia, através da emigração de marítimos que das praias do sul demandavam a costa do norte à procura de casamento -, e faleceu em Faro a 6-2-1928, com 80 anos de idade. Teve a desdita de ser monárquico e de assistir à queda do trono reinante, cabendo-lhe a honra de fazer a transição para o novo regime, entregando a autarquia a Bernardo de Passos (recém nomeado pela República como Administrador do Concelho), e o governo civil da região aos republicanos de Tavira. Sem nunca ter deixado de defender a democracia e a soberania nacional, acreditou no regime monárquico como veículo credível das ideias reformistas de uma sociedade mais justa e mais igualitária. Mas essa quimera nunca existiu, nem na democracia moderna. 
Veio para Faro com cerca de vinte anos de idade, para se empregar como aspirante de alfândega. Alguns anos depois ascendeu ao posto de director da Alfândega de Faro e mais tarde exerceu idênticas funções nas de Olhão e Vila Real de Santo António.
Interessou-se desde muito jovem pela política filiando-se no Partido Progressista, em cujas fileiras militava praticamente toda a sua família. Desempenhou funções públicas e políticas de assinalável relevo, nomeadamente as de Governador Civil substituto, presidente, eleito por diversas vezes, da Câmara Municipal de Faro, presidente da Junta Geral do Distrito, director da Companhia de Pescarias do Algarve, director da Companhia de Pescarias do Cabo de Santa Maria, Ramalhete e Forte, prior da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, de Faro, etc.
Como jornalista dispersou a sua prosa por vários periódicos de Lisboa e da província, obviamente afectos ao Partido Progressista, e dentro dessa linha política fundou e dirigiu em Faro os jornais «Comércio do Sul», «Progresso do Sul» e «Algarve e Alemtejo». Extintos estes periódicos, que não sobreviveram à implantação da República, manteve assídua colaboração nas colunas de «O Algarve» de Faro, publicando numerosos artigos sobre assuntos de pesca. Apesar de não ter uma instrução académica superior foi, contudo, um autodidacta e um estudioso incansável, evidenciando grande prestabilidade e admirável bondade para com os mais desprotegidos.
Pela sua dedicação à política e grande dinamismo nos meios industriais ligados às pescas, o rei D. Carlos concedeu-lhe em vida o título de Visconde do Cabo de Santa Maria, por decreto de 29-11-1898 e mais tarde elevou-o à grandeza de Conde por decreto de 3-4-1905.
Curiosamente foi o último presidente da Câmara Municipal de Faro no regime monárquico, cabendo-lhe a honra de empossar os seus sucessores republicanos. Por ironia do destino, assistiu à derrocada da monarquia e à extinção da república democrática.
Por fim, resta acrescentar que foi casado com D. Isabel Amália Coelho de Carvalho, nascida a 5-1-1854, oriunda da mais notável e possidente família da cidade de Faro. Dessa união nasceram vários filhos, de entre os quais destacamos Ventura Coelho de Vilhena e Francisco de Almeida Vilhena. Os seus avultados meios de fortuna foram sendo paulatinamente delapidados ao longo de décadas, perdendo-se também com a emergência do regime republicano o enorme prestígio social e político de que gozava a família Almeida Vilhena.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

SERRA, Manuel dos Santos


Faleceu na manhã do dia 29 de Novembro de 2018, no hospital distrital de Faro, aos 92 anos de idade o meu bom e querido amigo Dr. Manuel dos Santos Serra. Foi um dos mais notáveis médicos do Algarve, cuja vida profissional dedicou inteiramente ao bem comum. A qualquer hora do dia ou da noite recebia chamadas para acudir aos seus doentes, nunca deixando de comparecer, mesmo nos sítios mais recônditos do interior algarvio, para onde, nos primórdios da sua vida de "João Semana", se deslocava a cavalo ou, mais tarde, na sua pequena viatura, que por vezes serviu de ambulância nos casos mais urgentes.
Fixou residência e abriu consultório na pitoresca vila de Albufeira, quando ainda não se falava de turismo, mas que o seu espírito visionário já identificava e proclamava aos sete ventos como a Saint-Tropez do Algarve.
Todavia, no início dos anos cinquenta do século passado, quando iniciou a sua carreira médica, Albufeira era ainda uma vila pobre, ignorada e desconhecida no extremo sul do nosso país. E nesses tempos difíceis do pós-guerra, em que a ditadura apertava a vigilância sobre as figuras que mais se distinguiam na sociedade, nomeadamente no cultivo das letras e das artes ou no apoio aos mais desfavorecidos, é lógico que o Dr. Santos Serra foi alvo do escrutínio e da desconfiança salazarista. Não foram, por isso, fáceis os seus primeiros anos de vida profissional, numa sociedade amordaçada pelo medo e pela miséria.
Nas circunstâncias mais difíceis, carenciado de meios de higiene e de protecção ao contágio, dedicou-se durante anos ao combate da tuberculose, que grassava com especial incidência no seio dos lares mais desfavorecidos. Comparecia assiduamente nos bairros pobres, sobretudo dos marítimos, onde estudava o surto das doenças pulmonares, prestando os serviços de assistência médica de forma graciosa, por vezes correndo riscos de contágio durante os períodos mais intensos da tuberculose.
Apesar de todas as perseguições de que foi alvo, conseguiu levar por diante a sua cruzada em prol da saúde e da prestação graciosa de cuidados médicos aos pobres, aos velhos e às crianças, ajudando a Misericórdia de Albufeira a cumprir a sua missão de apoio aos mais carenciados.
Após o 25 de Abril seria nomeado Director do Centro de Saúde de Albufeira, cargo que desempenhou durante 22 anos com grande competência e a maior dedicação, razão pela qual recebeu oficialmente os mais subidos louvores.
Apresentando um dos seus livros, ao lado do poeta e do
presidente da Câmara de Albufeira, ambos já desaparecidos
Como aconteceu com muitas das figuras mais proeminentes da vida nacional, decidiu filiar-se no Partido Socialista, que, diga-se em abono da verdade, ajudara a fundar ainda antes da Revolução dos Cravos. E, sem nunca ter sido propriamente um político, aceitou presidir durante três mandatos à Assembleia Municipal de Albufeira. 
Além de ter sido um grande médico foi também um notável poeta, em meu entender um dos maiores do seu tempo, com uma obra vasta e de grande valor literário, que tive a honra de ressaltar nos vários eventos em que fiz a apresentação dos seus livros. Foi acima de tudo um cidadão exemplar, que muito amou a sua terra adoptiva - Albufeira, merecendo por tudo quanto fez pela saúde pública e pela cultura algarvia, uma homenagem que perpetue a sua memória, nomeadamente a atribuição do seu nome a uma rua, a um prémio literário que glorifique a poesia no Algarve, e se possível ao Centro de Saúde de Albufeira. Esta última sugestão foi já satisfeita pela actual Ministra da Saúde, nos dias imediatos ao falecimento do Dr. Santos Serra, o que me apraz aqui registar.
Resta-me acrescentar que o Dr. Santos Serra, havia-me pedido para fazer no dia 1 de Dezembro de 2018, a apresentação do seu último livro, a ANTOLOGIA POÉTICA - uma selecção, por si elaborada, dos poemas que compunham a sua vasta obra lírica. Recebi na semana anterior ao seu falecimento um exemplar dessa obra, para que pudesse preparar a minha palestra de apresentação. Infelizmente, foi nesse mesmo dia que se realizou o seu funeral. Curvo-me em sua homenagem, com o coração dilacerado, apresentando a sua esposa, seus filhos e netos os meus sinceros e sentidos pêsames.

Aqui deixo a biografia que escrevi sobre Manuel dos Santos Serra, para figurar na ALGARVIANA, se algum dia essa obra vier a ser publicada:
Manuel dos Santos Serra, médico e poeta, nasceu em Silveira, freguesia de Espinhal, concelho de Penela, em 23-1-1926, e faleceu no Hospital de Faro a 29 de Novembro de 2018, aos 92 anos de idade.
Veio com seus pais e irmãos em 1933 para a vila de Albufeira, onde desde então fixou a sua residência, sentindo-se por isso um algarvio de convicção e pura consciência regionalista. Fez a instrução primária em Albufeira, de se transferiu para o Liceu de Faro, concluindo na capital do Algarve os seus estudos secundários. Partiu depois para a Universidade de Coimbra, onde fez parte da Direcção da Associação Académica, concluindo em 1950 o curso de Medicina. Na Lusa Atenas fez amigos para o resto da vida, e nas esquinas da Universidade aprendeu os primeiros rudimentos de contestação ao regime salazarista. Os princípios revolucionários de luta pela Liberdade, pela Igualdade e pelos Direitos Humanos acompanharam-no para o resto da vida, mesmo que por vezes tivesse sofrido a ignomínia da perseguição política.
Admirador da cultura e das Belas Letras, cedo se apaixonou pelas musas e se deixou impressionar pela imagem de Orfeu, que o acompanhou nas horas mortas em que o seu talento se libertava da sisudez científica do médico para se espraiar no sonho, na sensibilidade e no lirismo amoroso do poeta. Dessa paixão pela poesia despontou a sua vontade interveniente na cultura, participando em tertúlias de poetas e literatos, nas quais defendeu sempre os lídimos valores do humanismo, da liberdade e da democracia, até mesmo quando falar dessa temática era quase um crime público.
Na sua especialidade colaborou no «Jornal do Médico» e apesar de muito assoberbado no trabalho clínico, sempre marcou a sua presença, em prosa e em poesia, nas colunas dos jornais regionais, publicando sobretudo crónicas de intervenção política e alguns contos literários. Na imprensa regional algarvia colaborou, entre outros, no «Correio do Sul», «Jornal de Albufeira», «Notícias de Albufeira», «Jornal Escrito», etc.
Assumidamente desafecto ao salazarismo, sofreu o acostumado ostracismo institucional que o impediu de dar melhor contributo à sociedade algarvia. Após a «Revolução de Abril» foi, durante três mandatos (1983-87, 1992-96, 1997-2001), Presidente da Assembleia Municipal de Albufeira e director do Centro de Saúde de Albufeira desde 1975 a 1997.
Dedicando um dos seus livros ao escritor Manuel Ribeiro
Relativamente à sua obra, podemos dizer que no primeiro livro, Romance Residual, nota-se uma espécie de decantação de flashes vivenciais para curtas sintetizações poéticas, sem peias estilísticas nem regras de composição. No segundo livro, A Desordem da Harmonia, assistimos a um apuro da forma e a uma beleza convulsiva na imagética lírica, sentindo-se um certo amadurecimento do próprio poeta. No terceiro livro, Mosaico de Palavras Oblíquas, os poemas, ainda que livres e fluidos, emanam duma luz interior, como sonhos peregrinos que evidenciam uma personalidade em busca de um ideal maior ou de um ente supremo. No seu mais recente livro, Sobreposições, nota-se uma certa evolução na sua poesia para níveis mais elevados, seguindo modelos estéticos cada vez mais próximos dos figurinos clássicos.
Em toda a sua obra o Dr. Manuel dos Santos Serra mostra-se possuidor de um espírito esclarecido e erudito, mas parece algo inconsciente da inatingível mensagem da sua poesia. Entre o real e a utopia espraiam-se os versos, por vezes longos, por vezes curtos, sem respeitar cânones nem limites. A poesia acontece... livre.
Pertence à Ordem dos Médicos, à Associação Portuguesa de Escritores, à Associação dos Escritores Médicos, ao Círculo Teixeira Gomes, à Associação dos Jornalistas e Escritores do Algarve, e à Associação dos Amigos de Albufeira.
Da sua lista de obras fazem parte os seguintes títulos:
Romance Residual, 1991; A Desordem da Harmonia, 1992; Mosaico de Palavras Oblíquas, 1997, Sobreposições, 2001; À Sombra do Silêncio, 2005; Albufeira 1950 – monografia médica, 2007; O Olhar das Palavras, 2007; Os Labirintos da Memória, 2009; Pomar de Pedras, 2011; Miradouro do Tempo, 2013; Retalhos de Cidadania, 2013; Navio Ancorado ao Sol, 2015; Arquipélago de Vozes, 2015; As Margens do Rio de Horas, 2017 e Antologia Poética, 2018. A partir de 2005 todos os seus livros foram editados exclusivamente pela editora Caleidoscópio.
Acerca de Manuel dos Santos Serra publiquei no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, vol. V, pp. 495-496, a respectiva notícia biográfica, cujos informes naturalmente aqui se aproveitam.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

SANTOS, Maria Estefânia dos


Foi uma das mais notáveis figuras femininas da sociedade algarvia durante a primeira metade do século XX, mercê da sua bondade e do seu espírito de solidariedade perante os mais carenciados, providenciando o sustento e educação das famílias mais pobres. A sua benemerência e candura fez com que o povo da aldeia marítima de Ferragudo, assim como as populações limítrofes à cidade de Portimão, atribuísse a D.ª Maria Estefânia da Silva o carinhoso epíteto de "Mãe dos Pobres".
Sei que nasceu em Olhão, mas desconheço a data precisa do seu nascimento. Presumo que tenha nascido no ano de 1888 ou 1889, porque contava 72 anos de idade quando faleceu, nos princípios de Junho de 1961. Era esposa do Dr. Luís António dos Santos, que nos anos sessenta do século XX foi presidente da Câmara de Lagoa, de cuja iniciativa surgiu a fundação do Rancho Folclórico do Calvário, uma das mais prestigiadas agremiações artísticas do Algarve. Além de fugaz autarca (cargo desempenhado por obrigação institucional, por ser funcionário público, e não por simpatia política), foi acima de tudo um jurista de espírito socialista, razão pela qual ajudou a esposa a promover várias acções de benemerência e de filantropia em benefício das famílias mais desfavorecidas. 
Aproveito para acrescentar uma breve palavra sobre este ainda hoje ignorado homem de letras, cujo talento poderia ter-lhe granjeado um lugar cimeiro na literatura portuguesa. Não aconteceu assim porque, após a viuvez, remeteu-se a um inexplicável silêncio, preferindo acabar os seus dias numa espécie de exílio dentro da pátria.
Em vez da prática forense, preferiu o conforto e a segurança da função pública, exercendo com proficiência o cargo de Conservador do Registo Civil, em cujo exercício directivo se manteve até à aposentação, ocorrida na vila de Sintra. Era um homem de grande inteligência e sensibilidade, que nas horas vagas se dedicava a escrever contos e novelas, inspiradas na sua própria experiência de vida, resultantes da convivência local e regional, sobretudo com os pescadores da bela aldeia de Ferragudo. Assim nasceu o único livro dado à estampa pelo Dr. Luís António dos Santos, a que deu o título de Barlavento, uma colectânea de «histórias da Terra e do Mar, bem observadas e bem urdidas, em que a narrativa flui com a correnteza natural de quem à experiência humana, lúcida e profunda, une uma experiência literária e um talento, sem os quais a primeira não podia exprimir-se harmoniosamente» - palavras justas e sinceras, apensas pelo escritor Domingos Monteiro no prefácio desse livro.
Panorama da aldeia de Ferragudo em 1906
A sua esposa, D.ª Maria Estefânia dos Santos, carreara para o casamento significativos meios de sobrevivência económica, que lhe permitiram viver com grande dignidade. Mas, em vez de os reter e os explorar em seu benefício, sempre dedicou os seus réditos aos pobres, aos doentes, aos velhos e muito especialmente à educação das crianças. Nesse âmbito, prestou particular atenção à instrução das meninas, futuras mulheres e esposas, às quais dedicava o melhor do seu esforço, dos seus rendimentos e até do seu próprio amor maternal. A essas crianças soube ministrar uma educação considerada suficiente para superarem os obstáculos da vida. Além do ensino das primeiras letras numa escola primária oficial, patrocinou também a instrução doméstica das meninas durante o seu trajecto de vida, preparando-as para o casamento e para a constituição do lar conjugal. Nesse âmbito, merece especial destaque a sua acção no financiamento da «Congregação das Filhas de Maria», que ela própria viria a dirigir durante alguns anos. Também merece o nosso aplauso a sua dedicação ao «Seminário de Férias de Ferragudo», para as crianças e jovens menos favorecidas.
Embora a protecção e a educação das crianças tenha constituído a sua principal preocupação, não deixa de ser verdade que D.ª Maria Estefânia foi principalmente uma alma benfeitora, e, por isso, muito justamente cognominada de «Mãe dos Pobres», sobretudo dos filhos do mar, que na aldeia de Ferragudo lutavam com grandes dificuldades de sobrevivência.
Carrinha algarvia circulando na aldeia de Ferragudo em 1910
A sua morte foi muito sentida. O seu funeral constituiu uma verdadeira manifestação de dor e de pesar. Compareceram ao doloroso préstito milhares de pessoas, oriundas de todo o Algarve. Diz, quem lá esteve, que um silêncio profundo e uma indisfarçável infelicidade pairava nos corações e rostos daqueles milhares de cidadãos anónimos, de todas as classes sociais, que se associaram a esta última homenagem para reverenciar aquela que foi uma das mais caridosas almas da burguesia algarvia do século vinte.
Como durante a maior parte da sua vida destinou o rendimento das suas propriedades para a protecção dos pobres e para o benefício da Igreja, deixou exarado em testamento que essas rendas continuariam destinadas a fins de benemerência social. A casa onde residia doou-a em testamento para ser convertida na residência paroquial de Ferragudo, assim como dois outros prédios, sitos naquela freguesia, seriam igualmente legados à Igreja. Os restantes bens foram deixados à Misericórdia de Lagoa, para benefício dos mais desfavorecidos. São mulheres deste carácter, benemerente e caridoso, que não existem hoje na nossa sociedade, onde o egoísmo e a indiferença tomou o poder e o destino.