terça-feira, 15 de janeiro de 2019

SANTOS, Maria Estefânia dos


Foi uma das mais notáveis figuras femininas da sociedade algarvia durante a primeira metade do século XX, mercê da sua bondade e do seu espírito de solidariedade perante os mais carenciados, providenciando o sustento e educação das famílias mais pobres. A sua benemerência e candura fez com que o povo da aldeia marítima de Ferragudo, assim como as populações limítrofes à cidade de Portimão, atribuísse a D.ª Maria Estefânia da Silva o carinhoso epíteto de "Mãe dos Pobres".
Sei que nasceu em Olhão, mas desconheço a data precisa do seu nascimento. Presumo que tenha nascido no ano de 1888 ou 1889, porque contava 72 anos de idade quando faleceu, nos princípios de Junho de 1961. Era esposa do Dr. Luís António dos Santos, que nos anos sessenta do século XX foi presidente da Câmara de Lagoa, de cuja iniciativa surgiu a fundação do Rancho Folclórico do Calvário, uma das mais prestigiadas agremiações artísticas do Algarve. Além de fugaz autarca (cargo desempenhado por obrigação institucional, por ser funcionário público, e não por simpatia política), foi acima de tudo um jurista de espírito socialista, razão pela qual ajudou a esposa a promover várias acções de benemerência e de filantropia em benefício das famílias mais desfavorecidas. 
Aproveito para acrescentar uma breve palavra sobre este ainda hoje ignorado homem de letras, cujo talento poderia ter-lhe granjeado um lugar cimeiro na literatura portuguesa. Não aconteceu assim porque, após a viuvez, remeteu-se a um inexplicável silêncio, preferindo acabar os seus dias numa espécie de exílio dentro da pátria.
Em vez da prática forense, preferiu o conforto e a segurança da função pública, exercendo com proficiência o cargo de Conservador do Registo Civil, em cujo exercício directivo se manteve até à aposentação, ocorrida na vila de Sintra. Era um homem de grande inteligência e sensibilidade, que nas horas vagas se dedicava a escrever contos e novelas, inspiradas na sua própria experiência de vida, resultantes da convivência local e regional, sobretudo com os pescadores da bela aldeia de Ferragudo. Assim nasceu o único livro dado à estampa pelo Dr. Luís António dos Santos, a que deu o título de Barlavento, uma colectânea de «histórias da Terra e do Mar, bem observadas e bem urdidas, em que a narrativa flui com a correnteza natural de quem à experiência humana, lúcida e profunda, une uma experiência literária e um talento, sem os quais a primeira não podia exprimir-se harmoniosamente» - palavras justas e sinceras, apensas pelo escritor Domingos Monteiro no prefácio desse livro.
Panorama da aldeia de Ferragudo em 1906
A sua esposa, D.ª Maria Estefânia dos Santos, carreara para o casamento significativos meios de sobrevivência económica, que lhe permitiram viver com grande dignidade. Mas, em vez de os reter e os explorar em seu benefício, sempre dedicou os seus réditos aos pobres, aos doentes, aos velhos e muito especialmente à educação das crianças. Nesse âmbito, prestou particular atenção à instrução das meninas, futuras mulheres e esposas, às quais dedicava o melhor do seu esforço, dos seus rendimentos e até do seu próprio amor maternal. A essas crianças soube ministrar uma educação considerada suficiente para superarem os obstáculos da vida. Além do ensino das primeiras letras numa escola primária oficial, patrocinou também a instrução doméstica das meninas durante o seu trajecto de vida, preparando-as para o casamento e para a constituição do lar conjugal. Nesse âmbito, merece especial destaque a sua acção no financiamento da «Congregação das Filhas de Maria», que ela própria viria a dirigir durante alguns anos. Também merece o nosso aplauso a sua dedicação ao «Seminário de Férias de Ferragudo», para as crianças e jovens menos favorecidas.
Embora a protecção e a educação das crianças tenha constituído a sua principal preocupação, não deixa de ser verdade que D.ª Maria Estefânia foi principalmente uma alma benfeitora, e, por isso, muito justamente cognominada de «Mãe dos Pobres», sobretudo dos filhos do mar, que na aldeia de Ferragudo lutavam com grandes dificuldades de sobrevivência.
Carrinha algarvia circulando na aldeia de Ferragudo em 1910
A sua morte foi muito sentida. O seu funeral constituiu uma verdadeira manifestação de dor e de pesar. Compareceram ao doloroso préstito milhares de pessoas, oriundas de todo o Algarve. Diz, quem lá esteve, que um silêncio profundo e uma indisfarçável infelicidade pairava nos corações e rostos daqueles milhares de cidadãos anónimos, de todas as classes sociais, que se associaram a esta última homenagem para reverenciar aquela que foi uma das mais caridosas almas da burguesia algarvia do século vinte.
Como durante a maior parte da sua vida destinou o rendimento das suas propriedades para a protecção dos pobres e para o benefício da Igreja, deixou exarado em testamento que essas rendas continuariam destinadas a fins de benemerência social. A casa onde residia doou-a em testamento para ser convertida na residência paroquial de Ferragudo, assim como dois outros prédios, sitos naquela freguesia, seriam igualmente legados à Igreja. Os restantes bens foram deixados à Misericórdia de Lagoa, para benefício dos mais desfavorecidos. São mulheres deste carácter, benemerente e caridoso, que não existem hoje na nossa sociedade, onde o egoísmo e a indiferença tomou o poder e o destino.

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