Foi uma das mais notáveis figuras femininas da sociedade
algarvia durante a primeira metade do século XX, mercê da sua bondade e do seu
espírito de solidariedade perante os mais carenciados, providenciando o
sustento e educação das famílias mais pobres. A sua benemerência e candura fez
com que o povo da aldeia marítima de Ferragudo, assim como as populações
limítrofes à cidade de Portimão, atribuísse a D.ª Maria Estefânia da Silva o
carinhoso epíteto de "Mãe dos Pobres".
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Aproveito para acrescentar uma breve palavra sobre este ainda hoje ignorado homem de letras, cujo talento poderia ter-lhe granjeado um lugar cimeiro na literatura portuguesa. Não aconteceu assim porque, após a viuvez, remeteu-se a um inexplicável silêncio, preferindo acabar os seus dias numa espécie de exílio dentro da pátria.
Em vez da prática forense, preferiu o conforto e a segurança
da função pública, exercendo com proficiência o cargo de Conservador do Registo
Civil, em cujo exercício directivo se manteve até à aposentação, ocorrida na
vila de Sintra. Era um homem de grande inteligência e sensibilidade, que nas
horas vagas se dedicava a escrever contos e novelas, inspiradas na sua própria experiência de vida, resultantes da convivência local e regional,
sobretudo com os pescadores da bela aldeia de Ferragudo. Assim nasceu o único
livro dado à estampa pelo Dr. Luís António dos Santos, a que deu o título de Barlavento, uma colectânea de «histórias
da Terra e do Mar, bem observadas e bem urdidas, em que a narrativa flui com a
correnteza natural de quem à experiência humana, lúcida e profunda, une uma
experiência literária e um talento, sem os quais a primeira não podia
exprimir-se harmoniosamente» - palavras justas e sinceras, apensas pelo escritor
Domingos Monteiro no prefácio desse livro.
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Panorama da aldeia de Ferragudo em 1906 |
A sua esposa, D.ª Maria Estefânia dos Santos, carreara para o
casamento significativos meios de sobrevivência económica, que lhe permitiram
viver com grande dignidade. Mas, em vez de os reter e os explorar em seu
benefício, sempre dedicou os seus réditos aos pobres, aos doentes, aos velhos e
muito especialmente à educação das crianças. Nesse âmbito, prestou particular
atenção à instrução das meninas, futuras mulheres e esposas, às quais dedicava
o melhor do seu esforço, dos seus rendimentos e até do seu próprio amor
maternal. A essas crianças soube ministrar uma educação considerada suficiente
para superarem os obstáculos da vida. Além do ensino das primeiras letras numa
escola primária oficial, patrocinou também a instrução doméstica das meninas durante o seu trajecto de vida, preparando-as
para o casamento e para a constituição do lar conjugal. Nesse âmbito, merece
especial destaque a sua acção no financiamento da «Congregação das Filhas de
Maria», que ela própria viria a dirigir durante alguns anos. Também merece o
nosso aplauso a sua dedicação ao «Seminário de Férias de Ferragudo», para as
crianças e jovens menos favorecidas.
Embora a protecção e a educação das crianças tenha
constituído a sua principal preocupação, não deixa de ser verdade que D.ª Maria
Estefânia foi principalmente uma alma benfeitora, e, por isso, muito justamente
cognominada de «Mãe dos Pobres», sobretudo dos filhos do mar, que na aldeia de
Ferragudo lutavam com grandes dificuldades de sobrevivência.
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Carrinha algarvia circulando na aldeia de Ferragudo em 1910 |
A sua morte foi muito sentida. O seu funeral constituiu uma verdadeira manifestação de dor e de pesar. Compareceram ao doloroso préstito milhares de pessoas, oriundas de todo o Algarve. Diz, quem lá esteve, que um silêncio profundo e uma indisfarçável infelicidade pairava nos corações e rostos daqueles milhares de cidadãos
anónimos, de todas as classes sociais, que se associaram a esta última
homenagem para reverenciar aquela que foi uma das mais caridosas almas da burguesia algarvia do século vinte.
Como durante a maior parte da sua vida destinou o rendimento das suas propriedades para a protecção dos pobres e para o benefício da Igreja, deixou exarado em testamento que essas rendas continuariam destinadas a fins de benemerência social. A casa onde residia doou-a em testamento para ser convertida na residência paroquial de Ferragudo, assim como dois outros prédios, sitos naquela freguesia, seriam igualmente legados à Igreja. Os restantes bens foram deixados à Misericórdia de Lagoa, para benefício dos mais desfavorecidos. São mulheres deste carácter, benemerente e caridoso, que não existem hoje na nossa sociedade, onde o egoísmo e a indiferença tomou o poder e o destino.
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