domingo, 10 de fevereiro de 2019

TERRAMOTO, Padre André Lopes

Nasceu em Olhão, no seio de uma família humilde, mas revelando-se uma criança inteligente e ávida pela leitura e o saber, foi enviada na flor da idade para Faro, onde ingressou no seminário de S. José a fim de prosseguir os seus estudos. Anos depois concluiu com razoáveis classificações o seu curso de presbítero, ordenou-se em 1903 na catedral diocesana de Faro. 
No princípio do século XX era um jovem de espírito simples e modesto, sem ambições de futuro nem projectos de carreira. Era bondoso, sereno e pouco expansivo. Refugiava-se no silêncio das suas leituras e na exegese da Bíblia, o livro pelo qual regrou a sua conduta e modelou o seu carácter. Como não tinha apoios nem recomendações de gente importante, tornou-se num sacerdote sem futuro nem ambições de poder. Daí que após os votos sagrados, a sua carreira sacerdotal tivesse sido um verdadeiro périplo pelo interior pobre e desprotegido do Algarve.
Começou por exercer o seu múnus religioso nas paróquias de Alcoutim, Santa Catarina da Fonte do Bispo, Giões e Cacela. Tudo freguesias pobres e ignoradas do interior rural. As populações além de muito pobres eram na sua maioria analfabetas e carenciadas de quase tudo, nomeadamente dos mais elementares apoios sociais de educação e assistência médica. Nessas aldeias do interior algarvio sobrevivia-se na dependência da terra, através da agricultura e da pastorícia, sem que a maioria dos seus habitantes chegasse a sair da aldeia, para conhecer o mundo e a própria vida.
Por necessidade de serviço, e em benefício da Igreja, o Padre Terramoto recebeu a incumbência de acumular as suas funções presbiterais com a freguesia da Conceição de Tavira, onde foi, como sempre muito bem quisto e admirado, não só pelo bom exercício das suas competências ecuménicas, como principalmente pela sua dedicação aos mais pobres, aos desvalidos e às crianças. Foi nestas duas últimas freguesias, de Cacela e da Conceição de Tavira (conhecida por Cabanas de Tavira), que deixou mais arreigadas saudades. Em Vila Nova de Cacela ainda hoje há quem se lembre dele com profunda admiração e respeito, devido à acção religiosa que ali desenvolveu ao longo de 26 anos consecutivos, a paroquiar aquela pobre freguesia de pescadores, já então a sofrer uma indisfarçável decadência devido ao crescimento do concelho vizinho de Vila Real de Santo António.
Como homem educado e instruído nas letras canónicas, dedicou-se também à escrita, tendo inclusivamente colaborado assiduamente no semanário farense «Folha de Domingo», onde manteve durante anos uma secção intitulada «Reflexões obre o Evangelho», cujas mensagens aí explanadas serviram como guia espiritual e de meditação religiosa para muitos sacerdotes que nas suas paróquias, durante a missa dominical, explanavam na homilia as ideias transmitidas pelo padre Terramoto naquele jornal diocesano.
Perto dos seus derradeiros dias de vida, o Padre Terramoto sentiu faltar-lhe a saúde, recolhendo-se por isso à cidade de Faro, onde contou com o apoio do presbitério e da corte diocesana, no apoio à doença que o haveria de vitimar. Faleceu no dia 3 de Março de 1952. As gentes de Vila Nova de Cacela, com o assentimento do município de Vila Real de Santo António atribuíram-lhe uma das mais importantes artérias do casco urbano daquela praia piscatório, como homenagem de gratidão e de reconhecimento pela forma como dedicou os melhores anos da sua vida à protecção dos mais desfavorecidos.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

ENCARNAÇÃO, José Roberto


Construtor civil, natural das Caldas de Monchique, faleceu nos princípios de Julho de 1950, no Instituto de Oncologia em Lisboa, vítima de doença incurável. Tinha 67 anos de idade, era filho do então já falecido José da Encarnação, antigo proprietário da Pensão Encarnação onde se hospedavam muitos dos doentes que naquelas termas procuravam alívio para os seus achaques de saúde.
Foi um dos mais conceituados empreiteiros do Algarve, muito inteligente, honesto, esforçado e competente, a quem se deve a construção do palácio da Embaixada de Portugal em Madrid. Também a ele se deve a edificação dos primeiros bairros sociais de arrendamento económico em Lisboa, Portimão, Setúbal e Olhão, os quais ainda se mantêm com ligeiros melhoramentos, pois que os seus prédios eram garantidos pela qualidade e competência da sua construção.
Pela sua dedicação ao trabalho, pela honradez e seriedade com que executava as suas obras, decidiu o governo agraciá-lo com o grau de Cavaleiro da Ordem do Mérito Industrial, tendo o governo espanhol aprovado também a outorga da medalha de ouro como recompensa pela valiosa colaboração por ele prestada nos trabalhos de edificação da grande Exposição Ibero-Americana, que se realizou em Sevilha.

domingo, 3 de fevereiro de 2019

Aforismos Algarvios


Não sou perito na importância sociocultural dos Provérbios, sendo certo que acredito que o nosso rifoneiro é uma espécie de orago da cultura popular. No fundo, o provérbio contém em si uma conjugação do saber empírico com a transmissão dos supremos valores da vida, como a ética, a moral, a justiça, a humildade, a coragem, a gratidão, a lealdade, a amizade e, em suma, a honradez. Os provérbios, adágios, aforismos, anexins ou simplesmente ditados populares, são na essência conselhos dirigidos aos mais jovens, transmitindo-lhes de forma sentenciosa, mas simples e memorizável, os melhores procedimentos ético-sociais.
Existem várias obras dedicadas à compilação do rifoneiro popular e do adagiário nacional. Algumas são especializadas em temas, profissões, regiões, épocas, etc. Conheço do Dr. José Pedro Machado, meu bom amigo já desaparecido, uma compilação monumental a que deu o sugestivo título de «O Grande Livro dos Provérbios», publicado pela Editorial Notícias em 1996. Em mais de seiscentas páginas compilou milhares desses aforismos populares, que os nossos avós tiveram a bondade de nos transmitir, quando ainda nem sabíamos ler. Talvez fosse essa mesma a origem dos provérbios, transmitir o saber adquirido pela experiência da vida aos que não sabiam ler ou não tinham qualquer outra fonte de informação. A forma simples e intuitiva dos avisos e conselhos contidos nos provérbios, é uma verdadeira lição de vida e de ensinamento, ainda hoje muito prática, acessível e útil. A musicalidade do provérbio ou ditado popular, expressa-se através da forma rimada e poética como é concebido.
Trago hoje a público apenas cinco ditados populares, que ouvi em diferentes lugares do Algarve, os quais, ao contrário do que seria expectável nesta região, não rimam, mas têm um peculiar "sabor" popular algarvio. Então vejamos:
«O pior ribeiro é o da porta» - significa que o mais difícil é dispor-se alguém a fazer qualquer coisa, porque o mais fácil é não fazer nada; ouvi este provérbio em Loulé.
«Barafunda não é peixe» - expressão que os pescadores usam para aconselhar calma e evitar zaragata; ouvi este ditado na ilha da Armona e em Olhão.
«Ficar à porta como o centeio» - provérbio usado para servir como termo de comparação; confesso que para o citadino é um pouco difícil de entender; ouvi-o em Moncarapacho.
«Quem vai a Alvor vai a Lagos, que é mais uma légua de areia» - ouvi esta sentença na praia do Alvor, cujo sentido me parece ser por demais evidente no espírito dos marítimos.
«Mais sofreu Nossa Senhora no Algarve» - expressão usada para aconselhar resignação; este ditado já o ouvi por todo o litoral algarvio; curiosamente é o único que consta no Grande Livro do Dr. José Pedro Machado.
Para terminar fica aqui o desafio: se algum dos meus amigos leitores conhecer algum provérbio genuinamente algarvio, agradeço que o compartilhe aqui, para que todos possamos desfrutar da sabedoria do nosso povo.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

JÚDICE, António de Mascarenhas

Industrial e antigo colonialista, era natural da vila de Lagoa, onde faleceu em meados de Novembro de 1950, com 77 anos de idade.
Ainda jovem foi estudar para a Bélgica de onde regressou ao Algarve anos depois para se dedicar à indústria da pesca e sobretudo das conservas, de que foi um dos pioneiros, tal como aconteceu com seus tios fundadores da «Casa grande» da Mexilhoeira e com o seu primo João Júdice Fialho. 
Dotado de grande inteligência, oportuna visão para o negócio e espírito de risco, lançou armações para a captura do atum, criou cercos de pesca da sardinha e fundou fábricas em várias localidades, nomeadamente em Ferragudo, Lagos e Quarteira, unidades industriais que mais tarde juntou numa só empresa, a Mascarenhas Júdice & C.ª  Ld.ª, que dirigiu durante anos até transformar no Consórcio Português de Pesca e Conserva, em cuja direcção integrou os seus amigos e conterrâneos, o Dr. Carlos Fuzeta, advogado de grande prestígio, e o Dr. José Barbosa, ao tempo presidente do Tribunal de Contas.
O abastado proprietário e industrial António de Mascarenhas Júdice, teve ainda uma faceta colonialista pouco conhecida. Assim, e sem entrar em grandes pormenores, acrescentaremos apenas que foi director da Companhia Colonial do Buzi e gerente do Banco de Angola. 
No tempo da monarquia também se envolveu na política, apoiando sem reticências o partido franquista. Deixou a política a partir do momento em que o país se cobriu de luto pelo assassinato do rei D. Carlos. Julgando que foram as lutas partidárias e os interesses mesquinhos que cobriram a pátria de opróbrio e de luto, desistiu definitivamente da política.
Foi casado com D. Maria de Mascarenhas Grade Júdice, descendente das mais afidalgadas famílias do Algarve. Era pai do Visconde de Lagoa um dos mais ilustres historiadores e publicistas do Algarve. Era irmão dos então já falecidos Dr. Patrício Eugénio de Mascarenhas Júdice, que foi deputado pelo Algarve e faleceu ainda jovem, e do Dr. Pedro Paulo Mascarenhas Júdice, reputado escritor e arqueólogo que viveu em Silves.