Numa altura em que muito se fala, nos órgãos de
comunicação desportiva, sobre o reconhecimento e validação dos campeonatos de
futebol realizados a partir de 1921 até 1934, ocorreu-me evocar aqui a memória
de um grande jornalista, que quando ainda vivia em Faro, sugeriu a formação de
torneio de futebol que englobasse todos os clubes do país. Foi, por isso,
escolhido para fazer parte da comissão organizadora do primeiro
campeonato de Portugal, realizado em 1921, conquistado pelo Futebol Clube do
Porto.
Chamava-se Mário Fernando de Oliveira, embora ficasse conhecido pelo primeiro
e último nome, por ser desse modo que sempre assinou os seus escritos, ao longo
da sua profícua existência de homem público. Além da sua actividade
profissional, desenvolvida numa das maiores empresas públicas do país, os CTT,
ocupava os seus tempos livres na divulgação e fomento do desporto, mais
propriamente na implementação do futebol. Pode dizer-se que, a seguir ao
artista e professor Carlos Lyster Franco (principal divulgador do futebol,
nomeadamente das suas regras junto das camadas jovens), foi Mário de Oliveira
quem mais se dedicou e se destacou na formação e organização competitiva do
futebol no Algarve. Presumo que nunca lhe prestaram qualquer homenagem de gratidão
e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido nos princípios do século passado
não só no fomento do desporto como também no jornalismo, nomeadamente na
fundação do jornal «A Bola», que ainda hoje se publica.
Mário de Oliveira, numa das suas últimas fotos |
Inspector reformado dos CTT e conceituado
jornalista da imprensa diária e regional, Mário Fernando de Oliveira, nasceu em
Lisboa, a 26-11-1890 e faleceu na capital a 25-5-1969, com 78 anos de idade. À
data do seu falecimento era considerado como o decano dos jornalistas
desportivos, tendo ainda a glória de ser um dos últimos sobreviventes que
fundaram o “glorioso SLB” – Sport Lisboa e Benfica. A este propósito devo
acrescentar que o jornalista, Mário Fernando de Oliveira, era em 1945 o sócio
nº 85 do Sport Lisboa e Benfica, cabendo-lhe a honra de ter sido o último
plumitivo a fazer uma entrevista a Cosme Damião, publicada na edição nº 11, de
5-3-1945, do jornal «A Bola». Para os benfiquistas a figura de Cosme Damião é
quase mítica, pois além de ter sido um dos fundadores do clube, foi também
atleta e capitão da equipa, treinador, dirigente e, por fim, jornalista
desportivo ao serviço das “águias”.
Praça da Rainha, em Faro, em torno do «Jardim do Ba- calhau» realizaram-se as primeiras corridas de bicicletas |
Estudou no antigo Instituto Industrial e
Comercial de Lisboa, onde concluiu o curso especial de telégrafos que lhe
permitiu, em 1909, ingressar nos C. T. T. como aspirante auxiliar.
Em 1911 veio para Faro desempenhar o cargo de
chefe de serviços da secção electrotécnica dos Correios Telégrafos e telefones
de Portugal, aqui se demorando até 1916. Durante esse período dedicou-se também
ao jornalismo, colaborando não só na imprensa local como ainda em órgãos da
capital, enviando daqui notícias sobre diversos assuntos da política, da
indústria pesqueira e do desenvolvimento regional. Entre 1912 e 1916 foi
colaborador e depois assumidamente redactor de «O Algarve», semanário de Faro,
fundado em 1908, que foi o decano da imprensa algarvia. Durante a sua estadia
no Algarve dedicou-se à divulgação do desporto – ciclismo, natação e sobretudo
do futebol –, tendo-se empenhado na oficialização estatutária dos clubes
locais, na composição de torneios regionais e na organização dos meios
reguladores da prática desportiva. Nesse âmbito, foi designado como delegado da
Associação de Futebol do Algarve para integrar a comissão organizadora do
primeiro Campeonato de Portugal.
Praça D. Carlos I, local onde se organizaram os primeiros desafios de futebol com os alunos do Liceu de Faro |
No prosseguimento da sua vida profissional,
transferiu-se em 1926 para Lisboa, a fim de assumir a chefia da circunscrição
técnica de Lisboa, passando em 1935 a chefe dos serviços telefónicos da
capital. Todas as promoções nos C. T. T., foram alcançadas por meio de concurso
ou de provas públicas, e sempre com as melhores classificações. Pertenceu ao
conselho disciplinar dos C. T. T., e redigiu o primeiro regulamento interno
daquele organismo. Foi director da Associação de Classe do Pessoal Maior dos
Correios e Telégrafos e redactor do «Boletim» que lhe serviu de órgão público.
Foi chefe de serviços de 1.ª classe até que se reformou no quadro de
inspectores dos CTT.
Como jornalismo desenvolveu ao longo da vida
uma intensa e meritória actividade, sobretudo nos órgãos de informação
desportiva. Assim, entre 1916 e 1920 foi colaborador de «O Sport» de Lisboa, e
seu director de 1921 a 1924; escreveu assiduamente e com inspirada mordacidade,
de 1922 a 1923, no «Cega-Rega», semanário humorístico, dirigido por Raul Neves
Reis; foi redactor desportivo, em 1924, de «A Pátria», jornal dirigido pelo Dr.
Nuno Simões, distinto intelectual e homem público; foi director de «O Sport
Ilustrado» em 1934 e do semanário de critica sociopolítica «Pão, Pão...». Como
redactor e colaborador pertenceu aos quadros de «Os Sports» (1925-1931); do «Correio
Desportivo» (1926); de «A Bola» (desde 1932); do «Stadium» (1933); do «Sprint»
(1934); da «Voz Desportiva», de Coimbra; etc. Colaborou quase até ao fim da
vida na secção desportiva do jornal «O Século», etc., etc.
Capa da primeira história do SLB, uma obra de referência de Mário de Oliveira |
Acresce dizer que Mário de Oliveira ocupou ao
longo da vida importantes cargos directivos nas Federações Portuguesas de
Ciclismo e de Natação. Aliás foi por sua iniciativa que se começaram a realizar
as corridas anuais de ciclismo designadas por «Chama da Pátria», que se
mantiveram durante a vigência do regime salazarista. como uma festiva expressão
popular do desporto nacional. Também ao seu espírito de iniciativa, dedicação e
capacidade de trabalho, se ficou a dever organização do I Congresso Nacional de
Futebol, realizado em 1938 na capital, comemorando-se dessa forma o 50.º
aniversário da introdução do futebol em Portugal.
Como publicista deu à estampa os seguintes
títulos: No Forte de Caxias, Lisboa,
1918; O Treino do Nadador, Lisboa,
1934; A Organização Nacional do Futebol e
as suas grandes competições nacionais, tese apresentada no I Congresso
Nacional de Futebol, realizado em Lisboa, em 1938, por iniciativa do jornal «O
Século». No concurso de novelas desportivas, levado a cabo pelo jornal «Os
Sports», obteve um dos primeiros prémios pela novela publicada naquele órgão.
Como fervoroso adepto benfiquista, publicou de parceria com Rebelo da Silva,
seu colega na redacção do «Século», o livro História
do Benfica, que obteve largo êxito, sendo hoje quase uma raridade
bibliográfica.
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