quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A Capital do Sotavento


José Carlos Vilhena Mesquita

Nem sempre os nossos políticos produzem matéria editorial digna de apreço científico, ou pelo menos digna de interesse divulgativo, que permita explicitar publicamente os seus projectos, os seus vínculos ideológicos, os seus anseios e aspirações. Raros são, pois, os que pelo seu talento ou atributos intelectuais conseguem reunir ao longo da sua vida política um corpus documental, cuja ordenação lógica seja propiciadora do seu desvelamento político-socio-ideológico.
A compilação em livro das intervenções pronunciadas pelos políticos constitui uma destemida forma de exposição pública daqueles que nada temendo por muito terem para legar, pretendem naturalmente deixar às gerações vindouras o testemunho da sua competência técnica e idoneidade moral. Por isso, raros são os autarcas que por esse país fora se arrojam a publicar em livro os seus discursos, intervenções políticas, pareceres oficiais e projectos de fomento ou de estruturalização dos municípios a que presidem. Não é o caso do eng.º José Macário Correia, figura sobejamente conhecida do municipalismo algarvio, cujo denodado esforço permitiu que a cidade de Tavira figurasse no mapa nacional do progresso e do desenvolvimento, de uma forma sustentada, racional e quase científica. Nesse aspecto o seu exemplo tem sido paradigmático e merece, para além do nosso aplauso, a sugestão de vir a servir de modelo àqueles que, apenas visando a sua perpetuidade no poder, cuidam de agradar às chefias partidárias e seus confrades descurando o benefício das comunidades em que se inserem.
A publicação do livro Tavira – Capital do Sotavento, da autoria de Macário Correia, vê-se que não persegue objectivos promocionais ou eleiçoeiros, pois que se limita a compilar as suas intervenções públicas a favor da cidade que lhe serviu de berço. Aliás o eng.º Macário Correia é um político de nome feito, gravado nos anais do regime democrático, não com letras de ouro mas antes com letras de honra, de rigor, de sacrifício e de íntegra verticalidade. Não precisa, por conseguinte, de publicar livros para se afirmar no ingrato mundo da política. Já provou, nos anos que esteve no Parlamento, que é um homem de grande aplicação e esforço, quer no planeamento quer na execução de projectos estruturalizantes que beneficiem o país, não receando mesmo que a impopularidade de certas intervenções pudesse prejudicar-lhe a imagem ou menoscabar as ambições políticas. Por isso, não virou costas à contestação nem receou a erosão política, quando foi preciso dar a cara e proceder a reformas de reordenamento do território, de defesa do ambiente ou de pugnar pela saúde pública. A posteriori provou-se a sensatez e a racionalidade das suas decisões, ao mesmo tempo que cresciam as suas convicções regionalistas, a ponto de voltar à sua terra-natal para abraçar a presidência do município.
O livro agora editado vai seguramente tornar-se numa fonte de estudo para os analistas do nosso municipalismo, podendo com o decorrer do tempo vir a transformar-se num útil documento de trabalho para os investigadores de história local e regional. A obra reparte-se em cinco secções distintas, obedecendo à lógica descendente, ou seja, partindo do geral para o particular, ou melhor, da formalização da problemática para a individualização do problema, que aqui constitui, em estrito senso, a cidade de Tavira. Por isso, Macário Correia começa por analisar os grandes desafios do poder local, a filosofia municipalista enquanto descentralização e relacionamento interinstitucional, passando pela modernização administrativa, ordenamento do território, defesa do ambiente, tolerância político-partidária e cooperação internacional.
Na secção seguinte disserta sobre os grandes desafios que se antepõem ao Algarve no dealbar do novo milénio. A pedra de toque é a regionalização. Mas, como se sabe, o projecto foi rejeitado pelo voto popular, por se recear uma burocratização da província e um aumento da despesa pública, mercê da previsível distribuição de novos cargos políticos. A generalização das infra-estruturas básicas e a potencialização dos recursos naturais, a gestão do Plano Nacional da Água, a despoluição ambiental, a cooperação com a Andaluzia e o alargamento da União Europeia, são outros dos temas abordados e analisados nesta secção.
As três últimas partes do livro focalizam-se em Tavira, mormente na sua riqueza ambiental, na singularidade do seu património histórico, nas estratégias de desenvolvimento rural, na rentabilização e fomento das pescas, na renovação do equipamento social, desportivo e cultural, na política habitacional na ocupação dos tempos livres da juventude e no aparelho educativo - do qual sobressai o desiderato da criação de uma Universidade em Tavira.
Não há dúvida nenhuma que através deste livro ficamos a conhecer a obra política de Macário Correia, nos seus anseios, nas suas virtudes e até nas suas angústias, pois que nem todos os projectos se consumaram, mais por falta de apoios externos e vontade política do que por inépcia ou escassa aplicação do seu promotor. Por isso é que este livro é uma espécie de retrato da eficiência política e competência técnica do seu autor, que claramente se assume como um autarca da nova vaga (mais inspirado em princípios científicos do que em objectivos políticos), podendo a sua edição servir de proveito e exemplo aos seus congéneres algarvios.

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