quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O luto por Salazar no diploma de Sócrates


José Carlos Vilhena Mesquita

Nos idos de Março agitou-se a pátria e alarmou-se a nação com um mediático concurso que tinha por objectivo destrinçar, desde os alvores da nacionalidade até aos improfícuos dias de hoje, as dez personalidades que mais dignificaram o nome de Portugal.
A ideia, do ponto de vista televisivo, foi bem aproveitada em variadíssimos países. Porém, surgiu ao arrepio dos ventos da modernidade e, pior ainda, no inverso da actual agenda europeia. Na verdade, o que se discute hoje nos areópagos políticos da União Europeia, são os malefícios e as inconsequências das nacionalidades, das coesões pátrias e das independências territoriais. Factores esses que, no conceito dos émulos do eurocentrismo, servem apenas para espartilhar e enfraquecer a consistência política e a solidez económica do velho continente.
Ora, todos sabemos que, decorrido meio século após a assinatura do Tratado de Roma, se assiste hoje ao estertor das velhas pátrias – que à imagem de Portugal têm atrás de si vários séculos de História. Por isso, não parece acertado, nem conveniente, vir agora ressuscitar a memória daqueles que se imolaram nos altares da glória para salvarem a Europa da barbárie tribal e do obscurantismo panteísta. O que interessa hoje é apagar da lembrança o individualismo patriótico, para dar destaque ao colectivismo económico, procurando por todos os meios esbater as diversidades culturais por forma a poder construir-se uma História comum, dentro de uma só unidade territorial, capaz de formar um único complexo histórico-geográfico: a Europa. Os países do centro fundir-se-ão num único Estado, com um só governo e um só parlamento, florescendo e prosperando até que os mais renitentes membros da periferia se lhes unam para usufruir dos benefícios económicos daí resultantes, engendrados pelo forte industrialismo alemão e pelo capitalismo financeiro emergente. A velha Europa das nações está hoje moribunda e com o funeral já anunciado. O futuro próximo é o da fusão das pátrias e das nações numa só unidade política, geográfica, económica e cultural. Confesso que como português, não gostaria de assistir ainda em vida ao fim do meu país e da minha pátria. E como historiador só peço a Deus que o futuro nos não reserve uma guerra de extermínio entre o anunciado imperialismo europeu e o actual imperialismo americano, cada vez mais forte económica e militarmente.
Perante a realidade actual e os previsíveis cenários do futuro, parece totalmente incongruente que alguns países europeus se tivessem lembrado de engendrar um concurso sobre os “Pais da Pátria”. Talvez não seja assim tão despiciendo como se possa pensar. Os políticos europeus precisavam de apurar se as gerações actuais ainda reverenciavam os velhos heróis, primaciais ou fundamentalistas, o que não aconteceu. Na França venceu Charles de Gaulle, no Reino Unido foi Winston Churchill e nos EUA foi Ronald Reagan. Todos lideres políticos, democraticamente eleitos e de forte carisma, o que não significa nada porque também Hitler e Mussolini foram eleitos por sufrágio legal e maioritário. Os resultados práticos demonstraram que a memória é curta e que só o séc. XX parece interessar aos cidadãos, sobretudo aos mais instruídos e aos mais jovens. Como os participantes foram maioritariamente do tipo info-eleitor, isto é, votaram maciçamente através da Internet e do telemóvel, pressupõe-se que seriam oriundos das gerações mais jovens, mais instruídas e com maior desafogo económico.
Nas derradeiras semanas que precederam o desfecho final, assistiu-se a uma premente e apressada tentativa para acicatar o entorpecido sentimento patriótico e o afrouxado nacionalismo do povo português, no sentido de se encontrar uma credível alternativa a Oliveira Salazar – previsível e temivelmente apontado como hipotético vencedor de um certame tão patético quanto inoportuno. A vitória tornou-se ainda mais premente quando se soube que na peugada do ditador seguia Álvaro Cunhal, santificado ícone do PCP e fanal do comunismo ortodoxo. A nação lusíada uniu-se em torno do “fascismo de sacristia”, talvez por considerar que os Pides salazarentos não passavam de meninos de coro quando comparados com os torcionários agentes do temível KGB. A lógica parece ter sido a do mal menor.
Por outro lado, a votação em Salazar pode ter sido influenciada pela política de Sócrates, que é, nos últimos trinta anos, a mais parecida com a do velho ditador, imitando-o no combate ao défice das finanças públicas através duma estratégia de contenção económica, diminuindo nos custos fixos e desinvestindo no sector público. Tal como o antigo “mago das finanças” – essa abantesma que do túmulo de Santa Comba parece ter-se reerguido para amaldiçoar o país – também Sócrates lançou um feroz ataque aos sectores da Educação e da Saúde, encerrando escolas, maternidades, centros de saúde, e outros serviços públicos, considerados improfícuos ou demasiado onerosos para o equilíbrio das finanças orçamentais. O governo lançou o acostumado labéu da excedentarização e da improdutividade contra os professores, acusando-os de ganharem salários altos, de ensinarem mal e de trabalharem pouco. Salazar usou das mesmas atoardas para convencer os pacóvios. Fechou escolas primárias, reduziu os quadros hospitalares, encerrou tribunais e despediu em massa os funcionários que pertenciam aos antigos partidos republicanos. É claro que nessa altura, Salazar herdara um país na bancarrota e próximo do caos, assolado por greves constantes, carestia de vida, desordem e violência na rua, enfim um quadro socioeconómico da mais profunda instabilidade. Por isso a ditadura foi tolerada como um mal menor, talvez na errónea expectativa da sua transitoriedade.
Mas se as diferenças entre Salazar e Sócrates são abissais, há, porém, uma coisa que importa dizer: é que Salazar, embora ditador, morreu pobre; enquanto que Sócrates estou certo que nunca será ditador, nem morrerá pobre. Salazar era licenciado e doutor, graus que Sócrates talvez nunca venha a obter... pelo menos de forma inequívoca.
Para terminar, resta-me acrescentar que já percebi a origem de toda esta sanha de Sócrates contra os professores. Tudo ficou, aliás, plenamente explicado nos últimos dias, através do polémico encerramento da Universidade Independente. Num pélago de dúvidas e de incertezas, flutuam nas alterosas vagas do oportunismo político, vários documentos difíceis de destrinçar na sua honorabilidade.
Afinal tudo se resume a uma questão de diplomas... uns têm, outros parece que não...

PS. Este artigo foi publicado na revista «Algarve Mais» em 2007.

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