Desta vez não trago para esta tribuna uma mulher algarvia, mas antes uma italiana que deixou no Algarve o perfume da sua graça, da sua majestosa beleza e do seu enorme talento. Foi contralto do «Scala» de Milão, e parece que pontificou com a indelével marca do seu génio artístico o histórico proscénio, no qual partiu corações noites a fio, com o seu belo-canto. Dizem que do seu camarim, irradiava um inebriante perfume, exalado por milhares de flores, abraçadas em bouquets das mais vivas cores, com os quais a presenteavam os seus mais fiéis admiradores. No carmesim do seu canapé beijaram-lhe as níveas mãos muitos artistas e escritores, a maioria deles na plenitude das suas juventudes, mesmo até quando a diva Bencici empapava o rosto em caros unguentos para esconder os sulcos da idade. Fez-se amada, e por certo amou também, aquela que ao Scala de Milão, no último quartel de Oitocentos, chamou ao seu camarim alguns velhos Reis e jovens Príncipes.
Dizia-se que a sua beleza lhe advinha do sangue judio que lhe corria nas veias. E terá sido certamente essa, entre os seus incontáveis atributos artísticos, uma das razões que a trouxeram até ao palco do nosso Teatro Lethes, a pedido, senão mesmo sob o patrocínio, da argentária comunidade judaica aqui sediada. Porém, como o Dr. Bernardino da Silva, ilustre médico e musicólogo, se correspondesse com alguns músicos italianos, que frequentavam e atuavam no «Scala» de Milão, conseguiu que a famosa contralto desse em Olhão o seu primeiro concerto, acompanhada ao piano por Luís Augusto César de Sousa Coelho, tendo a seu lado e à flauta o próprio Dr. Bernardino da Silva. O sucesso foi enorme, mas faltou-lhes uma sala apropriada à dignidade artística da atuação, que assim se quedou pela restrita assistência da burguesia dos serviços e pelos empresários da pesca. Não se pense, porém, que era gente simples e ignara, já que nessa altura pontificava em Olhão uma verdadeira plêiade de intelectuais, artistas e políticos, que haveriam de honrar o nome daquela vila piscatória, e de elevar o do próprio Algarve, às alturas da honra e da nobreza dos seus actos de génio artístico ou de grandeza patriótica.
Foi, pois, na noite de 23 de Março de 1889 que Filomena Valente Bencici, a famosa contralto do «Scala» de Milão, pisaria pela primeira e única vez o palco do Teatro Lethes, em Faro, onde foi acompanhada pela orquestra de Francisco Jacobetty, que nessa altura se encontrava em tournée pelo Algarve. A bela Bencici teve uma noite de estrondoso sucesso, no nosso pequeno «Scala», cujos camarotes se encheram com as famílias notáveis da cidade, numa verdadeira e democrática amalgamação das elites urbanas e empresariais com a classe média dos serviços e do funcionalismo público. A família Cúmano, que explorava e dirigia o Teatro Lethes, cobriu-se mais uma vez com a glória da benemerência e da gratidão pública.
Uma tribuna muito informativa... como sempre!
ResponderEliminarObrigado Catarina pelas tuas amáveis palavras. Volta sempre.
ResponderEliminarEu volto… desde que não estejas ausente! : )
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