terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Manuel da Fonseca e a máfia dos literatos balofos

A última entrevista que o escritor Manuel da Fonseca deu à imprensa - por acaso um órgão de referência, «O Expresso» -, publicou-se a 20-03-1993, como derradeira homenagem á sua obra literária, visto que falecera nove dias antes da mesma sair a público.
Considero essa informal conversa, ao semanário Expresso, como um documento autobiográfico, muito útil para a compreensão da sua vida e obra. O escritor Manuel da Fonseca sempre foi um homem sem medo, que por isso sempre se colocou na margem esquerda da vida. E como à data da entrevista já tinha 81 anos de idade, sentia que o fim estava para breve. Daí que não cuidasse das palavras, a ponto de esconder a verdade, nua e crua, como sempre acontece com os nossos escritores, à excepção do Lobo Antunes, que esse nunca as poupou a ninguém.
Manuel da Fonseca, anos setenta, no Algarve
Manuel da Fonseca, anos setenta, no Algarve
Só para dar um exemplo do teor da entrevista, aqui vos deixo um breve trecho, que constitui a sua resposta à pergunta: «E como se movimenta nos meios literários?»
A resposta é lapidar. Disse o que pensava, e com absoluta sinceridade, sem medo da máfia de escritores desprovida de talento e génio, que de braço dado com a crítica acéfala, domina as editoras, os média e até o próprio ministério da Educação.
Ouçam bem as palavras de Manuel da Fonseca, e vejam lá se, nestes 27 anos que se seguiram, alguma coisa mudou:
Festa da Amizade, Santiago do Cacem, em 1981
«Muito mal. É uma jogada fina. Dizes bem de mim que eu digo bem de ti, nós é que somos bons. É um mundo com muita hipocrisia. Eu não frequento os meios literários, sou muito malcriado, porque digo logo o que sinto. Aliás nisso sou como o Lobo Antunes. Hoje há uma intelectualidade balofa, uma vaidade de calça de ganga: grandes parangonas nos jornais, deste e daquele escritor, mas tudo é efémero, nada vai ficar - como a rosa daquele poeta francês
É por causa disso que vemos para aí uns tordos armados em escritores, cujo sucesso literário não se justifica no talento das suas obras, mas antes nos aventais que vestem em segredo, uns atrás dos outros, nos templos das colunas murchas.

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