J. C. Vilhena Mesquita
Uma das figuras hoje absolutamente ignoradas foi outrora considerado como o “Poeta das Aldeias”, epíteto conquistado com merecida justiça pela forma como este percorria as freguesias do extremo sotavento desafiando para verdadeiros combates poéticos, acompanhado à desgarrada por concertinas e cavaquinhos, aqueles que se arvoravam capazes de acompanhar ou competir com a sua repentina criatividade.
O homem que tinha o raro talento de improvisar quadras populares à velocidade de um fósforo, chamava-se Domingos Guerreiro Basílio, era um cidadão muito conhecido e admirado pela sua inteligência, honestidade e dedicação ao trabalho. E não se pense que no fim da vida era apenas uma figura típica, como aquelas que nas antigas feiras pontificavam pela sua excentricidade e submissão aos prazeres da bebida. Bem pelo contrário. Na pujança da idade foi um denodado republicano que lutou com todas as forças pela vitória dos ideais, chegando por várias vezes a desempenhar as funções de regedor da aldeia do Azinhal, onde residia, tendo mais tarde chegado aos bancos da edilidade de Castro Marim na qualidade de vereador.
Não era, pois, um obscuro habitante da ignorada freguesia do Azinhal no não menos ignorado concelho de Castro Marim. Os seus conterrâneos reconheciam-lhe qualidades e ouviam-lhe os concelhos. Porém , com o decorrer dos tempos, os anos começaram a pesar e a situação política alterou-se, a ponto do pobre Domingos Basílio se ter dedicado ao humilde mas honrado cargo de transportar as malas do correio entre Castro Marim e a freguesia de Odeleite. Uma espécie de carteiro dos tempos antigos, que não só levava a correspondência privada como também trazia as boas e más notícias. Era ele quem gritava os pregões das leis e decretos, quem citava os preços no mercado da vila, quem dava conselhos aos agricultores, anunciava as “sortes” aos mancebos, combinava negócios, escrevia cartas e tratava doutros documentos para os analfabetos... Enfim, era um sopro de vida e de civilização numa terra perdida num canto remoto do país profundo, um aglomerado de casas e um povo soturno, sacrificado e submetido às entediantes agruras duma agricultura de subsistência.
O velho republicano, esquecido de outras lides mais honrosas, deitou mãos à vida e transformou-se num simples carrejeiro, levando serra acima, os cereais e as viandas, os secos e molhados, os barris do vinho de Tavira e os almudes da cristalina medronheira serrana, para abastecer as mercearias e tabernas do raiano concelho.
Nos fragosos percursos das suas jornadas, deixou pelos valados das humildes estevas o eco da sua voz, em alegres quadras cantadas nas tabernas, nas feiras ou nos adros das ermidas, à compita com os destemidos cantadores locais, sob as saudáveis gargalhadas e os estridentes aplausos do povo, sempre acolhedor e generoso.
Foi no retorno de um desses trajectos, para a sua velha casa no Azinhal, que encontrou a morte num estúpido acidente. Uma queda aparatosa e desamparada roubou-lhe a vida aos 72 anos de idade.
As gentes serrenhas continuaram a venerar a memória do “Poeta das Aldeias” decorando-lhe os versos e cantando as suas quadras em modinhas populares, nos “bailos” e nos ranchos das raparigas solteiras.
Quem se lembra hoje desses tempos?..
Haverá por aí, no concelho de Castro de Marim, no seio do seu bom povo, quem ainda se lembre do “Poeta das Aldeias” ?
Aqui deixamos o desafia na expectativa de recuperarmos a sua memória e se possível algumas das suas quadras.
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