sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Diamantino Piloto, um mago da guitarra e das letras olhanenses


J. C. Vilhena Mesquita

Embora não tivesse sido uma das figuras mais notáveis da cultura algarvia, não deixa de ser verdade que o Diamantino Piloto foi um homem de raros talentos, particularmente predestinado para a música, mas também para as letras, cujo talento e mérito intelectual lhe permitiu alcandorar-se aos lugares cimeiros das artes e da literatura regional.
Conheci-o já em avançada idade, quando já se encontrava doente, cansado e algo resignado à velhice, que lhe tolhia os movimentos e o impedia de dedilhar a sua viola com a mestria a que nos havia habituado desde há longa data. Quando o estado de espírito desanuviava, então dava largas ao seu talento escrevendo belos contos sobre a sociedade olhanense, dos tempos em que as fábricas de conservas despontavam pela vila e os pescadores desafiavam as lonjuras do mar. Era um homem culto e talentoso, que por mérito próprio se impôs como Engenheiro-técnico electromecânico, professor, músico e publicista.
Diamantino Augusto Piloto nasceu em Tavira a 24-5-1922, no seio duma família de operários da indústria conserveira radicada em Olhão, e aí veio a falecer em 7-3-2000. Após a instrução primária empregou-se como serralheiro, contra a vontade do pai que sendo um homem inteligente e autodidacta cuidou de preparar o filho para o exame do 1.º ciclo em que ficou aprovado. Apesar de ingressar no Liceu de Faro quando chegou ao 5.º ano transferiu-se para a Escola Industrial a fim de frequentar o curso de serralharia, que também não concluiu. Admitindo os erros da juventude, decide então preparar-se, mais uma vez externamente, para a admissão ao Instituto Industrial de Lisboa, onde viria em 1947 a terminar o seu curso de electromecânica. Entretanto, notava-se nele uma grande propensão para a música, nomeadamente para a guitarra clássica, em que viria a revelar-se um exímio executante. Por isso, reparte o seu tempo de engenheiro com a música, recebendo lições do Prof. Duarte Costa, que lhe augurou um futuro brilhante. Todavia, em 1947 aceita o lugar de professor de Matemática nas Escolas Técnicas de Faro e de Olhão, para quatro anos depois ser chefe da Secção de Pesos e Medidas na Inspecção Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, que trocará, em 1962, por um lugar de chefe da secção de Métodos e Estudos na Federação dos Municípios do Distrito de Faro, acabando por se reformar no quadro superior da empresa Electricidade de Portugal.
No premeio deste périplo laboral dedica-se às letras, escrevendo nos órgãos regionais sobre a ética desportiva, os problemas sociais dos trabalhadores, a protecção da pesca algarvia, os problemas da cultura operária e a educação dos mais desfavorecidos, etc. Estreou-se nas páginas do Boletim do Clube Os Olhanenses, prosseguindo depois nas colunas da «Gazeta do Sul», «Correio Olhanense», «Algarve Ilustrado», «Notícias do Algarve», «Jornal do Algarve», «Postal do Algarve» e, sobretudo, em «O Olhanense», do nosso saudoso Herculano Valente. A sua veia literária começou a revelar-se nas colunas de alguns desses jornais, nomeadamente através da publicação de contos sobre a vida castiça olhanense, alguns dos quais fez submeter à apreciação de conceituados personalidades que ao tempo compunham os júris dos Jogos Florais. E neles chegou a ser premiado por diversas vezes.
Apesar das suas naturais aptidões literárias, reconhecia-se-lhe também uma grande capacidade para a música, chegando a fazer parte de um grupo de notáveis melómanos da burguesia olhanense. Os seus concertos de guitarra clássica ficaram na memória dos anos cinquenta, numa terra em que Bernardino da Silva ou Fernandes Lopes fizeram alarde duma grande erudição, e duma consequente educação musical que aparentemente estaria desenquadrada do ambiente piscatória daquela vila. Quando em 1965 a pianista Maria Campina, que conhecia e apreciava o seu talento musical, veio dirigir o Conservatório Regional do Algarve não se esqueceu de o convidar para o corpo docente, lugar em que permaneceu praticamente até ao fim da sua vida. A maior parte dos jovens que no Conservatório de Faro aprenderam a dedilhar uma guitarra clássica fizeram-no pela mão do Diamantino Piloto.
Na vida associativa foi Presidente da Assembleia Geral de Os Olhanense e da Sociedade Recreativa Olhanense, chegando a Vice-Presidente do Sporting Clube Olhanense. Nas agremiações por onde passou deixou atrás de si grupos musicais, boletins informativos e bibliotecas, numa clara e salutar dedicação à cultura e instrução dos mais desfavorecidos. Na RDP/Algarve manteve um programa de grande aceitação nacional, a que deu o título de «Lugar ao Sul», premiado pelas instâncias superiores devido à sua larga difusão. Nas colunas dos jornais e nas gavetas do seu escritório jazem centenas de crónicas e belos contos literários sobre as bravas gentes de Olhão, retratos das suas fraquezas e virtudes, das grandezas e misérias que fizeram de um porto de pescadores uma próspera vila industrial, a maioria dos quais compilou nos livros Contos de Olhão, 1989, 2.ª ed. 1997; e em O Meu Olhão, 1997. Os seus escritos constituem para as gerações actuais, uma útil fonte de referência para o estudo socioeconómico do concelho de Olhão.

4 comentários:

  1. Senhor Administrador do blogue.

    Boa noite.

    Ao ler o texto que o senhor Prof. escreveu sobre o Engº Diamantino PILOTO, fica-me a sensação que nao há mais nada para dizer.

    Ou então sou eu que não sei mais nada desse famosissimo olhanense.

    O que o senhor deixa aqui escrito é património cultural da cidade de Olhão, do Algarve, do País, do Mundo e sei lá ...

    Aquela vontade de fazer o 5º ano Industrial, nas condições citadas, é um rasgo de um homem de génio, como o Diamantino foi.

    È sempre bom ler oss eus textos. Desta vez fiquei a conhecer mais de Diamntino e mais o todo de Bernardino Silva.

    É um prazer lê-lo.

    Um ab. do
    JOÃO BRITO SOUSA

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  2. Prezado Amigo Dr. Brito Sousa
    Obrigado pelo seu comentário, que mais uma vez o revela como um homem sensível e amante dos valores culturais do seu Algarve.
    O Diamantino Piloto foi de facto um homem raro, como cidadão e como artista. Os seus talentos, sobretudo vocacionados para a música, fizeram dele uma figura de primeira plana no contexto cultural de Olhão e, principalmente, de Faro. Repare que além de promover a cultura também desenvolveu o ensino, trabalhando com afinco na educação dos mais jovens, quer no ensino técnico quer no fomento do desporto escolar e amador.
    E olhe que fisicamente até aparentava certas fragilidades, pois que além de muito magro era também de baixa estatura. Portanto, não aparentava grandes condições para se impor como desportista, como professor e até como dirigente, que foi de certos organismos públicos.
    Como publicista posso asseverar-lhe que escrevia com correcção e indisfarçável eloquência.
    No Conservatório Regional de Música do Algarve deixou fortes marcas no ensino da música, sobretudo da viola clássica, em que era exímio.
    Ainda hoje é recordado pelos seus antigos alunos com imensa saudade.
    Volte sempre porque ainda é dos poucos que me dá o grato prazer de responder aos seus comentários.
    Um forte abraço do Vilhena Mesquita

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  3. Dr. Vilhena Mesquita

    Autoriza a publicação no jornal "O Olhanense"

    Aumprimentos

    M. Proença

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  4. Prezado Amigo
    Obrigado pela sua proposta de publicação, a que logicamente não posso deixar de anuir, agradecendo-lhe a honra que me é conferida de figurar como colaborador e «O Olhanense» de há mais de trinta aos a esta parte.
    A laboriosa vila de Olhão foi alfobre de grandes intelectuais algarvios, que merecem ser lembrados e dignificados pelo órgão de informação local, que felizmente ainda mantém nas suas colunas um forte pendor cultural.
    Um grande abraço do Vilhna Mesquita

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