sábado, 24 de abril de 2010

Pascoal Turri, um colaboracionista dos invasores franceses, em Faro


Em boa verdade pouco sei acerca desta curiosa personagem que passou pelo Algarve de forma quase despercebida, se acaso não tivesse sido considerado “persona non grata”, para não dizer traidor, aos olhos daqueles que aqui o acolheram com estima e carinho.
Apesar da neblina que envolve o conhecimento das suas origens, sei que era de origem milanesa, isto é, que teria nascido na cidade de Milão em data que desconheço, mas que deverá ter ocorrido entre 1870 e 1880. O que sei é que como músico serviu em jovem o Regimento de Artilharia n.º 2, em Faro, cidade onde fixou residência e constitui família, consorciando-se, segundo creio, com uma senhora algarvia. Tinha, ao que parece, uma especial predilecção pela cultura francesa, presumo que por na família haverem laços de consanguinidade gaulesa. O que sei é que em Faro se estabeleceu com uma pequena loja de comércio que depressa expandiu para armazém de “secos e molhados” destinados à exportação. Pela sua inteligência e capacidade empresarial conseguiu reunir meios de fortuna muito razoáveis. Consta também que falava com desenvoltura na língua de Molière e que se correspondia com empresários das praças e portos da velha Gália, com os quais mantinha os seus negócios. Também se dizia, com a proverbial tolerância algarvia, que nutria simpatias pela Revolução e pela heróica figura de Napoleão, a quem chamava “o Imperador”. Mas disso nunca houve reflexos de quaisquer gestos de animosidade ou perseguição.
Pelo bom relacionamento estabelecido com os empresários franceses foi, desde 1803, nomeado cônsul da França no Algarve, cuja sede em Faro seria na casa Turri, também oficialmente grafada como Turi. Acontece que por causa do tão propalado Bloqueio Continental que os franceses pretendiam impor às relações comerciais com o Reino Unido, o nosso país se mostrou bastante remisso, em face da sua secular aliança emergente do Tratado de Windsor, dando com isso justificação às chamadas “invasões franceses”. E, como é de todos conhecido, Napoleão encarregou um dos seus mais famosos cabos de guerra – o general Jounot – de entre 1807 e 1808 encabeçar o movimento militar de invasão do território português. Nessa altura, o comerciante Pascoal Turri, rejubilante de alegria, colocou-se de imediato ao serviço das novas autoridades, que em Faro tiveram na figura do militar Maurrin um tolerante apaziguador, a quem só os olhanenses conseguiram tirar do sério, quebrando o hipócrita sossego em que a região se encontrava amorrinhada.
Logo após o 16 de Junho, que nesse glorioso ano de 1808 convulsionou o povo de Olhão contra os ocupantes franceses (e, por contas antigas, também contra os farenses), foi o afrancesado Pascoal Turri procurado na sua residência pela populaça, que em alvoroço pretendia fazer a patriótica justiça de prender, ou até matar, os traidores da lusa pátria. É claro que o Turri conseguiu escapulir-se a tempo de cair nas mãos da turba-multa, sem impedir porém que o mesmo acontecesse aos seus haveres pessoais e materiais, com os quais animava o comércio local. Fugiu então para a cidade de Loulé, onde escapou de vinganças e perfídias, até que, algum tempo decorrido, e pensando que as coisas já tivessem retornado aos eixos da rotina, retomou o caminho para Faro, em cuja cidade foi, porém, recebido a tiro por quem não se esquecera dos seus aleivosos favores prestados aos intrusos franceses.
Escapando com vida ao seus vingativos algozes fugiu para Lisboa, onde lhe perdi o rasto, não sei se por ter mudado de nome, ou se por dali ter partido para outros mundos de que não restam memória.

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