domingo, 30 de janeiro de 2022

Honorato Santos, um ignorado historiador do Algarve

 Investigador e publicista, Honorato Artur Pires da Silva Santos, de seu nome completo, nasceu em 1879, na cidade de Faro, mais propriamente na belíssima casa do Cercado da Atalaia, que lhe pertencia e que ainda conheci, naquele peculiar traço arquitectónico genuinamente algarvio, mas que julgo ter sido expropriado para expandir a cidade, erguendo-se no seu lugar uma daquelas inestéticas torres habitacionais, uma “caixotada” de betão, muito similar a pombais humanos. Quando a filha, a Dr.ª Mariana Santos, foi viver para Coimbra e depois para Lisboa, resolveu acompanhá-la e aí continuar as suas aturadas pesquisas sobre o passado histórico do Algarve, tornando-se por essa razão num assíduo frequentador da Biblioteca Nacional e da Torre do Tombo. Faleceu em Lisboa, no amparo da sua única filha, a 4-2-1968, com quase 89 anos de idade.
Era um cidadão muito estimado e bastante respeitado entre os seus conterrâneos, mercê da sua finíssima educação e lhaneza de trato, assim como pela consideração social a que os seus razoáveis bens de fortuna davam plena justificação. Possuía uma privilegiada memória, era inteligente, perspicaz e persistente na sua avidez pelo conhecimento. Tornou-se conhecido pela sua natural apetência para a música, sendo um apreciado instrumentista de piano, frequentador das nobres tertúlias citadinas que se reuniam nas casas mais abastadas para cultuarem a arte de Orfeu.
Mais insaciável do que a música era a sua curiosidade em aprender a razão de ser das coisas, quer da simples agricultura até aos mais avançados segredos da ciência. Interessava-se por tudo. Porém, eram as coisas do passado que mais prendiam a sua atenção. Desde as famílias nobres até aos heróis populares, que se haviam distinguido ao longo dos séculos; desde os vestígios das mais antigas ocupações humanas até aos mais nobres edifícios do Algarve, tudo isso o interessava e lhe ocupava as horas de descanso para aprender e saber sempre mais. Tanto em Faro como em Olhão o nome do Honorato Santos era sinónimo de louvável dedicação à leitura, de rara persistência ao estudo e de forte apego à investigação histórica. As centenas de nótulas e pequenos artigos sobre “Velharias Históricas do Algarve” valeram-lhe a nomeação para o Instituto Arqueológico do Algarve, que era aliás o único título de que se orgulhava, e do qual fazia alarde nos seus cartões de visita.
Desempenhou diferentes cargos públicos na cidade de Faro, nomeadamente na Fazenda Pública, na Câmara e na Junta Escolar de Faro. Também dava aulas particulares de piano para jovens iniciados nos segredos da arte de Orfeu.
Não sei porque razão era vice-cônsul honorário da Bolívia em Faro, mas desconfio que fosse derivado das suas relações de amizade com algumas famílias ligadas ao negócio de exportação de frutos secos, cortiças, azeite e outras mercadorias regionais.
Entre os cargos que graciosa e honradamente desempenhou, destaca-se a de Sindico da Ordem Terceira de S. Francisco de Faro, prestando relevantes serviços de assistência social, no combate à indigência e no auxílio à saúde pública.
Em livro, com letra de imprensa, nunca deu à estampa nenhum dos seus trabalhos. É certo que tudo o que escrevia era bastante sintetizado, pequenas súmulas sobre pessoas e factos, instituições e monumentos do passado histórico algarvio. No fundo eram apenas curiosidades que se tentavam aclarar, resumos de teses elaboradas por autores consagrados, compilações de citações avulsas, transcrição de documentos publicados em obras raras, enfim um caudal de “coisas e loisas”, uma espécie de bric-à-brac da História do Algarve. Nunca escreveu uma obra de fundo, com verdadeira importância para o avanço da historiografia nacional. A maioria desses estudos, ou pequeníssimas monografias, “editou-as” ele em curiosos caderninhos manuscritos, guarnecidos com belas molduras geométricas, de cornucópias e arabescos coloridos, ilustrados com o brasão de Faro, esquissos de monumentos e outros desenhos, a maioria dos quais muito infantis e meramente decorativos. Esses “canhenhos” de notas históricas - encapados em papel de fantasia com motivos florais, ou em papel vegetal de diferentes cores – “editava-os” em várias cópias manuscritas, oferecendo-os ainda em vida aos amigos e familiares, encontrando-se hoje dispersos pelas bibliotecas regionais, pelas livrarias particulares de alguns bibliófilos (como é o meu caso) e até pelos alfarrabistas, que os vendem como preciosidades da historiografia regional. Os exemplares que possuo estão datados de Lisboa na década de cinquenta, mas tenho um exemplar sobre o brasão de Faro datado de 1941.
Guardo esses exemplares com enorme carinho, como se fossem raros espécimes bibliográficos, tendo por eles uma grande estima e sentimento de preservação, não só por serem manuscritos da sua própria mão, numa caligrafia muito redonda e regular, própria de um copista conventual, como também pelo facto de sentir que neles pulsa ainda, no seu vigor natural, a personalidade e o belo carácter do cidadão exemplar que foi Honorato Santos. Não sendo iluminados, como os velhos «Livros de Horas», contém também lindos desenhos de flores, borboletas, joaninhas, anjinhos, enfim, inocentes figuras decorativas com que ilustrava e enriquecia os seus humildes apontamentos, compulsados nos seus "infantis" cadernos. Esses curiosos estudos de Honorato Santos, embora sejam uns subsídios da história, algarvia redigidos com extrema humildade por quem não se sentindo um investigador gostava, porém, de dar pública notícia das suas incursões pelas bibliotecas e arquivos nacionais, aonde a esmagadora maioria dos seus comprovincianos nem sonhava vir a frequentar. Refiro-me à Biblioteca e Arquivo Histórico da Universidade de Coimbra, à Biblioteca Nacional e à Torre do Tombo, locais de culto da erudição nacional, que, em longas e determinadas épocas, foram uma espécie de segunda residência do Honorato Santos.
No fundo são preciosidades da esmerada generosidade e amor regionalista deste farense, hoje tão injustamente esquecido, cuja filha, a Dr.ª Mariana Santos, foi digna herdeira ao tornar-se bibliotecária-arquivista na Universidade de Coimbra e no Palácio da Ajuda, procedendo a aturadas investigações sobre a história da cultura e da filosofia portuguesa.
Creio que a estreia do Honorato Santos como colaborador da imprensa algarvia se terá efectuado nas colunas de «O Heraldo» de Faro, logo depois da implantação da República. Em «O Algarve», também de Faro, publicou dezenas de pequenos artigos sobre história local, etnografia e literatura algarvia. Mas foi no semanário «Correio do Sul» que mais se distinguiu, quando em 18-11-1928 iniciou a publicação da secção “Coisas Antigas do Algarve”, na qual deu a público centenas de nótulas sobre os mais diversos factos históricos e os mais relevantes monumentos da região.
Para futuras pesquisas da sua obra completa, devemos acrescentar que Honorato Santos, como emérito estudioso da história algarvia, colaborou nos seguintes órgãos da imprensa regional: «O Algarve» (1908), «Alma Luzitana» (1919), «Correio do Sul» (1928) «Anais do Município de Faro» (1969), neste caso já a título póstumo, com a edição pública e em primeira mão da pauta musical da "Valsa Faro" que compôs em honra da sua cidade natal.
Foi casado com D. Palmira Rita Machado Gonçalves dos Santos, falecida em Lisboa a 1-1-1945 e de quem teve, como já se disse, uma única filha, a Dr. Mariana Amélia Machado Santos, que além de ter sido assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e autora de valiosa obra científica na área das ciências sociais e humanas, seguiu depois a carreira de bibliotecária-arquivista na Biblioteca Nacional de Lisboa.

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