Diz-se que a criação do biquíni teve origem no racionamento de tecidos
e no baixo poder de compra das mulheres, durante o período da II Guerra
Mundial, em cujo decurso um francês, engenheiro de automóveis, de seu nome Luis
Réard, desenhou o traje de banho feminino ao mínimo, a que deu o nome de
“Bikini”. Lembrou-se dessa designação porque a sua criação era uma verdadeira
bomba atómica no mundo da moda. Ora, como dias antes, em Julho de 1946, os
Estados Unidos haviam realizado uns testes nucleares na Micronésia, Oceano
Pacífico, destruindo por completo o Atol de Bikini, pareceu-lhe que esse nome
poderia ser adoptado ao seu modelo como uma forma de homenagem, mas também de
protesto, pela destruição do ambiente e pelo uso de armas de destruição maciça.
Brigitte Bardot, aos 19 anos, em Cannes, causando enorme sensação com o seu provocante biquíni |
O projecto era tão ousado que nenhuma modelo se dispunha a usá-lo em
público. Por isso Réard teve de contratar uma stripper, de corpo escultural,
chamada Micheline Bernardini, que se dispôs a usá-lo num desfile de moda, junto
a uma piscina, em Paris, a 11 de julho de 1946. O escândalo foi enorme,
tornando-se de facto numa verdadeira "bomba atómica" lançada sobre o
mundo da moda. Mas não se pense que se tornou num êxito rápido, como é costume
acontecer na moda. Bem pelo contrário. A maioria dos países modernos reprovou o
seu uso, e ainda hoje, em muitos países árabes é proibido o uso do biquíni nas
praias, como se tratasse de uma afronta ao pudor. Tanto assim era que no
primeiro concurso de Misse Mundo, realizado em Londres em 1951, proibiram-se as
concorrentes de sequer tentarem experimentar o uso de biquíni no desfile final
do certame. O argumento sustentado pelos membros do júri era, mais uma vez, o
da preservação da moral e dos bons costumes.
Para que o mundo desse esse passo em frente precisava-se de uma mulher
corajosa, que não tivesse medo de enfrentar a oposição dos mais conservadores e
até da própria igreja, que contestava os excessos e liberdades da moda. Essa
mulher, corajosa e desafiante, surgiu em 1953, durante o Festival de Cannes, na
figura da jovem e deslumbrante actriz francesa Brigitte Bardot, que desceu à
praia daquela famosa estância turística com um revolucionário biquíni,
desenhado com motivos florais, como se a própria Eva voltasse de novo ao
convívio dos mortais pecadores.
Repare-se nas reduzidas dimensões do bikini de Brigitte Bardot, cujo talhe pouco difere dos modelos actuais. |
A partir de então, as mulheres de todo o mundo passaram a usar os
provocantes biquínis, cada mais curtos e ousados, para afirmarem a sua
liberdade e a sua independência, sem medo de serem, por isso, acusadas de
atrair a si os olhares concupiscentes dos homens.
Mas, será o biquíni assim tão recente como nos querem fazer crer os
designers da moda?
Não tenho a certeza se já existiria, ou não, no tempo dos romanos uma
indumentária, talvez mais para uso desportivo do que recreativo, semelhante ao
que hoje designamos por biquíni. Em frescos de Pompeia encontraram-se várias
pinturas de mulheres a exercitarem-se num ginásio, praticando pugilato e luta
greco-romana, usando apenas duas peças de couro para taparem as partes íntimas.
Isto faz supor que as mulheres na antiguidade clássica já usavam algo
semelhante aos biquínis modernos, certamente nos banhos públicos e saunas
privadas, mas talvez também durante a prática dos diversos jogos e competições
em que as mulheres tinham o direito de participar.
Este é um assunto que não domino, nem posso asseverar que o uso das
duas peças de reduzido vestuário, a que chamamos hoje biquíni, era já usado na
antiguidade. O que posso garantir é que na localidade de Piazza Armerina, na
Sicília central, foi descoberta a vila imperial romana de Casale, com dezenas
de mosaicos de uma beleza esplendorosa, retratando cenas da vida quotidiana no
século IV depois de Cristo. Em alguns desses mosaicos vêm-se várias jovens
romanas, usando apenas duas peças muito semelhantes ao actual biquíni. Neles se
observa que algumas jovens estavam a praticar luta, creio que pugilato - uma
modalidade desportiva de tradição olímpica - mas noutros parecem estar a
desfilar num cortejo religioso, escoltadas por outras mulheres, cobertas com
tecidos transparentes, que talvez fossem as intocáveis vestais.
Mosaico da villa imperial romana de Piazza Armerina, na Sicília central, datado do século IV depois de Cristo. |
Sem querer especular, julgo que algo semelhante ao biquíni já era
usado na civilização romana pelas mulheres que frequentavam os banhos públicos,
então designados por “Thermae” (de cujo étimo latino deriva a palavra Termas),
sendo famosas em Roma as termas de Caracalla, de Nero, de Diocleciano, de Tito
e de Trajano, frequentadas diariamente por milhares de patrícios de ambos os
sexos, num cenário de majestosa beleza artística, rodeada de colunas e estátuas
em mármore de Carrara. As termas públicas repartiam-se por diferentes espaços,
para que os seus utentes usufruíssem de sucessivos estágios de temperatura nas
águas. Assim, passavam primeiro pelo “Frigidarium”, onde os utentes se banhavam
em água fria, passavam depois ao “Tepidarium”, de águas mornas, até chegarem ao
“Caldarium” onde as águas quentes proporcionavam o relaxamento muscular.
Associada ao uso medicinal da água e à sua fruição térmica, nasceu a ideia
clássica do SPA, que mais não é do que uma sigla, cujo desdobramento significa
"salus per aquam", uma expressão latina que se traduz literalmente
como "saúde pela água".
Pormenor do mosaico anterior |
Aqui fica uma imagem do mosaico da Villa imperial romana de Piazza
Armerina e duas fotos da então muito jovem Brigitte Bardot, em 1953, na praia
de Cannes. A bela diva do cinema, está felizmente entre nós (tem hoje 84 anos
de idade), embora há muito retirada dos olhares públicos. Muitos de nós se
lembram dela pela sua deslumbrante beleza física, pela sua luta contra o uso de
peles no vestuário da moda, pela sua cruzada na protecção dos animais
domésticos e selvagens, mas certamente já poucos se lembrarão que ela foi a
primeira mulher a usar um biquíni em público, desafiando os falsos pudores
desta sociedade de hipócritas sibaritas, em que ainda hoje vivemos.
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