O Castelo de Porches e o seu foral
No dia 3
de fevereiro de 1250, D. Afonso III, o primeiro a usar o título de Rei de
Portugal e do Algarve, doou ao seu Chanceler, Estevam Annes, o Castrum de
Porches e as terras envolventes, em honra dos serviços prestados. Significa
isto que em Porches existia um castelo, certamente um antigo reduto militar
romano, depois reconstruído e colonizado pelos almorávidas, que no século XIII
se submeteu aos espatários de D. Paio Peres Correia.
Rei D. Afonso III, conquistador do Algarve |
O
documento desta doação está firmado pelo monarca em «sancta Mariam de faarom»
em benefício do seu Chanceler, uma espécie de primeiro-ministro de agora,
dando-lhe posse de «todos os terrenos e pertenças novas e antigas, estragadas
ou conservadas (…) vinhas, figueiras e oliveiras, com todas as pescarias (…),
com o direito do padroado sobre a igreja ou igrejas que dentro do mesmo Castro
e seus limites se venham a edificar, salvando para nós o privilégio da
preparação do ouro e prata, minério e fundições». Acrescenta, ainda, que os
moradores do Castrum de Porches ficavam «isentos e livres de todos os direitos
do serviço real, de qualquer tributo, de qualquer obrigação servil, e isto por
forma que para o futuro nenhum foro será lançado ao castelo por nós ou por
nossos sucessores ou pelos nossos homens que nele devam habitar».(1)
Significa
isto que o Chanceler ficava com o benefício do rendimento daquelas terras
(vinho, azeite, figo e pesca), reservando o rei a mineração dos metais, caso
existissem, para a amoedação. Aos seus moradores dava-lhes o privilégio da
isenção fiscal e do serviço real ou servil, isto é, livres de impostos e das
obrigações feudais que humilhavam os camponeses, como era o caso das
“banalidades”, das “corveias”, das “talhas” e outras “miunças”. Repare-se que
estavam livres do serviço real, isto é, do “fossado”, que consistia na
prestação do serviço militar contra os invasores sarracenos.
Estes
incentivos devem ter facilitado o desenvolvimento de Porches, que foi crescendo
em população, tornando-se num pequeno centro pesqueiro com um porto comercial,
no qual se abriram os talhos do sal com que se conservavam as pescarias da
sardinha e do atum. As salinas de Porches e Alvor foram, aliás, muito
consideradas no valor e qualidade da sua produção. O sal era aquilo a que se
pode chamar o "ouro branco" da época, tal era a sua escassez e alto
preço.
Aos
antigos se acrescentaram novos privilégios, reconhecidos e concedidos por D.
Dinis, em 20-08-1286, no foral de usos e costumes outorgado a Porches, em
igualdade de circunstâncias com o de Silves, que era, por sua vez, um decalque
do que fora atribuído a Lisboa. O foral dionisíaco tem vários pormenores dignos
de relevo, que não vou aqui escalpelizar, até porque a Doutora Maria de Fátima
Botão, já escreveu um exaustivo trabalho sobre este assunto.
Não
obstante, é bem certo que todas essas prerrogativas, regalias e benefícios
concedidos no Foral, dão uma justa proporção da importância militar do castelo
de Porches no século XIV. Não sei se nos seus trâmites correspondia à realidade
militar então ali vigente, porque se tratava de um documento modelo usado
noutras praças militares. Em todo o caso, parece-me que a vila de Porches foi
no século XIV um importante posto de defesa militar da costa algarvia, conforme
se atesta na confirmação desses privilégios concedida por D. Pedro I, em 1357.
(2)
A
esmagadora maioria dos privilégios concedidos no foral são de carácter militar,
razão pela qual se infere a sua importância estratégica na protecção do litoral
algarvio contra as incursões dos piratas e salteadores marroquinos.
De entre
as regalias concedidas aos habitantes e militares de Porches, há uma
particularidade que importa ressaltar, por dizer respeito às mulheres, que é a
seguinte: «a mulher do soldado que enviúve tenha as honras de soldado até que
se case, e se requerer conceda-se-lhe o foro do que requerer (…) Se porém a
mulher do soldado, estando viúva, tiver um filho tal que, vivendo com ela em
casa, possa cavalgar faça-o pela mãe…». (3)
Vemos,
assim, que as viúvas dos soldados não ficavam na miséria, e que se quisessem
voltar a casar tinham direito de manter as honras e privilégios do foro
militar, obrigando-se, porém, a conduzir o filho varão para a vida castrense. É
raro neste tipo de documentos dar-se destaque e protecção às mulheres, mas como
se tratava de Porches, um porto marítimo, uma praça militar, alvo dos ataques
corsários, situada em local extremado, é lógico que havia que manter-lhe a
população para que não lhe desertassem os meios de sobrevivência social e
económica.
Praia do Carvoeiro e a ermida de Nª Sª da Rocha |
Já que
falei nos privilégios militares contidos no foral de Porches, repare-se neste
sobre a protecção do soldado que se incapacita por ferimento ou velhice: «O
soldado que se enfraqueça ou de tal modo se debilite, que se não possa
incorporar no exército, conserve-se-lhe as honras de soldado». Isto quer dizer
que todo o soldado que for abatido ao efectivo tinha direito a manter o seu soldo
e as suas dignidades militares. Para mim o mais notável de todos os privilégios
concedidos pelo rei poeta, é este: «Os soldados de Porches ocupem a vanguarda
do exército do rei». Tratava-se de uma honra distintíssima, uma prerrogativa
militar pela qual se batiam as principais praças fortes do nosso país.
É claro
que de tudo isto já só resta a memória do passado, porque do velho «Castrum» de
Porches apenas ficou o documento da doação de D. Afonso III, em 1250, ao seu
chanceler, logo após a anexação do Algarve. E o antigo foral dionisíaco, que
nos permite avaliar a importância daquela praça forte, de que hoje já não
existe testemunho material, a não ser a designação de "Porches Velho"
dada pelo povo a um local próximo da praia do Carvoeiro, hoje conhecido por Nossa
Senhora da Rocha. Mas isso são velhas lendas, outras dúvidas, mistérios e
interrogações, para cuja discussão não será este o melhor palco.
_________________________
(1)
ANTT, Chancelaria de D. Afonso III, Livro 1º, fl. 106.
(2)
ANTT, Chancelaria de D. Pedro I, Livro 1º, fl. 21, que tem na ilharga da coluna
a data de 9 de outubro, relativa aos mouros de Évora. Presumo que o
reconhecimento dos privilégios do Castelo de Porches seja da mesma data, isto
é, de 9 de outubro de 1357.
(3)
ANTT, Chancelaria de D. Dinis, Livro 1º, fl. 173.
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