domingo, 29 de janeiro de 2023

Um epitáfio para João de Deus

O poeta das crianças - na sua efígie coroada de louros
 e na evocação da sua Cartilha Maternal - foi aproveitado
 para diversos fins, nomeadamente publicitários, como
 aqui se comprova nesta lindíssima caixa de bolachas.
O poeta João de Deus, ainda novo,
 numa pose de burguês, muito adversa
 à sua mentalidade de homem do povo.
Falei aqui, há bem pouco, do "poeta das crianças", João de Deus, nascido na ridente, e hoje prospérrima, aldeia de São Bartolomeu de Messines, no histórico concelho de Silves. Disse que estava o seu féretro depositado no Panteão dos Jerónimos, todavia o seu desejo seria ficar sepultado ao lado dos pais na sua aldeia natal. É essa derradeira vontade que transparece, cristalina e indubitável, no seu magistral poema "Pátria", do seu imortal e inigualável, «Campo de Flores», 5.ª ed., Lisboa, Liv. Aillaud e Bertrand, s/d, tomo I, p. 313.
Aqui vos deixo na íntegra esse belíssimo poema, do qual ressalto o último verso, que o meu amigo João Leal, decano dos jornalistas algarvios, tanto gostava de evocar nos seus arrebatantes discursos:
Casa onde passa por ter nascido o poeta, na sua aldeia
 natal de São Bartolomeu de Messines. A imagem de
 humildade que dela transparece está bem de acordo
 com o espírito do poeta, razão pela qual foi muito
 aproveitada pelo Estado Novo.

Como o pródigo volta ao lar paterno
Desenganado do que em vão procura,
Eu já desfalecido nesta lida
De sonhos sobre sonhos de ventura,
Desejava dormir o sono eterno
Abrindo junto ao berço a sepultura!
Fechar em suma o círculo da vida
No saudoso ponto de partida!

Chegado pois. Senhor, aquele dia
Que se me apague a luz que me alumia,
Deixai-me descansar onde repousa
Meu santo pai, e sua terna esposa
— A minha santa mãe!
Ser-me-à assim mais leve a fria lousa...
Que a terra onde se nasce é mãe também!

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