sábado, 12 de outubro de 2024

Compromisso Marítimo de Tavira em 1829, desordem e corrupção

A "Meza", isto é, a direção executiva do Compromisso Marítimo de Tavira, eleita a 1-5-1829, quando tomou posse daquela instituição apercebeu-se da caótica situação financeira em que se encontrava a administração dos bens próprios, a falta de meios de pagamento para suster os custos fixos, a ineficácia da tesouraria, enfim, a anarquia e a irresponsabilidade com que os mesários anteriores governaram os destinos do Corpo Santo dos pescadores tavirenses. 
Antigo brasão de Tavira
Numa das primeiras reuniões, e após verificarem os Tombos do Compromisso, isto é, os livros de registo dos bens próprios, 
constataram existir uma enorme confusão contabilística tanto nos rendimentos como nas dívidas. As cifras de entrada e saída estavam lançadas a esmo e sem critério. Por isso, precisavam de saber ou de aquilatar a viabilidade financeira da instituição.  
Assim, sentindo-se impotentes para verificar o estado das contas e a boa gestão da Real Casa do Corpo Santo, vulgo Compromisso Marítimo, decidiram enviar ao Rei um ofício, do género abaixo-assinado, no qual rogavam que lhes concedesse o privilégio de poderem eleger um Juiz Conservador destinado a operar a boa administração e observância dos seus Estatutos, visto que os Tombos de bens e rendas se encontravam em absoluta desordem.
Para se fazer uma ideia da situação vigente, aqui fica um extrato da decisão lavrada pelos juízes do Desembargo do Paço:
Tavira, por José Justiniano Henriques, oferecido ao
 bispo de Beja D. Manuel do Cenáculo, de 1770-1802

«Dizem o Juiz e mais officiaes da Real Caza do Compromisso Maritimo da Cidade de Tavira que havendo tomado posse do Governo e administração da dita Real Caza em o dia 1º de Maio deste prezente anno, no acto da referida posse examinando o inventario dos moveis e alfaias e assim mais o livro da receita e despesa da mesma Caza acharão tudo em huma tão grande confusão e desordem tal que athe ao prezente ainda se não tem podido vir no conhecimento a vista de taes livros e das contas nelles lançadas de quaes sejão os bens que a Caza possue, qual o seu rendimento anual assim como o numero e importancia das dividas tanto activas como passivas, não podendo provir hum tal desarranjo e obscuridade de contas (...) senão da falta de presidencia de hum Ministro de Vossa Magestade a todos os actos de contas (...) pedem a graça de lhes conceder Provisão para poderem elleger qualquer Ministro dos de Vossa Magestade residentes nesta Cidade de Tavira para o fim de assistir na qualidade de Juiz Conservador interino da Real Caza do Compromisso a todos os autos e deliberações dos Mezarios, etc.».
Panorâmica da cidade de Tavira em 1779
Deduz-se claramente, que os membros eleitos para a nova Mesa executiva do Compromisso Marítimo de Tavira se aperceberam da falta de alfaias, isto é, de bens móveis anteriormente existentes na sede da Real Caza, assim como deram falta dos livros da receita e despesa, o que os levou a supor existirem fortes indícios de corrupção, ou pelo menos de locupletação por parte dos anteriores mesários, que teriam sonegado meios de informação sobre registo de propriedades, rendas e bens pecuniários, que pertenciam, por doação, ao Compromisso Marítimo de Tavira.
Todo o processo de averiguações e de auditoria realizados no âmbito desta queixa, podem ser consultados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Desembargo do Paço, Algarve e Alemtejo, Maço 533, n.º 17.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Conflito entre a Câmara de Lagos e o Compromisso Marítimo por causa da venda de carne

Não sei se os mus leitores sabem que os antigos Compromissos Marítimos, como montepios e associações privadas de pescadores, tinham entre outros privilégios o direito de abater gado em açougue e talho próprio, para procederem à venda a retalho da carne aos "irmãos" do Corpo Santo, designação como era conhecida aquela instituição.
Lagos gravura antiga do sec. XVIII
Acontece que esse privilégio concorria com os interesses dos magarefes e retalhistas daquela cidade, que pagavam os seus impostos ao município. O facto dos marítimos poderem comprar animais aos lavradores, geralmente sem pagarem o imposto correspondente, por alegarem ser em troca de peixe, já causava contestação pública, pior ainda era o facto de os poderem abater, retalhar e vender, abaixo do preço de mercado, entre os seus beneficiados. Os amigos e familiares dos pescadores compravam todos a carne no talho do Compromisso, por ser mais barata. Isto causava uma concorrência desleal, a que as autoridades geralmente fechavam os olhos, para não causarem mal estar com a classe marítima, cujos privilégios advinham desde os tempos fundacionais da nacionalidade.
Acontece, porém, que em 1827, sob a regência de D. Isabel Maria, numa situação transitória para a entronização de D. Miguel, e num clima de instabilidade política, o Juiz e oficiais da Real Casa do Compromisso Marítimo da Cidade de Lagos, não estavam em boa sintonia com a autarquia, em cuja vereação mantinham um Procurador com as mesmas regalias e distinções que os edis eleitos. Recrudesceu nessa altura a velha e relha polémica da venda de carne no talho do Compromisso a preços desfavoráveis aos interesses dos talhantes comerciais, que pagavam os impostos regulamentados. 
Costa de Lagos e bateria do Pinhão. George Landmann, 1821

Por essa razão, e também por antigas dissenções políticas, o Juiz do Compromisso enviou por escrito ao Desembargo do Paço uma súplica, ou seja, uma queixa oficial contra a Câmara de Lagos, por esta se recusar a cumprir a Provisão que ordenava aos Almotacés municipais (fiscais do mercado local), que deixassem prover os suplicantes arbitrariamente da carne do seu açougue e outras providencias. Queixa-se ainda o Juiz do Compromisso de ser aquela Real Casa vexada nas suas prerrogativas especiais, pelo facto do seu Marchante ter sido multado pecuniariamente pelos almotacés municipais.
A Provisão Régia que reconhecia o privilégio do Compromisso Marítimo de Lagos possuir um açougue e talho próprio estava datada de 17-07-1826, apensando-se uma cópia da mesma ao processo enviado ao Desembargo do Paço, que era uma espécie de última instância para os recursos ou súplicas de justiça.
Acresce dizer que o privilégio concernente à venda de carne em talho exclusivo, era comum a outros Compromissos, nomeadamente aos de Tavira e Faro.
Importa, por fim, esclarecer que esta queixa do Compromisso Marítimo de Lagos, foi alvo de apreciação fundamentada pelos juízes do Desembargo, pelo que teve provisão favorável, confirmada em 7 de janeiro de 1828. A Câmara de Lagos teve de baixar a cabeça e ceder aos interesses dos pescadores locais, o que em tempos tão arbitrários como os da usurpação miguelista era muito raro de acontecer.
Este processo encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), núcleo do Desembargo do Paço, na secção Alentejo e Algarve, Maço 825, n.º 112.

sábado, 5 de outubro de 2024

Compromisso Marítimo de Olhão pede ao Rei, em 1828, a abolição dos direitos sobre os chamados "peixes reais"

Os pescadores da vila de Olhão da Restauração, representados pelo Juiz e demais oficiais do Compromisso Marítimo, pediram ao Rei, isto é, à Regente Isabel Maria, em 12-2-1828 [dez dias antes da chegada de D, Miguel a Lisboa, e do subsequente período da usurpação do trono], que abolisse a designação de Peixes Reais, constante no Foral outorgado por D. João VI, em 1808, para as Baleias, Baleotes e Roazes, assim como outros peixes de maior porte e elevado peso. Esclareça-se que os Baleotes ou Baleatos, são igualmente cetáceos ou baleias de menor porte, que por vezes se confundem com cachalotes. Os Roazes são igualmente  cetáceos, mas da família dos Delfinídeos, mais conhecidos por Golfinhos, que na nossa costa durante a primavera perseguem os atuns e corvinas, espécies muito valiosas capturadas nas artes de cerco, que se lançavam em todo litoral algarvio sob a designação de armações, ou de almadravas, orientadas "de direito", na direção do Mediterrâneo, ou "de revés", no regresso ao Atlântico, conforme as migrações dos tunídeos. Já agora, aproveito para esclarecer que nas armações do atum se capturavam também muitas Toninhas, que são golfinhos mais pequenos com razoável valor de mercado, por causa da sua gordura para fins alimentares e industriais.
Igreja e sede do Compromisso Marítimo de Olhão
O tempo era o mais azado para estas pretensões reivindicativas das autoridades provinciais e dos direitos dos povos, já que nesses dias pairava na Corte, e no país em geral, um clima de grande incerteza e aflitiva insegurança, pois todos previam profundas e sensíveis alterações no paradigma político. Havia pois que aproveitar essa aparente "desordem" governativa para pedir reformas e mudanças significativas, sobretudo no aparelho fiscal e na cobrança tributária dos direitos que impendiam sobre o trabalho e as transações, quer comerciais quer industriais.
O caso correu pela mão do Superintendente das Alfandegas do Algarve, que despachou de modo favorável aos interesses dos pretendentes. 
Mas, o Tribunal da Fazenda e o respetivo Conselho concluíram que não podiam abolir as determinações do Foral, por ser uma decisão da responsabilidade exclusiva da Câmara dos Deputados. Pelo que para satisfazer a vontade dos pescadores olhanenses, aquela Câmara teria de aprovar uma Lei que regulasse de forma específica e discriminada todos os peixes que pudessem ser capturados nas águas da jurisdição marítima de Faro e de Olhão.
Olhão levantamento topográfico de J. Pery 
Por outro lado, o Procurador da Fazenda escreveu ao Conselheiro Filipe de Sousa Holstein para que naquela Câmara fizessem aprovar uma lei que fosse de encontro aos interesses dos pescadores do Compromisso Marítimo de Olhão, usando para esse efeito da iniciativa que lhe confere a Carta Constitucional no artigo n.º 46, com o objetivo de revogarem parte do Foral da Portagem de Faro, o capítulo 94 do Regime dos Contadores, e «quaesquer outras Leys, Foraes ou costumes, em virtude dos quaes a propriedade dos chamados peixes reais era privativa da Coroa, e se declare que todos e quaesquer peixes, sem excepção alguma, são propriedade de quem os pesca, ou sendo encontrados mortos, de quem primeiro se apodere d'elles».
O processo arrastou-se durante anos, correu Ceca e Meca, de ministério para ministério, sem obter decisão definitiva que satisfizesse o interesses dos pescadores olhanenses. A única entidade que se comportou de forma séria e célere foi o Conselho da Fazenda, despachando que dentre os "Peixes Reaes" deveriam pertencer aos pescadores do Compromisso de Olhão apenas os Roazes capturados, que era na verdade a única espécie que  lhes interessava, já que as baleias e baleotes haviam desaparecido das costas algarvias. Mas, quando tudo parecia resolvido, um decreto datado de 25-2-1831, certamente redigido pelo Ministério do Reino, mandou retornar tudo à posse do ministério da Marinha e Ultramar, visto ser a entidade responsável pelas pescarias.
Quando o processo chegou às mãos do probo Ministro da Fazenda (designado Secretário de Estado), o 3.º Conde da Lousã, D. Diogo José Ferreira de Eça Meneses (1772-1862), que também desempenhava as honrosas funções de Presidente do Tesouro Público (cargos que ocupou até 1-8-1833), teve a dignidade de enviar, a 29-3-1831, ao 6.º Duque de Cadaval, D. Nuno Caetano Álvares Pereira de Melo, Ministro Assistente ao Despacho, isto é, chefe do governo de D. Miguel, o seguinte ofício, que vai desencalhar todo o processo:
«Illm.º e Exmº Sr. - Quando estava próximo apresentar a El Rey Nosso Senhor, para obterem a sua regia confirmação, os ultimos trabalhos sobre a propriedade dos Peixes chamados =Reaes= que os pescadores da Villa de Olhão da Restauração pertendem lhes seja concedida, acerca do que havia consultado o Conselho da Fazenda, em 12 de Fevereiro de 1828, reformando esta consulta em 27 de Agosto de 1929; a favor dos quaes já o mesmo Augusto Senhor Havia defferido permittindo que lhes pertencessem os Roazes que pescassem pagando por elles os competentes direitos; tive prezente o Real Decreto de 25 de Fevereiro proximo passado que declara serem da competencia da Secretaria d'Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar todas as dependencias relativas a Pescarias: nestes termos tenho a honra de passar às mãos de V.Excª na sobredita conformidade, as duas consultas pertencentes ao assumpto referido e hum Requerimento dos Supplicantes; assim como outros papeis que o Conselho da Fazenda juntou às ditas consultas sobre igual questão dos Pescadores da Povos de Varzim, a fim de que V. Excª se sirva de os apresentar de novo a S. Magestade para resolver como for do seu Real Agrado a similhante respeito.
Deus guarde a V. Ex Sec.Estado dos Negocios da Fazenda, 29 de Março de 1831 - Exmº Sr, Duque do Cadaval - Conde da Louzaa, D. Diogo». [ANTT, Ministério do Reino, Maço 421, cx. 527, nº(1831).
Até que, o governo miguelista aprovou a lei de 5-9-1831 que satisfazia os interesses de ambas as partes, isto é, atribuía um terço da venda das baleias e baleatos aos pescadores que as capturassem, deixando a venda dos Roazes e outras espécies designados por "Peixes Reais" reduzidas aos direitos legais (que eram mínimos ou nulos), exceptuando-se os casos em que sejam capturados nas praias situadas a cinco léguas da residência régia, o que seria também muito improvável de acontecer. 
Extratamos da «Gazeta de Lisboa», nº 238, de 8-10-1831, p. 987, a publicação da referida lei:
«Tendo sido presente a ElRei Nosso Senhor em Consulta do Tribunal do Conselho da Sua Real Fazenda de 12 de Fevereiro de 1828, reformada em 27 de Agosto de 1829, o Requerimento dos Pescadores da Villa d'Olhão, supplicando que lhes fosse considerada como propriedade sua todo o Peixe, que elles pescassem, sem excepção dos chamados Reaes, não obstante a disposição do Foral em contrario, pagando eles do mesmo Peixe sómente os devidos Direitos: Houve o Mesmo Augusto Senhor por bem tomar na dita Consulta a Real Resolução do theor seguinte:
Sou Servido Resolver, e Declarar: Que as Baléas, e-Baleatos, que os Pescadores apanharem no Mar, ou trouxerem mortos ás Praias de Meus Reinos, se arrematem para Nós, deduzindo-se do seu valor a terça parte para os Pescadores, que as epresentarem nas Praias. Os Peixes porém denominados Reaes, como Roazes, e outros, que são denominados com este titulo pelos Pescadores, serão conduzidos á Minha Ucharia, se Eu residir dentro de cinco legoas contadas da costa para a terra, ou lateralmente, em que aportar a Embarcação, que os conduzir; mas não residindo Eu dentro das cinco leguas, pagar-se-hão tão somente os Direitos, que se deverem pagar, sem mais Inposição; ficando assim livre o Peixe, 'a quem o pescou. – Palacio de Queluz, 5 de Setembro de 1831. – Com a Rubrica d’ELREI NOSSO SENHOR.»
Pela leitura do diploma oficial fiquei com mais dúvidas do que certezas, porque não resulta claro nem a percentagem nem o valor a pagar pelo resultado absoluto do pescado. Penso que a pesca da baleia estava há muito em decadência, senão mesmo desativada no Algarve, e as capturas tanto de baleotes como de roazes eram muito esporádicas, ocorrendo alguns casos na época do lançamento das armações do atum, ou seja, na primavera, quando os cetáceos se aproximavam da costa em busca dos tunídeos, e por isso ameaçavam causar estragos nas labirínticas redes das velhas almadravas.
O porto e alfândega de Olhão, com vários caíques
Só após a implantação do Liberalismo é que se revogaram todas as alcavalas e tributos que impendiam sobre as pescas, não só no Algarve como em todo o país, cessando os privilégios sociais como os direitos fiscais da Coroa, abolindo-se definitivamente os direitos fiscais sobre os chamados "peixes reais", que mais não eram do que os antigos tributos da baleação.
A petição dos pescadores do Compromisso Marítimo de Olhão, assim como todo o processo judicial que se foi construindo até à decisão final do governo, encontra-se à leitura pública no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, núcleo do Ministério do Reino, secção das Consultas da Fazenda, Maço 306, caixa 410.

sábado, 25 de maio de 2024

A ermida de S. Sebastião, em Tavira, uma joia do património artístico do Algarve

A pequena ermida de S. Sebastião em Tavira

Estive há pouco na cidade de Tavira, a deslumbrante Veneza do Algarve, num dia irisado pelo brilho das águas do Gilão, debaixo de um sol radioso que entorpece os corpos e acalma os nervos. No parapeito da ponte romana, lembrei-me dos emblemáticos versos de João Lúcio: «Oh meu ardente Algarve impressionista e mole, meu lindo preguiçoso adormecido ao sol». Os turistas enxameavam pela cidade numa azáfama de “selfies”, de souvenires e sorvetes, os modernos três Ss do atual turismo consumista, descaracterizado e ignorante, que nada tem que ver com os Ss de antigamente: Sun, Sea, Sand – sol, mar e areia. Os mais galãs trocavam o último S num outro sentido, que não vem agora a propósito.

Parede lateral da sacristia, decorada por Diogo Magina
Porém, o que de mais importante sobreveio da minha ida a Tavira, foi a feliz oportunidade de estacionar a viatura junto à Ermida de São Sebastião, que se encontrava aberta, num feliz e fresco refúgio da soalheira canícula. Como anfitrião encontrei uma figura típica da cidade, um santo homem que fez questão de me dizer que aquele era o mais belo templo sebastiânico do país. E, com efeito, também me pareceu, devido ao seu invulgar figurino decorativo, forrado integralmente em madeira pintada, ao estilo “tromp l’oeil” [engano de vista], naquilo a que se convencionou chamar pintura ilusionista, por dar a sensação de um revestimento marmoreado num requinte de pedra lavrada em aparatoso baixo-relevo, que não passa de um equívoco do olhar. Por outro lado, as paredes atapetadas de madeira num harmonioso primor artístico, além de reduzirem a frialdade da alvenaria também aumentam o conforto, no corpo e na alma, sendo esse o objetivo primacial do estilo barroco, isto é, dar à Igreja o bem-estar e a beleza da própria doutrina cristã.
O casamento de Maria e José
A ermida de S. Sebastião, em Tavira, julgo que remonta aos tempos medievais, embora das suas vetustas silharias já pouco reste, além dos caboucos alicerçais. A sua invocação ao mártir São Sebastião deve ter relação com os antigos surtos epidémicos, sezões palustres e contágios pestíferos, de que aquele santo era divino protetor. Nada mais natural numa cidade a cujo porto atracavam embarcações mercantis de todo o mundo, trazendo consigo os benefícios da prosperidade económica, acoplados aos malefícios virulentos da peste. É curioso que em Faro o nosso advogado da pestilência é o São Tomás de Aquino, que no séc. XVII, por causa da Grande Peste recebeu a invocação da própria cidade. Daí que, convém esclarecer, o S. Tomás seja o santo protetor de Faro e o S. Vicente o do Algarve. O São Gonçalo, que é o único algarvio, é o padroeiro de Torres Vedras, naquela asserção, tão popular quanto verdadeira, de que os santos da casa não fazem milagres.
O martírio de S, Sebastião
O estado atual da ermida de S. Sebastião é originário do séc. XVIII, datando de 1745 a sua reconstrução, pela mão dos mestres e artistas locais, que a reergueram em nave única, muito simples e humilde, com capela-mor para o santo e a sacristia para o padre, na qual resta ainda um belo arcaz de bom carvalho português e um metro de rodapé em azulejo azul e branco. A cúpula, sobre a capela-mor, e o frontão, sobre a porta de entrada, denunciam a época do Barroco.
Como se tratava de uma ermida, era sustentada por uma Confraria sob a invocação do santo mártir, cujos rendimentos se estribavam na feira anual de São Francisco, instituída por Filipe I em 1622, que durava três meses, a qual o povo sempre designou por Feira de Outubro. Era, por isso, o mercado mais importante daquela cidade por suceder à quadra do S. Miguel, pelo qual se pagavam todos os tributos.
Apresentação de Jesus aos doutores
O recheio da ermida é deveras surpreendente, até pela função narrativa dos painéis, três de cada lado, em avantajadas dimensões. A observação pictográfica dos painéis deve fazer-se como um exercício de leitura, ou seja, da esquerda para a direita. Os seis painéis talvez sejam da autoria de Simão da Fonseca Franco, por rondarem o ano de 1775. Mas, as madeiras que recobrem as paredes, assim como as almofadas em tela sobre a vida do santo, já são da autoria do célebre Diogo Magina, um dos maiores pintores de arte sacra do seu tempo, cujo ars facit data de 1759.
Anjo tocheiro de Diogo Magina
Assim, o painel de abertura, situado à esquerda de quem entra, representa a «Adoração dos Pastores», em óleo sobre tela, a que se segue, à direita, a «Apresentação de Jesus no Templo»; seguem-se na mesma sequência a «Visitação», o «Jesus entre os Doutores», a «Anunciação» e, o último à direita, «Casamento da Virgem», que me parece o mais original e inocente de todos, com o José a anelar o dedo de Maria, num ritual apócrifo, eivado pela diacronia da criação artística. Não conheço em parte alguma do país qualquer outra representação alusiva ao casamento de José com Maria.
Merecem especial destaque os dois tocheiros colocados no arco triunfal do altar-mor, que são, a par do santo, as únicas peças escultóricas ali existentes, marcadas pela sua belíssima expressão cenográfica, igualmente da autoria de Diogo Magina, que foi quem também pintou as dez telas, emolduradas em forma de janelão e óvulo barroco, ilustrativas da vida do santo.
Em suma, uma visita surpreendente e deveras proveitosa, que constitui caso único no nosso país, pela riqueza e valor do seu espólio artístico. Aconselho a todos os meus amigos, não só os residentes no Algarve, como os que porventura aqui venham passar as suas férias de verão, a fazerem uma visita à Ermida de São Sebastião, em Tavira, que se encontra aberta ao público toda a semana, no horário do costume, com entrada gratuita.

sábado, 16 de setembro de 2023

António Gomes Afonso, figura cimeira do desporto e do associativismo algarvio

Gomes Afonso, em 2002, numa reunião da AJEA, no Hotel
 Mónaco, vendo-se atrás dele a escritora Conceição Pires 
Foi com enorme consternação que recebi, no dia 8 de Setembro de 2023, a notícia da morte do meu bom amigo António Gomes Afonso, figura modelar de cavalheirismo, de cortesia, de delicadeza e urbanidade. Conheci-o, em Faro, praticamente desde a primeira hora em que me radiquei na capital do Algarve. Era já nessa altura, e estou a falar do final da década de setenta, aquilo a que se pode chamar uma figura pública da sociedade farense. Quando em 1982 o Dr. Joaquim Magalhães me convidou, em nome Rotary Clube de Faro, a proferir uma conferência sobre a «Algarviana», que acabava de entrar no prelo, teve a gentileza de me apresentar o António Gomes Afonso que, nas suas palavras e abalizado conceito, era um homem honestíssimo, moldado nos mais elevados valores da moralidade e da ética. Pude comprovar, ao longo de quarenta anos de franca e cordial amizade, a superioridade ética do seu comportamento cívico, a justeza dos seus atributos morais, a sua bondade e dedicação filantrópica aos mais desfavorecidos.
António Gomes Afonso, não era algarvio, porque nascera em Lisboa, mas tornou-se num indefectível farense desde que aqui chegou para cumprir o serviço militar. Em breve se apaixonaria pela sua querida Maria José, que também conheci muito bem, mulher bonita e inteligente, que se dedicou ao culto das musas com relativo sucesso. Faleceu há mais de uma década, deixando um vazio enorme na alma do Gomes Afonso, que foi superando a solidão com indisfarçável pesar. Julgo que tiveram uma única filha, que foi para Lisboa, onde concluiu os estudos superiores e se dedicou à docência.
Gomes Afonso na Ria Formosa, em 2016, numa visita de 
estudo promovida pelo Rotary Clube de Faro
O Gomes Afonso será para sempre recordado como um homem do desporto, um senhor do futebol algarvio, e um gentleman da sociedade farense, pelas diversas actividades sociais que desempenhou, em prol da cultura, do livre pensamento e do associativismo cívico. Quando jovem evidenciou uma especial afeição pelo futebol, mas como em tudo o que fez na vida nada mais quis do que ser útil, acabaria por seguir a carreira da arbitragem, que cumpriu durante muitos anos, sempre com isenção, imparcialidade e competência. Creio que em prestígio e sucesso, só o José Rosa Nunes teve uma carreira a nível nacional mais consagrada, com presenças em competições nacionais com grau de exigência máxima.
O primeiro emprego, e único que desempenhou até à aposentação, foi o de funcionário da extinta Direção Hidráulica do Guadiana, na qual viria a desfrutar da amizade do seu director, o engº Tito Olívio, o mais famoso poeta vivo do Algarve. É curioso que ambos engrandeceram com o seu desinteressado esforço a sociedade farense, desde os anos sessenta até aos nossos dias. Fizeram-no quase a par um do outro, por altruísmo de carácter, mas também por serem da mesma geração, a última que produziu cidadãos íntegros, honrados e virtuosos.
Gomes Afonso, saudando a bandeira nacional,
na sede do Rotary Clube de Faro, em 2020.
Aposentou-se ao cabo de quarenta anos, na antiga da Hidráulica do Algarve, onde sempre diligenciou servir o Estado e o interesse nacional, com proficiência e seriedade. Mas, a par da vida profissional, manteve assídua dedicação ao Sporting Clube Farense, no qual ao longo de cinquenta anos desempenhou diversas funções, nomeadamente o cargo de secretário-geral do clube, na intensão de ser útil e de assessorar os mais proficientes a desempenharem cargos de chefia. O Gomes Afonso, na sua educada humildade, não apreciava o protagonismo da ribalta, mantendo-se numa apagada, mas profícua, colaboração com as chefias do Sporting Farense, assim como doutras organizações sociais a que emprestou o melhor das suas competências. Atente-se, como exemplo, nos anos áureos de Fernando Barata, figura cimeira da hotelaria e do desporto algarvio, que após ser eleito Presidente do Sporting Farense, nomeou o Gomes Afonso como secretário permanente do clube, e seu braço direito, numa profícua cooperação de esforços que resultou na subida ao escalão maior do futebol nacional. E quando Fernando Barata saiu do clube, para assumir a presidência do Imortal de Albufeira, levou consigo o Gomes Afonso para conseguir alcandorar aquela agremiação a uma posição nunca antes atingida.
Gomes Afonso, ao lado de Helena Louro,
homenageado em 2022 pelo Rotary de Faro
Apesar de algumas desilusões e de escusadas ingratidões, Gomes Afonso nunca deixou de prestar o seu valioso contributo, desinteressado e gracioso, em prol do desporto algarvio. Nesse âmbito, ocupou-se durante largos anos como colaborador da Associação de Futebol do Algarve, primeiro como coadjuvante executivo, isto é, disponível para todo o serviço, e depois como relator dos processos disciplinares instaurados pela AFA aos atletas e dirigentes federados. Ninguém melhor do que ele para essas funções, em face da sua experiência como árbitro, dos seus conhecimentos directivos e jurídicos do futebol, e sobretudo do seu impoluto carácter de cidadão probo e honrado.
Para além disso, e ainda no campo desportivo, não podemos olvidar a sua prestimosa colaboração como dirigente de outras coletividades e associações distritais ligadas às modalidades amadoras, de entre as quais importa destacar o seu esforço para a reafirmação da Associação de Boxe do Algarve, na qual conseguiu reorganizar a situação contabilística e fiscal, permitindo que a mesma pudesse voltar a receber apoios e subsídios estatais. Destaco também o seu esforço e dedicação em prol do desporto juvenil, organizando sucessivos torneios de futsal no Jardim da Alameda, onde durante o verão conseguiu atrair a juventude para o desenvolvimento de actividades saudáveis, desviando assim os jovens dos perniciosos vícios da ociosidade.
No plano social importa lembrar que Gomes Afonso desenvolveu também um importante papel de cooperação em actividades culturais, associativas e de lazer social. Entre outras destaco o seu papel na Associação Filarmónica de Faro, fundada pela Câmara Municipal, em Junho de 1982, na qual conseguiu reunir um conjunto de pessoas que encontraram na música um sentido especial para o entendimento das suas vidas. Foi também pela sua dedicação e esforço que a Associação Filarmónica de Faro recebeu em 1998 o Estatuto de Utilidade Pública, e em 2003 a Medalha da Cidade de Faro, grau Prata.
Última homenagem que o Rotary Clube de Faro prestou ao
seu dedicado secretário-geral António Gomes Afonso
Também não podemos esquecer que em 1976, Gomes Afonso tendo em vista a promoção da leitura sugeriu a criação da primeira Feira do Livro de Faro, ao presidente da edilidade de então, Eng,º Joaquim Lopes Belchior, um homem de aparência rude na qual se escondia um espírito de eleição, pela sua inteligência e cultura. A Feira do Livro teve lugar no Jardim Manuel Bivar, e os proventos daí resultantes revertiam a favor da Misericórdia de Faro. Desde então este importante certame cultural tem-se realizado sem interrupção, e ainda hoje constitui um dos principais eventos culturais do município farense.
Mercê do seu bom carácter e honestidade, Gomes Afonso sempre se disponibilizou a colaborar com as organizações associativas locais, sendo o Rotary Clube Faro a principal a que emprestou os melhores anos da sua longa vida. Quem, como eu, privou de perto com o Rotary, sabe perfeitamente que o Gomes Afonso fazia tudo o que fosse preciso, sem dar nas vistas nem pedir os louros do sucesso. Era a modéstia em pessoa. Por isso, os rotários como representantes da competência profissional e da filantropia social, decidiram num acto de plena justiça nomeá-lo secretário-permanente e sócio honorário do Rotary Clube de Faro. Na verdade, ninguém melhor do que o António Gomes Afonso reunia na alma o espírito benemerente que insuflou vida àquela organização: “Dar de si sem antes pensar em si”. Ele foi assim toda a vida, dava o melhor de si sem nada receber em troca, e disso tenho provas quando comigo colaborou na realização de alguns eventos promovidos pela AJEA – Associação dos Jornalistas e Escritores do Algarve.
Em reconhecimento dos serviços prestado à cidade, a Câmara Municipal de Faro conferiu-lhe a Medalha de Dedicação ao Município de Faro – Grau de Ouro.
António Gomes Afonso, faleceu no dia 8 de Setembro de 2023, aos 95 anos de idade. A sua alma repousa na mão direita de Deus Pai, ao lado dos homens justos que praticaram o bem-comum.
As cerimónias fúnebres decorrem na próxima segunda-feira, dia 11, a partir das 10h00, na Igreja do Convento de Santo António dos Capuchos, em Faro, junto ao quartel da GNR. O funeral sai à 15 horas para o Cemitério da Esperança, em Faro.
Resta-me apresentar a sua filha, e restante família enlutada, as minhas sinceras condolências pela insubstituível perda de um homem bom, generoso e íntegro.

domingo, 29 de janeiro de 2023

Um epitáfio para João de Deus

O poeta das crianças - na sua efígie coroada de louros
 e na evocação da sua Cartilha Maternal - foi aproveitado
 para diversos fins, nomeadamente publicitários, como
 aqui se comprova nesta lindíssima caixa de bolachas.
O poeta João de Deus, ainda novo,
 numa pose de burguês, muito adversa
 à sua mentalidade de homem do povo.
Falei aqui, há bem pouco, do "poeta das crianças", João de Deus, nascido na ridente, e hoje prospérrima, aldeia de São Bartolomeu de Messines, no histórico concelho de Silves. Disse que estava o seu féretro depositado no Panteão dos Jerónimos, todavia o seu desejo seria ficar sepultado ao lado dos pais na sua aldeia natal. É essa derradeira vontade que transparece, cristalina e indubitável, no seu magistral poema "Pátria", do seu imortal e inigualável, «Campo de Flores», 5.ª ed., Lisboa, Liv. Aillaud e Bertrand, s/d, tomo I, p. 313.
Aqui vos deixo na íntegra esse belíssimo poema, do qual ressalto o último verso, que o meu amigo João Leal, decano dos jornalistas algarvios, tanto gostava de evocar nos seus arrebatantes discursos:
Casa onde passa por ter nascido o poeta, na sua aldeia
 natal de São Bartolomeu de Messines. A imagem de
 humildade que dela transparece está bem de acordo
 com o espírito do poeta, razão pela qual foi muito
 aproveitada pelo Estado Novo.

Como o pródigo volta ao lar paterno
Desenganado do que em vão procura,
Eu já desfalecido nesta lida
De sonhos sobre sonhos de ventura,
Desejava dormir o sono eterno
Abrindo junto ao berço a sepultura!
Fechar em suma o círculo da vida
No saudoso ponto de partida!

Chegado pois. Senhor, aquele dia
Que se me apague a luz que me alumia,
Deixai-me descansar onde repousa
Meu santo pai, e sua terna esposa
— A minha santa mãe!
Ser-me-à assim mais leve a fria lousa...
Que a terra onde se nasce é mãe também!

sábado, 21 de janeiro de 2023

Efemérides do Algarve – 15 de Janeiro

Pesca do Coral, gravura antiga
1450 – O rei D. Afonso V, concedeu licença por cinco anos, ao seu tio, Infante D. Henrique “o navegador”, para explorar a pesca de coral na costa algarvia.
Sabemos que a pesca do coral vermelho, se exercia no Algarve desde as colonizações púnica e árabe. Mas, a partir do domínio cristão deve ter-se extinguido. Estranhamente, no século XV, voltou a ser explorada nas costas do Algarve. Sabemos disso através de uma carta do Cabido da Sé de Silves, datada de 16-04-1462, para o rei D. Afonso V, a queixar-se de um tal Carlos Florentim [ou florentino], residente em Lagos, que tendo extraído muito coral não quisera pagar o dizimo àquela diocese, razão pela qual foi excomungado. A partir daí a pesca do coral morreu. Mas, em 1711, surgiu um alvará concedido por três anos a Vicente Francisco, para retomar a actividade, dizendo, porém, «que nas costas do reino do Algarve houvera antigamente pescaria do coral, a qual se perdera por incúria dos homens, ou por falta de cabedais». Não deve ter alcançado sucesso, porque o assunto da pesca do coral silenciou-se definitivamente.
O que resta do edifício do Compromisso Marítimo de Lagos
1749 – O rei D. João V passou uma Provisão para reverter a designação da Irmandade do Corpo Santo dos pescadores e marítimos de Lagos, fundada por D. Manuel I, para Compromisso Marítimo de Lagos. O Estado Novo através da Lei n.º 1953, de 11-3-1937, transformou os antigos compromissos em Casa dos Pescadores. Após o 25 de Abril, o Decreto-Lei n.º 49/76 de 20-1-1976, alterou a sua designação para Caixa de Previdência e Abono de Família dos Profissionais de Pesca.
1773 – O rei D. José I assinou nesta data a criação da Companhia das Reais Pescarias do Algarve, concedendo-lhe o exclusivo da pesca do atum e da corvina por um período de doze anos. Os privilégios da Companhia foram sendo sucessivamente renovados, por períodos de dez anos, para favorecer a pesca do atum, cujos rendimentos eram avultadíssimos. Com o advento do Liberalismo os privilégios de exclusividade foram suprimidos em 1835, e a velha empresa pombalina alterou a sua designação para Companhia de Pescarias do Algarve.
Por outro lado, as suas zonas de exploração exclusiva da pesca do atum, pelo método de cerco (armações ou almadravas), foram sorteadas e concessionadas às empresas que as disputaram em concurso, nomeadamente a Companhia de Pescarias Lisbonense, para a faina nas praias de Faro e Tavira (atum de direito), e em Portimão e Lagos (atum de revés). Com a Regeneração e a vigência do Fontismo, abriu-se caminho à implantação do Capitalismo no nosso país, razão pela qual se refundou o capital social da Companhia através da sua subscrição pública por acções, com benefícios e distribuição anual dos lucros aos accionistas. A fundação da Companhia serviu de propósito à edificação de Vila Real de Santo António, onde primeiramente ficou sediada, passando no início do século seguinte para Faro, encontrando-se actualmente com sede oficial no porto de pesca de Olhão. Apesar de nos finais da década de oitenta do século XX, ter estado quase insolvente, o certo é que conseguiu subsistir até hoje, através de uma profunda remodelação. Seguindo os caminhos da modernização, deixou a faina pesqueira para se dedicar à aquacultura “offshore”, isto é, à criação piscícola em mar aberto, técnica em que foi pioneira no nosso país, dedicando-se actualmente à produção de bivalves, nomeadamente de mexilhão, ostra e vieira, sem esquecer a amêijoa e o berbigão. No contexto do tecido empresarial português, a Companhia de Pescarias do Algarve é certamente a mais antiga, cujas raízes históricas têm merecido a atenção de muitos investigadores nacionais e estrangeiros.

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Efemérides Algarvias – 11 a 13 Janeiro

O poeta João de Deus, com os seus filhos, vendo-se
 a esposa na varanda fronteira à sua casa de Lisboa
11 de Janeiro de 1896 – morre em Lisboa o poeta João de Deus, consagrado na memória lusíada com o epíteto de “poeta das crianças”, por ter dedicado grande parte da sua vida à invenção de um método pedagógico de leitura, para ser utilizado no ensino primário. Era algarvio, natural de São Bartolomeu de Messines, e tinha a bonomia prazerosa das gentes meridionais. Os amigos, que os teve em grande número, descreviam-no como homem ponderado, de voz macia e dócil, com raras exteriorizações da gloriosa auréola de pândego, que o tornaram famoso nos dez anos que demorou a concluir o curso de Direito, em Coimbra, tantos quantos demorou Agamémnon a conquistar Tróia – dizia em amena galhofeira o então jovem poeta.
O poeta caricaturado por Bordalo Pinheiro
João de Deus, que é hoje um verdadeiro “Pai da Pátria” – e por isso repousa no panteão dos Jerónimos – foi um homem bom, generoso, sério e honrado, um grande talento nacional, sempre lembrado como o poeta do «Campo de Flores» e o pedagogo da «Cartilha Maternal», cujo método de leitura ajudou sucessivas gerações de crianças pobres a saírem da aviltante situação do analfabetismo e, por isso, submissas vítimas da desumana exploração que se viveu nos campos e nas fábricas deste país. Na batalha da educação nacional e na guerra contra o obscurantismo, João de Deus foi um verdadeiro herói, um grande português a quem presto nesta singela evocação a mais sentida homenagem.
13 de Janeiro de 1754 – A faixa costeira algarvia, desde a ponta de Sagres até Tavira, foi assolada por um violento furação, com ventos fortíssimos, que se presume, pelos estragos causados, serem equivalentes às rajadas de duzentos km/hora que hoje se verificam em iguais cataclismos. Acresce que a este ciclone sucederam chuvas torrenciais, que pioraram a situação de habitabilidade nas casas térreas, as quais na freguesia de S. Pedro correspondiam à principal mancha urbana, visto ser uma área habitada maioritariamente por pescadores e gente pobre da cidade.
Igreja de S. Pedro em Faro, vendo-se a torre que caiu
Por isso, foi em Faro, que se registaram os estragos mais avultados, com destelhamentos e derrocada de casas, nomeadamente a torre da Igreja de S. Pedro, cujo desabamento sobre os casebres vizinhos, causou colossais prejuízos. A perda de vidas parece, todavia, ter sido muito significativa nas Terras do Cabo, correspondente ao antigo concelho de Sagres cuja quebra demográfica justificaria a sua extinção em 6-11-1836, com a reforma administrativa de Passos Manuel, a mesma que abateu o Reino do Algarve, dando lugar ao distrito de Faro. Já agora, acrescento que a histórica vila de Sagres andou em sucessivas bolandas administrativas. Primeiro foi a sua transmutação em 1836 no concelho Vila do Bispo, depois passou em 1855 para o de Lagos, recuperando a sua autonomia em 1861, voltando em 1895 a ser reanexado ao de Lagos, até que em 1898 seria definitivamente restaurado, na sua designação e território.
13 de Janeiro de 1904 – Estabeleceu-se o contrato entre o Governo e a firma «Macieira & Filhos» com vista ao restabelecimento das carreiras regulares por via marítima, entre Lisboa e o Algarve, com escala em Portimão, Faro e Vila Real de Santo António. Este contrato foi decisivo para o desenvolvimento económico do Algarve, já que as comunicações por terra se resumiam praticamente ao caminho de ferro, que só chegaria à foz do Guadiana em 1906. Os transportes de mercadorias, por grosso e em larga escala, só eram economicamente viáveis por via marítima, que permitia a trasfega no porto de Lisboa para os diversos mercados da Europa. Além disso, as principais empresas comerciais do trato internacional, sediadas no Algarve, eram estrangeiras, de origem inglesa, francesa, espanhola, italiana, etc.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Benfica-Sporting, farsa em um acto

A propósito do dérbi que se disputou esta semana na capital, entre o Benfica e o Sporting, lembrei-me de trazer aqui à colação dos meus leitores, a existência de um raro folheto, que guardo ciosamente na minha «Algarviana», intitulado Benfica-Sporting – Farsa em um Acto, da autoria de António Augusto dos Santos, editado em 1958 na velha tipografia União, propriedade da diocese de Faro.
O autor, que conheci muito bem, era então um jornalista da velha guarda, culto e inteligente, cavalheiro educado, gentil e sempre bem vestido, ao estilo britânico. Era alto, de recorte atlético, seco de carnes com voz de tenor, que se curvava ou descobria a cabeça, sempre que se cruzava com gente da sua privança. E do seu trato comum, a bem dizer, era só gente grada. O que não era o meu caso, visto ser então um jovem obscuro, ao contrário dele, que era um respeitável ancião. Ainda assim, tínhamos amigos comuns, como o Aníbal Guerreiro, antigo jornalista e um dos mais prestigiados empresários de Faro, o João Leal, hoje decano da imprensa algarvia, o Dr. Joaquim Magalhães, antigo reitor do Liceu, o Dr. Pinheiro da Cruz, professor da Tomás Cabreira, o Brito Figueiras, um gentleman que servia de mestre de cerimónias nos eventos da cidade, e tantos outros, que à memória não afluem neste instante.
O certo é que, por via da nossa frequência nas colunas dos jornais, tornamo-nos amigos com direito a cordiais cumprimentos e breves palavras de circunstância, porque a diferença de idades e estatuto de cidadania faziam-me muito pequeno a seu lado, mais do que a sua estatura física permitia aquilatar.
A única forma que tive de o compensar pela admiração que lhe dedicava, foi ter-lhe atribuído há cerca de dez anos, como membro da Comissão de Toponímia de Faro, uma praceta com o seu nome, algo distante do centro da cidade, é certo, mas ainda assim na freguesia de São Pedro, de que foi devoto e tanto acarinhou enquanto munícipe. A sua biografia, que anexo no final desta breve evocação de António Augusto Santos, escrevi-a para o meu «Dicionário dos Jornalistas e Colaboradores da Imprensa Algarvia», que permanece ainda inédito, e certamente assim permanecerá até ao fim dos meus dias.
António Augusto Santos
Resta-me acrescentar que esta “farsa em um acto” sobre uma suposta final da Taça de Portugal em 1958, não pretendia, segunda as palavras do próprio António Augusto Santos, caricaturar ninguém em particular, e muito menos os clubes em contenda, pelos quais tinha o maior apreço. Apenas escolheu os clubes da capital por serem os mais populares, e os que congregam, ainda hoje, mais adeptos. A peça só tem dois personagens.
Um é material, aqui designado como “T.S.F.”, que se percebe ser um rádio (ou telefonia, como se diz no Algarve), que o cidadão remediado possuía na sala de visitas para ouvir as notícias, as variedades ao almoço, os parodiantes de Lisboa, o folhetim radiofónico, e, aos domingos, o sacramental relato da bola, que entre as 15 e as 17 horas fazia as delícias e arrelias dos bons chefes de família.
O outro é físico, designado como Pedro Lagarto Verdelhão, de 45 anos de idade, identificado no texto simplesmente como “Lagarto”. Sem constituir uma personagem, aparecem também no meio da peça as interjeições da “Família”, que se presume ser a voz da esposa do “Lagarto”, pronunciada numa outra sala da casa, perguntando-lhe o resultado, se foi golo e de quem, ou, quando este grita com maior veemência, mandando-o calar porque o Zéquinha está prestes a pegar no sono. Ainda por cima a “Família” trata-o por “Lagartinho”, o que é de arrancar os cabelos.
A farsa em si, ocupa catorze páginas de um denso diálogo, entre os dois personagens, pronunciado na intimidade das paredes do lar, entre o “Lagarto” que critica a tácita e as escolhas do treinador, que desconfia da verdade desportiva, e que, por fim, vocifera contra o árbitro em desaprovação das suas decisões. Por vezes chama-lhe bandido, gatuno, urso de pelo… até chegar ao ponto de lhe desejar a morte. Como se percebe, o personagem físico é um sportinguista ferrenho, diria antes fanático, que deposita as suas esperanças nos violinos comandados pelo Peyroteo. O Sporting termina a primeira parte a vencer por 3-1, mas na segunda o Benfica, com Arsénio e Corona em destaque, chegou ao empate. Para desespero do Lagarto, que ouve pela rádio as incidências do desafio, o árbitro parece ter sido o culpado do triste desenlace, já que anulou aos 95 minutos um golo ao Sporting, prolongou a contenda até aos 112, altura em que Jesus Correia do Sporting centra para a área e Félix, defesa do Benfica, corta a bola com a mão. Penalti grita o povo, mas o árbitro fez “vista grossa” e deu por encerrada a contenda. O público insurge-se nas bancadas, mas a polícia e a guarda republicana “puseram termo ao conflito distribuindo «mãozinhas» de cavalo à portuguesa”.
Enquanto as equipas descansam por dez minutos até se reatar a partida com um prolongamento, o árbitro faz declarações à rádio para justificar as suas polémicas decisões. Mas, quando o árbitro teve o desplante de confessar à antena: “Neste 2º tempo, o Benfica, sabe… jogou mais”. Aí foi longe de mais, e o “Lagarto” não se conteve, caindo sobre ele a pés juntos esmagando-o numa ânsia de vandalismo: “Ah gatuno que ainda tens arrojo de falar desse modo”. E pronto, acabou-lhe com as válvulas, com o apito e com o pio. O prolongamento e o resultado final é que jamais saberemos, porque a TSF ficou em cacos aos pés do Lagarto.
Frontespício do folheto
Depois de ler esta “farsa” percebi o talento e as intenções do António Augusto Santos, ao caricaturar as dores e o sofrimento mental dos adeptos de futebol, perante as incidências dramáticas do nosso desporto rei, colocadas nas mãos de um único juiz, de que todos desconfiam, quer da competência quer sobretudo da isenção e honestidade. A ironia é um dos principais condimentos literários desta peça, a outra é a crítica exasperada à nossa proverbial desconfiança da integridade moral de quem decide, de quem ajuíza, face à paixão e fanatismo que caracteriza o adepto de futebol. Acrescento, porém, que para as gerações actuais deve ser difícil perceber quem foram os jogadores aqui citados, porque já todos faleceram, embora deva dizer que se fossem hoje atletas do Benfica e do Sporting, seriam dos melhores entre os melhores do mundo. Disso não tenho a menor dúvida.
Termino com esta saborosa descrição do cenário em que decorre a farsa «Benfica-Sporting»:
«Escritório em estilo Peyroteo, com o que há de mais requintado em Azevedo I. Estante, floreiras, cadeiras e secretária em estilo Jesus Correia. Carpete com um grande leão ás listas – o que há de mais Travassos II. Telefonia da marca R.A.D.I.O… . Sobre um sofá, um violino que não é propriamente um Stradivarius, mas uma recordação saudosa da velha orquestra de Alvalade. Albano e os restantes companheiros de equipa, não foram esquecidos. Vemo-los por todos os ângulos do escritório, dispostos aos pares em escalas diversas…»
Ah, já me esquecia de dizer, nesse ano de 1958 quem ganhou a Taça de Portugal foi o meu F. C. do Porto, que derrotou o Benfica por 1-0.
A biografia de António Augusto Santos poderá ser consultada, e descarregada, no meu blogue «Algarve - História e Cultura», através do seguinte link: 
http://algarvehistoriacultura.blogspot.com/2023/01/antonio-augusto-santos-jornalista-poeta.html

domingo, 30 de janeiro de 2022

Honorato Santos, um ignorado historiador do Algarve

 Investigador e publicista, Honorato Artur Pires da Silva Santos, de seu nome completo, nasceu em 1879, na cidade de Faro, mais propriamente na belíssima casa do Cercado da Atalaia, que lhe pertencia e que ainda conheci, naquele peculiar traço arquitectónico genuinamente algarvio, mas que julgo ter sido expropriado para expandir a cidade, erguendo-se no seu lugar uma daquelas inestéticas torres habitacionais, uma “caixotada” de betão, muito similar a pombais humanos. Quando a filha, a Dr.ª Mariana Santos, foi viver para Coimbra e depois para Lisboa, resolveu acompanhá-la e aí continuar as suas aturadas pesquisas sobre o passado histórico do Algarve, tornando-se por essa razão num assíduo frequentador da Biblioteca Nacional e da Torre do Tombo. Faleceu em Lisboa, no amparo da sua única filha, a 4-2-1968, com quase 89 anos de idade.
Era um cidadão muito estimado e bastante respeitado entre os seus conterrâneos, mercê da sua finíssima educação e lhaneza de trato, assim como pela consideração social a que os seus razoáveis bens de fortuna davam plena justificação. Possuía uma privilegiada memória, era inteligente, perspicaz e persistente na sua avidez pelo conhecimento. Tornou-se conhecido pela sua natural apetência para a música, sendo um apreciado instrumentista de piano, frequentador das nobres tertúlias citadinas que se reuniam nas casas mais abastadas para cultuarem a arte de Orfeu.
Mais insaciável do que a música era a sua curiosidade em aprender a razão de ser das coisas, quer da simples agricultura até aos mais avançados segredos da ciência. Interessava-se por tudo. Porém, eram as coisas do passado que mais prendiam a sua atenção. Desde as famílias nobres até aos heróis populares, que se haviam distinguido ao longo dos séculos; desde os vestígios das mais antigas ocupações humanas até aos mais nobres edifícios do Algarve, tudo isso o interessava e lhe ocupava as horas de descanso para aprender e saber sempre mais. Tanto em Faro como em Olhão o nome do Honorato Santos era sinónimo de louvável dedicação à leitura, de rara persistência ao estudo e de forte apego à investigação histórica. As centenas de nótulas e pequenos artigos sobre “Velharias Históricas do Algarve” valeram-lhe a nomeação para o Instituto Arqueológico do Algarve, que era aliás o único título de que se orgulhava, e do qual fazia alarde nos seus cartões de visita.
Desempenhou diferentes cargos públicos na cidade de Faro, nomeadamente na Fazenda Pública, na Câmara e na Junta Escolar de Faro. Também dava aulas particulares de piano para jovens iniciados nos segredos da arte de Orfeu.
Não sei porque razão era vice-cônsul honorário da Bolívia em Faro, mas desconfio que fosse derivado das suas relações de amizade com algumas famílias ligadas ao negócio de exportação de frutos secos, cortiças, azeite e outras mercadorias regionais.
Entre os cargos que graciosa e honradamente desempenhou, destaca-se a de Sindico da Ordem Terceira de S. Francisco de Faro, prestando relevantes serviços de assistência social, no combate à indigência e no auxílio à saúde pública.
Em livro, com letra de imprensa, nunca deu à estampa nenhum dos seus trabalhos. É certo que tudo o que escrevia era bastante sintetizado, pequenas súmulas sobre pessoas e factos, instituições e monumentos do passado histórico algarvio. No fundo eram apenas curiosidades que se tentavam aclarar, resumos de teses elaboradas por autores consagrados, compilações de citações avulsas, transcrição de documentos publicados em obras raras, enfim um caudal de “coisas e loisas”, uma espécie de bric-à-brac da História do Algarve. Nunca escreveu uma obra de fundo, com verdadeira importância para o avanço da historiografia nacional. A maioria desses estudos, ou pequeníssimas monografias, “editou-as” ele em curiosos caderninhos manuscritos, guarnecidos com belas molduras geométricas, de cornucópias e arabescos coloridos, ilustrados com o brasão de Faro, esquissos de monumentos e outros desenhos, a maioria dos quais muito infantis e meramente decorativos. Esses “canhenhos” de notas históricas - encapados em papel de fantasia com motivos florais, ou em papel vegetal de diferentes cores – “editava-os” em várias cópias manuscritas, oferecendo-os ainda em vida aos amigos e familiares, encontrando-se hoje dispersos pelas bibliotecas regionais, pelas livrarias particulares de alguns bibliófilos (como é o meu caso) e até pelos alfarrabistas, que os vendem como preciosidades da historiografia regional. Os exemplares que possuo estão datados de Lisboa na década de cinquenta, mas tenho um exemplar sobre o brasão de Faro datado de 1941.
Guardo esses exemplares com enorme carinho, como se fossem raros espécimes bibliográficos, tendo por eles uma grande estima e sentimento de preservação, não só por serem manuscritos da sua própria mão, numa caligrafia muito redonda e regular, própria de um copista conventual, como também pelo facto de sentir que neles pulsa ainda, no seu vigor natural, a personalidade e o belo carácter do cidadão exemplar que foi Honorato Santos. Não sendo iluminados, como os velhos «Livros de Horas», contém também lindos desenhos de flores, borboletas, joaninhas, anjinhos, enfim, inocentes figuras decorativas com que ilustrava e enriquecia os seus humildes apontamentos, compulsados nos seus "infantis" cadernos. Esses curiosos estudos de Honorato Santos, embora sejam uns subsídios da história, algarvia redigidos com extrema humildade por quem não se sentindo um investigador gostava, porém, de dar pública notícia das suas incursões pelas bibliotecas e arquivos nacionais, aonde a esmagadora maioria dos seus comprovincianos nem sonhava vir a frequentar. Refiro-me à Biblioteca e Arquivo Histórico da Universidade de Coimbra, à Biblioteca Nacional e à Torre do Tombo, locais de culto da erudição nacional, que, em longas e determinadas épocas, foram uma espécie de segunda residência do Honorato Santos.
No fundo são preciosidades da esmerada generosidade e amor regionalista deste farense, hoje tão injustamente esquecido, cuja filha, a Dr.ª Mariana Santos, foi digna herdeira ao tornar-se bibliotecária-arquivista na Universidade de Coimbra e no Palácio da Ajuda, procedendo a aturadas investigações sobre a história da cultura e da filosofia portuguesa.
Creio que a estreia do Honorato Santos como colaborador da imprensa algarvia se terá efectuado nas colunas de «O Heraldo» de Faro, logo depois da implantação da República. Em «O Algarve», também de Faro, publicou dezenas de pequenos artigos sobre história local, etnografia e literatura algarvia. Mas foi no semanário «Correio do Sul» que mais se distinguiu, quando em 18-11-1928 iniciou a publicação da secção “Coisas Antigas do Algarve”, na qual deu a público centenas de nótulas sobre os mais diversos factos históricos e os mais relevantes monumentos da região.
Para futuras pesquisas da sua obra completa, devemos acrescentar que Honorato Santos, como emérito estudioso da história algarvia, colaborou nos seguintes órgãos da imprensa regional: «O Algarve» (1908), «Alma Luzitana» (1919), «Correio do Sul» (1928) «Anais do Município de Faro» (1969), neste caso já a título póstumo, com a edição pública e em primeira mão da pauta musical da "Valsa Faro" que compôs em honra da sua cidade natal.
Foi casado com D. Palmira Rita Machado Gonçalves dos Santos, falecida em Lisboa a 1-1-1945 e de quem teve, como já se disse, uma única filha, a Dr. Mariana Amélia Machado Santos, que além de ter sido assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e autora de valiosa obra científica na área das ciências sociais e humanas, seguiu depois a carreira de bibliotecária-arquivista na Biblioteca Nacional de Lisboa.