Trago hoje a terreiro a notícia
de se haver publicado, em 1681, um notável Sermão pronunciado na sé de Faro, por
um ilustre, mas quase desconhecido franciscano, que dava pelo nome religioso de
Frei Francisco de Santo Ambrósio. Confesso que pouco sei acerca do seu trajecto
de vida, que deve ter percorrido com extrema humildade. O que dele conheço são uns
breves fogachos referenciados oficialmente no seu desempenho eclesiástico. Assim,
toda a gente sabe que o nosso Frei Ambrósio professou na Ordem de S. Francisco,
na Província da Piedade, na qual se integrava o sul territorial, sendo por isso
de admitir que se não nasceu no Algarve era provavelmente alentejano. Todavia,
nada nos pode asseverar certezas, visto serem demasiados os casos que excedem e
contrariam este raciocínio. Sei também que foi «religioso observante», isto é,
pertencia às chamadas OFM (Ordem dos Frades Menores), que neste caso era a dos
Frades Franciscanos Observantes, com regra simplificada pelo Papa Leão XIII (das
Reformas1368 e 1897, cujo hábito era castanho com capuz curto). Os religiosos
observantes eram mais populares, porque embora fizessem voto de pobreza, castidade
e obediência, não estavam obrigados à reclusão conventual, andando por isso na
“observação do mundo”, isto é, andavam na rua, colaborando com as populações em
diversas actividades assistenciais. Por isso é que os seus conventos eram normalmente
dentro das cidades para melhor interagirem e cooperarem com as populações
urbanas, mais atreitas aos pecados mundanos e mais carecidas de assistência
moral e religiosa.
Sabemos também que foi
«Qualificador do Santo Ofício», isto é que foi agente especializado na censura
de obras literárias e na pesquisa de ideias, atitudes e gestos que contrariassem
a pureza da religião Católica Apostólica Romana. Os Qualificadores eram odiados
dentro e fora da Igreja, porque deles partia a denúncia para do Santo Ofício.
Na vida civil o seu equivalente eram os «Visitadores de Naus», agentes da
autoridade que fiscalizavam as mercadorias que chegavam nos barcos estrangeiros
para impedirem a entrada de livros e de folhas volantes que propagassem as
ideias protestantes.
Além de censor foi também Guardião,
isto é, frade superior ou principal dirigente, dos Conventos de S. Francisco de
Xabregas, da Cidade de Évora, da Vila de Odemira e da Cidade de Faro. Foi
também Examinador, isto é, fazia a selecção dos melhores noviços conventuais
para prosseguirem a vida religiosa, mas também fazia de analista ou avaliador
sinodal. Foi, por fim, Confessor penitenciário do Bispado do Reino do Algarve e
Confessor do Real Convento das Religiosas Flamengas de Alcântara, o que
significa que superintendia no exercício sagrado da confissão aos sacerdotes,
frades e freiras. Acima de tudo o nosso Frei Ambrósio, apesar dos cargos
exercidos, nunca deixou de ser um simples Assistente no Convento de S.
Francisco, em Lisboa. Por fim sei que faleceu no ano de 1700.
Da sua obra aqui ficam as
referências de tudo o que veio a público, o que não sendo muito pode porém
considerar-se notável, pois que a imprensa nessa época era um luxo e a edição
em letra de forma, de um livro ou de um simples opúsculo, como era o caso dos sermões,
dava ao seu autor uma reputação de que poucos se podiam vangloriar. Da sua
lavra apenas possuo um raro exemplar do:
SERMAM DA GLORIOSA MADRE S.
CLARA PREGADO NO CONVENTO DAS Religiosas de sua primeira regra da Assumpçaõ da
Cidade de Faro; estando o Santissimo Sacramento manifesto. OFFERECIDO A SENHORA
SOROR THEREZA MARIA DE JESUS, FILHA DO EXCELENTISSIMO SENHOR DVQVE DE CADAVAL.
NO REAL CONVENTO DAS RELIGIOSAS Capuchas da primeira regra da gloriosa madre S.
Clara, de N. Senhora da Quietaçaõ das Flamengas de Alcantara. PELLO R. P. FR.
FRANCISCO DE SANTO AMBROSIO CONFESSOR DO dito Convento, Religioso observante da
Provincia dos Algarves. Lisboa, Com as licenças necessárias, Na Impressaõ de
Antonio Craesbeeck de Mello, Impressor da Casa Real, Anno 1681, [2], 3-21, [1]
p. (Na Biblioteca tem a cota: BN TR. 562410 P.)
A edição foi patrocinada, como
facilmente se depreende, pelo Duque de Cadaval (D. Nuno Álvares Pereira de Melo),
certamente por instância da sua filha, que estava internada como religiosa
professa no Mosteiro das Flamengas de Alcântara, onde aliás era confessor
precisamente o xabregano Frei Francisco de Santo Ambrósio. Desse respeitoso
relacionamento, e da admiração que sentia pelo talento do seu confessor, surgiu
certamente o pedido de publicação. Acrescente-se, conforme consta no citado
opúsculo, que este sermão disserta sobre o tema "Ave Maria // Simile erit
regnum Caelorum decem Virginibus: quae accipientes lampades suas exierunt
obviam sponso & sponsae. Math. Cap. 25" (Ave Maria // o reino dos céus é
como as dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo
e da noiva. Mateus, cap. 25).
Confesso que tive a paciência de
ler este sermão na íntegra, mas a experiência não me deixou seduzido a
prosseguir a sua obra. A teologia não é seara de fácil penetração, ao contrário
do que muita gente pensa. Em todo o caso, este espécime bibliográfico é
bastante raro, embora seja obrigado a reconhecer que existem alguns exemplares
em Portugal e no Brasil. Possuo outros sermões proferidos no Algarve da autoria
de diferentes presbíteros, acerca dos quais devo aditar que são geralmente mais
pequenos e mais acessíveis, nas asserções teológicas e filosóficas, dos que os
de Frei Francisco de Santo Ambrósio.
Do mesmo Frei Ambrosio conheço um
outro sermão com interesse regional, e que espero venha a figurar na Algarviana,
o qual, a título de curiosidade, passo a citar:
SERMAM DO
PRINCIPE DA IGREJA MEU SENHOR S. PEDRO PREGADO NA SANTA SEE DA CIDADE DE FARO.
PELO R. P. FR. FRANCISCO DE S. AMBROSIO. Religioso observante da Provincia dos
Algarves. SENDO GUARDIAM DO NOSSO PADRE S. FRANCISCO Da mesma Cidade.
OFFERECIDO AO ILLUSTRISSIMO SENHOR MARCELLO DURASSO ARCEBISPO DE CALCEDONIA, E
NUNCIO Apostolico cõ poderes de legado a Latere nos Reynos de Portugal. Imprenta
Antonio Craesbeeck de Mello, LISBOA, 1681. Descrição: 1 fl. prel. não num.,
17(+1) p. (19cm). Na Biblioteca Nacional está inserido numa miscelânea dos
Reservados, onde está catalogado com a seguinte cota: RES. 3537//17 P
Obra de Frei
Francisco de Santo Ambrósio foi compilada, pouco antes do seu falecimento, no
livro que passo a citar, do qual conheço um exemplar na Biblioteca Nacional.
SERMÕES VARIOS, PREGADOS PELO
REVERENDO PADRE FREY FRANCISCO DE SANTO AMBROZIO, RELIGIOSO OBSERVANTE,
QUALIFICADOR DO Santo Officio, Guardiaõ que ha sido dos Conventos de N. P. S.
Francisco de Xabregas, da Cidade de Evora, da Villa de Odemira, da Cidade de
Faro; onde foy Exzaminador, [sic] Confessor penitenciario do Bispado do Reyno
do Algarve, Confessor do Real Convento das Religiosas Flamengas de Alcantara.
ASSISTENTE EM O CONVENTO DE N. PADRE S. Francisco, desta Cidade de Lisboa,
Provincia de Portugal. OFFERECIDO AO EXCELLENTISSIMO SENHOR MARQUEZ DE ALEGRETE
PRIMEYRA PARTE. Imprenta BERNARDO
DA COSTA, LISBOA, 1696. Este exemplar apresenta-se com 6 fls.
prels., 333 i. e. 323 p. (Existe um erro de paginação: da 169 salta para a p.180).
E é tudo o que
sei. Se alguém quiser acrescentar mais elementos que possam completar este
breve apontamento, fico muito grato.
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