domingo, 23 de agosto de 2020

O vento Levante na tradição algarvia


Quando na costa algarvia sopra um vento quente, seco e abrasivo, do quadrante nascente, tanto do lado de Espanha como de África, há quem sinta dores de cabeça, os agricultores queixam-se de prejuízos no pomar e na vinha, e, enfim, também há quem se lembre de certas tradições muito curiosas da cultura popular.
Assim, quando sopra o Levante o povo algarvio costuma dizer que não se deve tingir a palma, porque o vento altera as qualidades da tinta. Como sabemos a palma é uma matéria prima muito peculiar do Algarve, extraída pelas mãos delicadas das mulheres das folhas da palmeira anã, uma espécie autóctone desta região. Depois de uma cuidadosa secagem desfiava-se em tiras de fibra, após o que eram molhadas e envolvidas em panos a fim de se manterem húmidas e moldáveis nas mãos hábeis dos artesãos. Se as tiras da palma estivessem secas partiam-se e não se podiam entrelaçar na feitura da “baracinha” com que depois se faziam as seiras, as alcofas os capachos, e os balaios que se utilizavam no embalamento do figo, dos cereais e dos frutos secos, que encima dos burrinhos se levava aos mercados e feiras locais.
Quando soprasse o vento Norte é que se tingia a palma, porque as cores ficavam mais firmes e brilhantes. O vermelho era disso o exemplo máximo, porque só quando o vento soprava do quadrante Norte é que a tinta se agarrava fixamente à palma, e não desbotava, nem com a humidade nem com o sol.
Com a roupa sucedia o mesmo. Não se devia tingir roupas nem tecidos com o vento Levante, mas antes com o vento Norte, para que não houvesse falhas nem prejuízos.
A maioria dos médicos a trabalhar no Algarve constatava que quando o vento soprava do Levante, quase todos os doentes pioravam na sua saúde. É claro que isto resultava da insolação e da falta de meios de refrigeração das habitações, que no verão e com o vento Levante se transformavam em verdadeiras estufas, com temperaturas acima dos trinta graus centígrados. Hoje esse problema já não existe, mas no passado foi um grande problema para a saúde pública. Mas, no tempo em que os médicos, pela manhã, visitavam os doentes nas suas próprias residências, verificavam que todos apresentavam pioras, mais febricitantes e mais abatidos, sem qualquer razão que a ciência médica pudesse justificar. O aumento da temperatura da aragem diurna e a calidez nocturna, estariam certamente por detrás desse mal-estar geral dos doentes.
O sábio José Leite de Vasconcellos escreveu um brilhante artigo sobre os «Nome e epítetos dos ventos» compilado nos seus Opúsculos, vol. III, p. 476 e seguintes, fala de tudo menos do nosso vento Levante.

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