segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Superstições algarvias e ditos populares


Há certas expressões de uso popular que estão directamente relacionados com o sentimento
supersticioso do nosso povo. Uma das expressões mais curiosas da tradição etnográfica algarvia, embora já caída em desuso, é a de «pôr o pé no meio alqueire». Não conhecia a sua justificação, mas sei que na serra algarvia era de uso comum. Recentemente, na freguesia de Alte, tive a oportunidade de falar com uma idosa aldeã que me explicou a sua origem e fundamento. 
Assim, embora não se saiba ao certo quando essa expressão teve início é possível que remonte ao tempo manuelino, quando o trigo constituía a base alimentar do povo e a principal riqueza dos agricultores. O alqueire era a medida mais comum nas transacções do mercado interno, para abastecimento dos celeiros concelhios. Mas também era a medida usada nas vendas externas, nomeadamente nas nossas exportações para o Brasil. 
Os recém-casados, para terem abundância no lar, deviam na noite de núpcias usar como base de apoio uma medida de meio alqueire para subir para o leito conjugal. Daí que na linguagem popular dos serrenhos algarvios, «pôr o pé no meio alqueire» seja uma forma de dizer que um par de namorados vai finalmente casar. 
Entre as superstições algarvias menos conhecidas, merecem ser aqui lembrados dois exemplos, que julgo relacionados com as tradições criptojudaicas. Assim, dizia-se que quando alguém, estando doente, se sentisse recuperar as forças da convalescença, não deveria levantar-se do leito ao domingo, porque se o fizesse teria de certeza uma forte recaída. O
Estandarte do Tribunal
do Santo Ofício
domingo era um dia sagrado para os cristãos, mas sem importância para os judeus, razão pela qual julgo que se espalhou esta alegada superstição, que mais parece uma advertência aos judeus para evitarem a atenção dos esbirros da Inquisição. 
Outra superstição algarvia, mas que me parece de uso generalizado nas localidades onde houvesse judiarias, era de não se vestir roupa lavada ao sábado, porque isso era o que faziam os judeus quando celebravam o “Shabat”. Aliás essa palavra hebraica, Shabat, da qual deriva o nosso sábado, quer dizer dia de descanso ou da inactividade. Precisamente o que para nós cristãos significa o Domingo. Por isso, vestir roupa lavada era quase uma obrigação para os cristãos ao domingo, por ser o dia destinado à santa missa e ao descanso dos crentes. Mas, se alguém vestisse roupa lavada ao sábado estava a auto-declarar-se como amante da fé hebraica.

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