quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A anedota dos "cangrejos" de Olhão

Não sou a pessoa certa para contar anedotas, mas não resisto à tentação de revelar esta, que ouvi em Olhão há alguns anos, porque funciona como uma anti-anedota, ou seja, não nos faz rir, mas antes reflectir sobre o carácter dos portugueses. Então aqui vai, tão fiel quanto possível ao linguajar dos "filhos d'Olhão":
Certo dia no cais de Olhão cruzaram-se dois pescadores locais, o mane Carocho e o mane Luice ("mane" é o mesmo que mano, forma carinhosa como se tratam os marítimos olhanenses).
O mane Luice (Lúcio) ia carregado com dois baldes, um em cada mão.
O mane Carocho, após lhe dar de vaia, reparou nos baldes, mas achou estranho que um deles estivesse tampado, enquanto o outro estava destapado, vendo-se claramente que trazia caranguejos.
Perante tão inusitada diferença, perguntou-lhe:
Ó mane Luice o que leva aí nos baldes?
Cangrejos móce...
Mas atão um dos baldes está tampado e o outro não, porquém?
É que no tampado levo cangrejos instrangeros, e no destapado levo cangrejos portugueses...
Mau, nã percebo... atão não tens medo que os cangrejos portugueses fujam do balde?
Eles bem tentam e até querem fugir... mas quando algum começa a subir os outros puxam-no para baixo !!! 
A moral desta anedota, é simples: os portugueses não se solidarizam uns com os outros, e, pior ainda, têm inveja daqueles que pretendendo sair da vulgaridade procuram subir na vida. Acontece que este comportamento de inveja contra aqueles que se distinguem pelos seus méritos e talentos, tem causado graves prejuízos no desenvolvimento do nosso povo, a todos os níveis e em todos os sectores da vida pública.
Acresce dizer, em remate desta anedota, que não foi por acaso que Camões terminou os Lusíadas com a palavra inveja. E, na verdade, a inveja tem sido ao longo de séculos o pecado mortal da nossa cultura, o fel em que se destila o carácter mesquinho dos portugueses. A anedota de Olhão é um retrato bem elucidativo do espírito lusíada. E por isso os olhanenses costumam dizer: a enveja mata móce...

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