domingo, 26 de maio de 2019

Quem foi o padre Francisco José Ferro?

Pagina central do «Povo Algarvio» de Tavira, publicando
em forma de folhetim o folheto do padre Francisco Ferro
Nas minhas actualizações, quase diárias, da Algarviana, do meu saudoso amigo Dr. Mário Lyster Franco, cuja edição ficou interrompida em 1982, tenho-me deparado com certas dificuldades na recolha de informação. A idade e a genica para a investigação já não é a mesma de há 40 anos. Falta-me a paciência para ir a Lisboa à procura disto ou daquilo na Biblioteca Nacional ou na Torre do Tombo, cujos cantos e recantos, fundos e refundos, eu conhecia ao pormenor e sem segredos. Mas hoje tudo mudou, e custa-me ver que tudo mudou para pior. Enfim, não vou falar disso agora. 
Num dos pequenos verbetes, que escrevi em 1980 para actualização da Algarviana, retirado no meio de centenas de outros, que guardo em caixas de sapatos, consta o nome do Padre Francisco José Ferro que passou por Tavira, tendo paroquiado a Igreja de Santa Maria do Castelo desde 1880 até à sua morte, que ocorreu naquela cidade em data que desconheço. Quem me mostrou um folheto da sua autoria foi o saudoso Abílio Gouveia, que sempre considerei como o mais esforçado, o mais competente e sacrificado intelectual do Algarve. Vivia frugalmente em Olhão e em matéria de bibliografia eclesiástica, literatura religiosa e ecuménica não conheci ninguém que o superasse. Sobre a história de Olhão, desde as suas origens arqueológicas até ao fulgor do capitalismo industrial, o Abílio Gouveia era uma das maiores autoridades como historiador e como bibliófilo, já que tinha na sua casa milhares de folhetos raros, manuscritos, jornais antigos, sermões, sentenças dos tribunais, enfim tinha tudo, tudo, tudo, o que pudesse interessar ao conhecimento do passado histórico da sua terra e do Algarve em geral. Infelizmente o Abílio Gouveia morreu em 1985, e até hoje nunca soube o que aconteceu à sua valiosíssima biblioteca, receando que se tenha perdido um dos mais raros e valiosos acervos bibliográficos do Algarve.
Transcrição no «Povo Algarvio» do folheto do Padre Ferro
O folheto que ele me mostrou tinha por título «Protesto contra os Actos de Selvageria praticados em Roma na noite de 12 de junho de 1881, dirigido ao Sanctissimo Padre Leão XIII». Apontei que se tratava da descrição do atentado praticado contra o Papa na noite de 12 para 13 de junho de 1881, em cujo texto o Padre Francisco José Ferro urdia em defesa do Santo Padre uma veemente acusação do acto ignominioso perpetrado pelos agressores do representante de Cristo na terra. Considerava mesmo que com esse acto estariam os seus agressores a recriar as ofensas que o Nazareno já havia sentido a caminho do Calvário. Apontei também que o texto era um arrazoado religioso intragável, palavroso e excessivamente retórico, dando a impressão que o Padre Ferro estaria, através desta publicação, a habilitar-se a um cargo ou sinecura que já trazia em mente poder alcançar junto do Bispo de Faro. Não sei se o conseguiu. O certo é que o folheto foi publicado em Tavira, no ano de 1882.
Há poucos anos atrás, vim a encontrar na minha colecção de jornais do Algarve, a edição nº 611 do «Povo Algarvio», de Tavira, datada de 24-03-1946, na qual se inseria, no rodapé da página 3, em jeito de folhetim – como era costume na época – a notícia da transcrição integral do mencionado folheto do padre Francisco José Ferro. Não resistimos à tentação de aqui transcrever o parágrafo de abertura, por dele ressaltar o facto dos redatores daquele órgão ainda se lembrarem do Padre Ferro, mas desconhecerem a edição anterior daquele folheto:
«Pessoa amiga deu-nos a conhecer o folheto cuja transcrição iniciamos hoje. Foi seu autor um Padre de quem nesta cidade ainda hoje se recorda, com saudade, a sua veneranda figura de Prior que durante tantos anos por aqui viveu e aqui morreu. Ressalta deste folheto, acima de tudo, o profundo fervor religioso do autor e a sua revolta contra os infames ultrajes perante os quais ergue a sua voz de Padre católico e de homem de bem. Por tudo isto e por não ser conhecida, nunca ouvimos falar nesta publicação, quisemos arquiva-la nas colunas do «Povo Algarvio».
Não fiz ainda a entrada do Padre Francisco José Ferro na letra F da Algarviana, porque me faltam os seus principais traços biográficos. Depois falta-me saber se escreveu mais coisas e se foram publicadas em letra de forma. Por fim, falta-me saber se na biblioteca municipal de Tavira ou na biblioteca da Diocese de Faro existe o curioso folheto de «Protesto contra os Actos de Selvageria praticados em Roma na noite de 12 de junho de 1881».

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