quarta-feira, 9 de junho de 2010

Rubio Zamorano, um revolucionário tragicamente assassinado no Algarve



Figura muito curiosa e, até certo ponto, misteriosa, que passou pelo Algarve de uma forma aventureira, ao espírito do romantismo oitocentista, mas que acabou aqui os seus dias de maneira trágica e violenta.
Na verdade, há figuras de que pouco se sabe hoje, mas que merecem ser ressarcidas do olvido pelo trajecto de vida que, no passado, consagraram ao Algarve. Por isso me lembrei hoje de trazer a terreiro a figura de José Florêncio Rubyo y Zamorano, súbdito espanhol, nascido em 1847 em Aiamonte, que ainda jovem se deixou influenciar por ideias revolucionárias, inspiradas no ideário republicano e no radicalismo anarquista. Embora pouco se saiba sobre as suas actividades políticas parece que andou envolvido nas organizações revolucionárias afectas à I Internacional, que incitaram à formação das “comissiones obreras” e à fundação da A.I.T., que congregaria as lutas os trabalhadores rurais andaluzes. Foram os anos da monarquia amadeísta, do rei Amadeu I, que entre 1868 e 1873 viveu tempos difíceis, sobretudo após a morte do general Prim nos finais de 1870, que desembocaram na implantação da I República em 1873, de efémera duração.
Ao que parece o jovem Florêncio Zamorano era adepto de uma solução republicana federalista para a Espanha, participando em acções revolucionárias em Huelva, Jaen e Cadiz. Todavia, parece que a partir de certa altura esteve também envolvido no projecto de cantonização da Andaluzia, à semelhança do que passava na Suiça, a qual passaria a repartir-se entre a Alta e a Baixa Andaluzia. Aos vinte e cinco anos de idade estaria ao serviço da Marinha, como cabo de artilharia numa fragata da Armada denominada «Numância», sendo por isso instigado pela Maçonaria Andaluza, à qual julgo que também pertenceu, a sublevar a guarnição e tomar a embarcação. Com efeito, em 1872 o jovem cabo Zamorano de uma forma corajosa e imprevista tomou de assalto a cabine do comandante e, qual pirata dos tempos modernos, levou a fragata até ao porto de Cadiz onde desembarcou a oficialidade sob prisão, partindo de seguida ao encontro dos revolucionários que conseguiram tomar o governo, depor o rei Amadeu I e instaurar a República.
Talvez porque o novo regime durou o tempo das “Rosas de Malherbe” e a “caça às bruxas” se iniciasse logo de seguida, o jovem cabo Zamorano procurou refúgio na orla costeira gaditana, até poder embarcar nuns galeões que vinham trabalhar nas armações da sardinha e do atum perto da Isla Higuerita ou Cristina, em águas fronteiras da Andaluzia com o Algarve, para onde na primeira oportunidade se escapuliu. Veio pois refugiar-se, em data que desconheço, mas que aponto próxima de 1874 ou 1875, na vila pombalina e próspero mercado sardinheiro, de Vila Real de Santo António, onde para além da acomodação também lograria estabelecer-se com uma loja de bebidas (venda de vinhos a retalho), através da qual alcançaria razoáveis proventos financeiros. Tempos depois casou-se com uma senhora do trato mercantil local, de quem, todavia, não teve filhos, nem com eles viviam descendentes até ao quarto grau de parentesco.[1]
Por razões que desconhecemos, mas que parecem ter como móbil fundamentações políticas, o infeliz do D. José Florêncio Rubio y Zamorano, quando no dia 10 de Janeiro de 1888, se dirigia na estrada de Moncarapacho para a Fuzeta a fim de comprar algumas pipas de vinho para o seu tráfico comercial, foi violentamente espancado por dois seus compatriotas que o deixaram praticamente sem vida. Dado o alarme foram os agressores capturados em flagrante delito e remetidos a ferros para a cadeia de Tavira. O coitado do Florêncio Zamorano foi ainda socorrido com vida e remetido para o hospital daquela cidade onde expiraria no dia seguinte. A competente autópsia realizada pelos médicos António Teixeira, Marcelino Peres e Joaquim Trindade, revelaria escoriações múltiplas e várias lesões internas dos órgãos vitrais de que resultaram hemorragias fatais. Parece que a intenção dos agressores não era a de roubar, mas tão só a de assassinar a vítima, daí o uso de tão bárbara violência. Especulou-se na altura que por detrás do crime estariam causas passionais, mas também se disse que tudo resultou de uma vingança de origem política, trazida do seu passado revolucionário em Espanha.

[1] Pelo menos é essa a inferência que se pode extrair do «Edital», que por seu falecimento foi mandado publicar em 3 de Janeiro de 1888 pelo Vice Cônsul de Espanha, José Mirabent y Pascual, o qual seria afixado em língua castelhana nos locais públicos, e assim anunciado oficialmente na imprensa.

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