A indústria conserveira no Algarve nasceu pela mão de empresários estrangeiros, sendo certo que todos originários da bacia mediterrânica, onde desde a colonização cartaginesa se fazia a captura e transformação industrial do atum. Depois dos gregos e dos italianos terem aportado à raia do Guadiana, nas últimas décadas do séc. XIX, para investirem nas primeiras fábricas de conservas da sardinha e do atum, eis que surgem os andaluzes a buscarem o seu espaço industrial no Algarve. Fixaram-se primeiro também em Vila Real de Santo António, mas quando o mercado laboral estava já escasso e com falta de oferta especializada, viraram-se para os restantes portos algarvios, desde Tavira até Lagos. Duas localidades se distinguiram estão, nessa segunda leva de grande investimento industrial conserveiro, em grande parte justificada pelo surgimento da I Guerra Mundial - foram elas Olhão e Portimão, sendo certo que nesta última se distinguiu a família Feu, que ainda hoje perdura e se distingue naquela cidade pelo seu espírito criativo e empreendedor.
Trago hoje à memória a figura desse notável empresário espanhol da indústria de conservas, e
benemérito local, D. Cayetano Feu Marchena, descendente de importante família
andaluza, nascido em Ayamonte, a 2-8-1882, e falecido em Lisboa, a 2-7-1946.
Dedicou-se ainda jovem ao negócio conserveiro, vindo para
Vila Nova de Portimão experimentar a sua sorte, no que em boa verdade foi bem
sucedido. Investiu na aldeia da Mexilhoeira da Carregação, trabalhando
afincadamente no estabelecimento de pequenas unidades fabris de conservação do
pescado. Conseguiu, mercê do seu denodado esforço, dedicação e inteligência,
fundar várias fábricas, que em breve seriam consideradas das melhores do país.
Os seus operários foram sempre tratados como seus familiares, o que aumentava
significativamente o sacrifício e a dedicação de todos para o caminho do
sucesso. Em retribuição desse esforço comum, D. Cayetano Feu retribuiu-lhes com
a construção do Bairro Operário de Portimão, na altura considerado como um
modelo de qualidade e conforto no estilo da habitação fabril. Esse bairro
passou depois para a posse do Grémio dos Industriais de conservas de Peixe,
sendo concluído e aumentado com a comparticipação financeira do Estado. Nas
suas fábricas, construiu para o bem estar dos operários, modernas cantinas e
creches, instituindo ainda subsídios na doença, reformas e pensões vitalícias
para os trabalhadores mais antigos. Isto é, quando o Estado ainda não havia
imposto aos empresários o acautelamento de meios de sobrevivência para os
trabalhadores, já D. Cayetano Feu procedia dessa maneira com os seus operários,
num espírito de filantropia e de benemerência sem precedentes.
Cayetano Feu, com as insígnias de comendador |
Para além disso foi um convicto nacionalista, amigo
pessoal de Salazar, que muito admirava e elogiava como um modelo de político de
visão internacional. Aliás, na sua casa, na Praia da Rocha ou em Lisboa,
recebeu por mais de uma vez o Presidente do Conselho, Doutor Oliveira Salazar,
como hóspede e comensal. Dessa amizade existiam fotografias, cartas e até
livros oferecidos por Salazar, o que atesta bem a sólida, franca e mútua
admiração que existia entre ambos. Não havia nessa convivência outros
interesses que não os do país e os da identidade de pensamento político. À
distância actual, nada disso deve ser merecedor de crítica ou de malsinação.
Quando deflagrou a guerra civil de Espanha foi um dos
maiores apoiantes da causa franquista, fornecendo aos nacionalistas não só
apoio financeiro como também víveres, sobretudo conservas das suas fábricas.
Também na sua residência em Portimão recebeu alguns dos principais políticos e
militares do movimento nacionalista que na Andaluzia suportava os interesses da
Falange do general Franco.
O Algarve foi outra das suas paixões, muito especialmente
a Praia da Rocha, onde construíra uma magnífica vivenda, por onde passaram as
mais proeminentes figuras da vida política e financeira do nosso país. Na Paia
da Rocha passava aliás a maior parte do ano, ali promovendo diversas
iniciativas de carácter cultural e até de fomento turístico, que muito
beneficiaram o município portimonense. Também nas Caldas de Monchique, em cujos
arredores construíra uma bela vivenda, se dedicou ao desenvolvimento das suas
naturais potencialidades turísticas, tendo inclusive assumido a
vice-presidência da Comissão Administrativa daquele concelho.
Figura de primeira grandeza na sociedade algarvia do seu
tempo, gentil e nobre, quer no trato quer no procedimento social, sempre
disponível para apoiar financeiramente e colaborar pessoalmente nas iniciativas
de promoção e desenvolvimento local, quer fossem de ordem turística, cultural,
social ou política. Nunca virava a cara a quem dele se abeirasse na expectativa
de um auxílio, de um emprego ou de simples apoio nominal, pois que o seu nome
era sinónimo de abertura de muitas portas.
Cayetano Feu na fase derradeira da vida |
Importa esclarecer que a empresa conserveira, fundada pelos irmãos, António, o mais velho, e Cayetano, chamava-se Feu Hermanos, a qual seguiu a tradição da família, pois cada geração recriava uma nova empresa conserveira, mantendo o mesmo nome, como aliás já tinha acontecido com o seu pai, Manuel, e com seu tio, António Feu Casanova, em Ayamonte, onde primeiramente existiu a Feu Hermanos.
Para terminar, devemos acrescentar que foi casado duas vezes. O primeiro matrimónio celebrou-se em Ayamonte, a 3-1-1906, com Luicia Martin Mora, de quemteve uma filha, Lucia Feu Martin, que haveria de casar-se com Pascual Cucala Pruñunosa, de quem houve aliás numerosa descendência em Espanha. Mais tarde, Cayetano Feu viria a consorciar-se, em segundas-núpcias, com uma dama alemã, Johanna Wolfman Lüders, natural da cidade de Hamburgo na Alemanha. Deste matrimónio nasceram duas filhas Maria del Carmen Wolkman Feu Telo e Maria Luiza Wolkman Feu Leote, ambas residentes em Portimão e com conceituada descendência no Algarve e no país.
Era tio de António e Ernesto Feu Marchena, que em Portimão lhe
sucederam na gerência e administração das importantes unidades fabris ali
instaladas.
A Junta de Freguesia da Mexilhoeira da Carregação, em
meados de Julho de 1946, e em sinal de gratidão, aprovou a atribuição do seu
nome a uma das ruas daquela aldeia, muito protegida e acarinhada por D. Cayetano
Feu. Posteriormente foram-lhe atribuídas mais duas ruas: uma na Praia da Rocha e outra na sua cidade natal de Ayamonte.
Em 7-8-1951 foram os seus restos mortais trasladados do
Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, para o jazigo de família no Cemitério
de Portimão.
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