segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Economia e Cultura – uma reflexão intimista


José Carlos Vilhena Mesquita

Ninguém hoje duvida que a riqueza das nações - ao contrário das suposições de Adam Smith, contidas na obra mater da Economia - não consiste na extensão territorial, no aumento da produção industrial nem no domínio imperialista das relações comerciais, conducentes à acumulação do capital nas mãos da burguesia. As suas ideias, que fizeram furor e constituíram o fundamento da doutrina político-económica do liberalismo, não estando totalmente ultrapassadas, por influência do neo-imperialismo anglo-americano, foram, todavia, progressivamente combatidas pelos movimentos democráticos a que se sucederam as modernas perspectivas do pensamento económico. A ideia de riqueza, planeada na concepção do capital (fundiário e fiduciário), intuído sobre a forma de propriedade e de bens transaccionáveis, impunha noções de acumulação, de domínio e de concentração absolutamente contrárias à liberdade e à dignidade humana. Significa isto que a riqueza das nações reside em factores materiais de capitalização extrínseca a que deverá suceder-se uma distribuição constitutiva da riqueza intrínseca. Em suma, a riqueza ou o capital só terá sentido quando os bens materiais contribuírem para o engrandecimento dos bens espirituais, a ponto de encontrarem um equilíbrio harmonioso entre crescimento e desenvolvimento.
No fundo, parece-me que a riqueza das nações não deve fundamentar-se no aumento ou crescimento do capital, mas antes no aproveitamento ou desenvolvimento dos recursos naturais, que induzirão ao investimento nos recursos humanos. Serve isto para dizer que a riqueza está em nós, é humana e intrínseca, porque a riqueza que está à nossa volta é usufruto ou propriedade alheia. Somos todos herdeiros do incontornável binómio que serviu de berço à civilização humana: o ambiente-cultura. Isto é, o meio natural originou, ou condicionou, o despontar da sociedade e o florescimento da economia, cuja simbiose constitui aquilo a que chamo cultura. Portanto, a cultura é o culminar de um vasto processo de aproveitamento e rentabilização do meio ambiente, concernente à satisfação das necessidades materiais de sobrevivência, cuja produção e transformação de excedentes constitui a sua economia. Temos, pois, que progresso e crescimento são noções teóricas do desenvolvimento económico, que não dependem unicamente dos factores materiais de valorização extrínseca, mas antes da cultura e das mentalidades dos povos a que dizem respeito. A valorização cultural e mental da riqueza é que incrementa a riqueza, mesmo que não se disponha dos meios imediatos para a sua implementação.
Os exemplos desta premissa estão em vários cantos do mundo, espalhados pelos cinco continentes. Nuns casos melhor sucedidos do que noutros, conforme se harmonizaram os factores de regulação social, religião, regime político e modelo económico. Sem querer particularizar exemplos, nem especificar os modelos preconizados ao longo dos tempos, diremos que foi no Velho Continente - na europeização da economia-mundo, no eurocentrismo cultural e na etnogenia ocidental - que se ergueram os melhores exemplos de sucesso e se consubstanciou a civilização europeia.
Nesta reflexão, partindo do geral para o particular, percebe-se, em parte, as razões, aqui não especificadas, do nosso neguentrópico sucesso económico-cultural. Isto é, a nossa economia assentou ao longo dos tempos em fundamentos de cariz mental e religioso, com assentimentos culturais de reduzida profundidade ou de frágil identificação. Foi assim na nossa diáspora pelo mundo, na nossa infrutífera colonização, de que tão pouco usufruímos, a não ser a miscigenação (mais do sangue do que da cultura) de que tanto se ufanava o sociólogo brasileiro Gilberto Freyre. Em suma, fomos e viemos, desse mundo inóspito e distante, cujas desconhecidas rotas desvelamos, como que abrindo as portas à civilização ocidental, da qual somos apenas um pequeno povo numa nesga peninsular, debruçados sobre a imensidão oceânica.
Voltamos à nossa dimensão original, porventura mais ricos de experiência espiritual do que de sucesso material, permanecendo pobres e pequenos, mas sempre orgulhosos da nossa cultura, que, ao invés do que se supunha, revelou-se frágil e escassa, desagregada, desenraizada e tendencialmente perecível. O mito do quinto império, com que o Padre António Vieira pretendeu pejar o nosso imaginário – esse quimérico cavalo de Tróia com que pretendíamos conquistar o mundo - afinal revelou-se num fantoche erguido nas carcomidas tábuas das velhas naus do império.

2 comentários:

  1. As minhas saudações.

    Vou mandar-te um mail.

    Um abraço

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  2. Meu caro amigo Prof Dr JCVM

    BOA TARDE,

    Que dizer deste seu excelente trabalho?

    Direi que não esperava tamanha dimensão humana.
    Surpreendeu-me pela positiva.
    Erasmo de Roterdão disse quase a mesma coisa e Erasmo sabia da poda.

    A riqueza das nações assente no lucro é deplorável e não estou aí, porque esmaga.

    A única riqueza que me interessa possuir é a que me permite actuar dentro dos sãos princípios da ética e da cidadania.

    TORGA disse que o valor da vida (como se a vive hoje, entenda-se) é não valer coisa nenhuma.

    RAUL BRANDÁO, idem

    O que interessa criar é riqueza de humanismo, mas o homem teve sempre o lucro financeiro debaixo de olho.

    Este é o homem insensato, que se julga superior por comprar 5 pares de sapatos cada vez que vai à Loja.

    O Almeida Garrett perguntou uma vez; Sabeis quantos pobres é preciso sacrificar para se obter um rico?

    Creio que ninguém respondeu ainda?

    Ab.

    João Brito Sousa

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