quinta-feira, 13 de agosto de 2009

À procura de grandes num país de pequenos


José Carlos Vilhena Mesquita


Uma das mais recentes importações da televisão estatal é o concurso dos «Grande Portugueses». É uma espécie de inquérito nacional, de plebiscito popular, aberto à participação indistinta e anónima de todos quantos desejem participar na eleição daquele que consideram ser “o melhor” de todos os portugueses. Como não obedece a um recenseamento de eleitores nem à inscrição prévia de votantes, qualquer estrangeiro pode votar num “grande” português, o que traz para este sufrágio um carácter de abertura até aqui nunca imaginado. Qualquer cidadão pode votar por SMS, email, ou telefone. Acima de tudo o que importa é convencer as pessoas a participarem na escolha de uma personalidade com a qual se identifiquem, ou se reconheça o próprio país.
O concurso, ou melhor, este inquérito nacional já foi testado noutras nações, onde os resultados nem sempre foram os mais agradáveis. Houve casos em que antigos ditadores, políticos racistas e até criminosos públicos, foram votados para espanto dos organizadores. Em certos países, a ideia de eleger uma figura histórica que traduzisse a grandeza e heroísmo da pátria, serviu apenas para acicatar ódios e instigar seculares divergências raciais.
Não corremos, no nosso país, o risco de vermos os rebeldes primitivos, como o Remechido, o João Brandão ou o Zé do Telhado, serem votados como heróis nacionais. Já o mesmo não poderemos dizer de ditadores como Pombal, Salazar ou até mesmo Marcelo Caetano, que certamente serão votados em larga escala. Esse é, também, um fenómeno já visto noutros países.
Para já serão apuradas cem personalidades, das quais eleger-se-ão dez, até que, no último escrutínio, se proclamará o maior de todos os “Grandes”. Qualquer que seja o resultado desta primeira eleição, ficarão certamente pelo caminho muitas das figuras que emolduram de glória a nossa humilde galeria nacional. Como neste certame é legítimo votar em personalidades que fazem parte da nossa vivência quotidiana, corremos o risco de serem apuradas figuras da idiotice nacional, como o Zé Cabra, o Zé Maria, o “conde” Castelo Branco, ou as coquetes da nossa decrepitude, como a Lili, a Tita, a Cinhá, a Maia e outras recauchutadas odaliscas do nosso “jet-set”. A par dessas liliputianas figuras que alimentam as revistas cor-de-rosa e os estupidificantes canais telenovelescos da TVI e da SIC, temos ainda que contar com as figurinhas do futebol e os figurões da política. Neste caleidoscópio social, dificilmente se consegue destrinçar a virtude da corrupção, diferenciar a seriedade do oportunismo, distinguir a verdade da mentira, ou simplesmente perceber de que lado vem a traição.
Habituamo-nos a viver na paz-podre e, por isso, continuamos a acreditar nas melífluas promessas dos políticos. A falsidade, a hipocrisia, a cobardia e o aleive, fazem parte do nosso quotidiano e do relacionamento social. São anormalidades e malefícios da nossa actual e congénita cretinice. Por isso não me admira que milhares de cidadãos tenham votado nas putativas figuras públicas da nossa incultura. Certamente os portugueses votaram seduzidos pelas imagens de sucesso, pelas intrigas amorosas e pelos sucessivos desamores dos “Vip’s”, incensados pelas revistas cor-de-rosa – uma imprensa de sucateiros, especulativa e sensacionalista, cujo sucesso de mercado nos identifica como uma nação imbecilizada por uma estruturante incivilidade, por uma avassaladora ignorância, e por um moderno processo de desinstrução nacional. A inexistência de uma disciplina de História de Portugal nos programas dos diversos anos em que se decompõe o ensino secundário, acrescido do incremento da língua inglesa desde o ensino básico até ao superior, indicia, claramente, uma intenção governativa de imbecilizar uma nação através do extermínio das suas raízes culturais e linguísticas. Não discordo do ensino do inglês, apenas temo que isso induza os nossos jovens a perceberem que o que interessa é a sua integração no processo de globalização, desprezando a sua identidade, a independência cultural do país e, sobretudo, o orgulho de ser português.
Aquilo a que chamam a modernização do ensino não é mais do que a cópia dos modelos de ensino público aplicados em certos países europeus, onde a qualidade apenas subsiste no ensino privado. Ao nível do ensino superior, o resultado, nomeadamente do decantado “Processo de Bolonha”, será previsivelmente o decréscimo da qualidade, um crescente facilitismo na transmissão dos conhecimentos científicos e um laxismo na avaliação dos objectivos finais.
Vivemos num país de pilhérias, onde só os piolhosos conseguem vencer. Esta não é “a pátria minha” de Camões, mas é a “pátria nossa” do Tino de Rãs, glorificado “presidente da junta”, eleito pelo PS, que, em boa verdade, ao lado da maioria dos autarcas deste país, é um verdadeiro anjinho de coro.
Por fim, resta-me dizer que também votei nos «Grandes Portugueses». Escolhi João de Deus, porque, além de algarvio, considero que se trata de uma figura de âmbito verdadeiramente nacional. Um homem bom, generoso, sério e honrado, um grande talento nacional, sempre lembrado como o poeta do Campo de Flores e o pedagogo da Cartilha Maternal. Acima de tudo foi o inventor do método de leitura que ajudou sucessivas gerações de crianças pobres a saírem da obscura e avassaladora situação do analfabetismo e, por isso, submissas vítimas da desumana exploração que se viveu nos campos e nas fábricas deste país. Na batalha da educação nacional e na guerra contra o obscurantismo, João de Deus foi um verdadeiro herói, um grande português a quem prestei com o meu humilde voto a mais singela homenagem.
Espero que o Algarve e os algarvios não se esqueçam de, pelo menos por esta vez, se lembrarem daqueles seus filhos que, como diria Camões, “por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”.

Sem comentários:

Enviar um comentário