domingo, 23 de agosto de 2009

A poesia no Olhar das Palavras


José Carlos Vilhena Mesquita

O Infante D. Pedro, a quem chamaram o príncipe das sete-partidas, filho de D. João I e membro da “Ínclita Geração”, foi o introdutor na língua portuguesa do vocábulo POESIA, cujo género literário dizia ser “Coisa mais do sabor do que do saber”.
Talvez por isso é que Rodrigues Lobo no seu livro a Corte na Aldeia, dizia que "a língua portuguesa é branda para deleitar, grave para engrandecer e doce para pronunciar" .
Para ilustrar o espiritualismo e o desprezo dos poetas pelo materialismo, dizia Sá de Miranda – o célebre introdutor do soneto em Portugal - que "os poetas tudo punham em flores e dos frutos nada havia que esperar".
Em Camões a poesia traduziu-se no engenho e na arte com que definiu o espírito lusíada. As suas estrofes revelam as grandezas e misérias, as vaidades e orgulhos, de um povo escasso, pobre e desprezado, mas que teve a indómita coragem de desvelar ao mundo novos mundos nunca antes revelados.
Mais tarde, quando o materialismo burguês se apoderou do nosso país – um pouco à semelhança do que estamos a viver agora - Camilo Castelo Branco, que chegou a ter pretensões poéticas, afirmava enfurecido: «Gela-se-me o sangue, quando a ignorância petulante faz um trejeito de menosprezo ao talento e diz: poeta!».
Tanto no mundo da política como no da economia existe aquilo a que se convencionou chamar o "diálogo Norte-Sul", numa espécie de geografia do poder e do desenvolvimento tecnológico. Curiosamente, olhando para a cultura universal, parece que no seio dos povos do Norte a poesia tem vida, mas nos do Sul é a vida que tem poesia.
Ora a Poesia é, em primeiro lugar, um acto de comunicação com o Eu e com o Outro. Mas a Poesia também é um lugar de resistência à globalização, cada vez mais redutora e homogeneizante, fulcralizada num modelo imperialista de cultura inspiradamente anglo-americano, no qual só o mediático é universal.
A Poesia é simplesmente a arte de fazer versos, transmitindo neles o sentimento, a forma e o carácter, numa simbiose da intimidade com a estética, sem nunca perder de vista os excelsos valores da Ética.
A Poesia associou-se à paixão como suprema expressão do amor, num entrelaçar de imagens e de metáforas que transluzem o sofrimento e a dor. Porém, como dizia Fernando Pessoa, "o poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente". Por isso é que a poesia obedece a uma formula de composição estética e musical. O seu objecto é a beleza de expressão associada à ideia, usando a palavra com parcimónia, mas procurando elevar os conceitos até ao nível da plurivalência entre o significado e o significante.
A poesia deve expressar uma certa harmonia entre a inspiração lírica e a mensagem literária, dando-lhe um carácter comovente, sem extinguir certezas absolutas.
A Poesia é algo que acontece e nos transcende, é um trabalho sequencial com a palavra e um aprimoramento de ideias e de pensamentos, concebidos nos céus etéreos da lógica, que ultrapassam a materialidade e a impermanência da vida. Mas por outro lado a poesia é a própria Vida, pejada de memórias recorrentes e de magnetismos telúricos, impregnando-se, por vezes, de obscuros e insondáveis mistérios.
A poesia é dialógica. Com a palavra inventamos mundos usando conceitos profundos e belas metáforas, mas é com palavras simples de todos os dias que se faz a melhor poesia. O poeta José Craveirinha concebia a criação lírica como uma "fraternidade das palavras" afirmando que "as palavras só precisam de quem as toque ao mesmo ritmo para serem todas irmãs".
Mas a memória das palavras não depende da memória, mas antes das palavras. Existe um Sul mítico no esplendor do Sol, nas areias movediças da memória e na espuma das palavras, como a presença viva dos nossos ascendentes que pairam sobre a nossa memória. Os lugares de recorrência acontecem frequentemente na poesia, quando lembramos as raízes e o tempo que passa, como memória da água.
Existe um tempo de maturação poética, durante o qual o poema precisa de adormecer na sua forma crisálida até despertar como eflúvio de vida e de beleza. Em jeito de crítica, construtiva, diria que existem dois tipos de poetas: os de inspiração vulcânica (a que chamo repentistas) e os versificadores aplicados, ou seja, aqueles que fazem o poema como quem cultiva um canteiro de flores à espera da primavera. Há certos poetas que por falta de tempo e de paciência dão à estampa os poemas que escrevem de chofre, na primeira penada, sem tão pouco verificarem se neles existe sentido, Beleza ou Graça.
Em suma. O poeta é um mago cinzelador da palavra transformada em verso, um alquimista da Beleza.
Fernando Pessoa definiu a poesia e o poeta nesta simples e genial síntese: «Deve haver no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero».
António Gedeão, o poeta/cientista cujo sensacionismo estético se inspirava nos mistérios da física e na revelação laboratorial da química, conseguiu traduzir num só verso, engenhoso e genial como quase todos os outros que compõem a sua obra, a preponderância da palavra e do espiritualismo lírico sobre a incomensurável força da matéria, afirmando:
«Todo o tempo é de Poesia, desde a arrumação do Caos, à confusão da Harmonia»

A Poesia é simplesmente a arte de fazer versos, transmitindo neles o sentimento, a forma e o carácter, numa simbiose da intimidade com a estética, sem nunca perder de vista os excelsos valores da Ética. Mas, por outro lado, a Poesia associou-se à paixão como suprema expressão do amor, num entrelaçar de imagens e de metáforas que transluzem o sofrimento e a dor.
Classicamente a Poesia obedece a uma fórmula de composição estética e musical. O seu objecto é a beleza de expressão associada à ideia, usando a palavra com parcimónia, mas procurando elevar os conceitos até ao nível da plurivalência entre o significado e o significante. A poesia deve, pois, expressar uma certa harmonia entre a inspiração lírica e a mensagem literária, dando-lhe um carácter comovente, sem extinguir certezas absolutas.
A Poesia é algo que acontece e nos transcende, é um trabalho sequencial com a palavra e um aprimoramento de ideias e de pensamentos, concebidos nos céus etéreos da lógica, que ultrapassam a materialidade e a impermanência da vida. Mas, por outro lado, a Poesia é a própria Vida, pejada de memórias recorrentes e de magnetismos telúricos, impregnando-se, por vezes, de obscuros e insondáveis mistérios. A memória das palavras não depende da memória, mas tão somente das palavras.
Existe um tempo de maturação poética, durante o qual o poema precisa de adormecer na sua forma crisálida até despertar como eflúvio de vida e de beleza. Em jeito de crítica, construtiva, diria que existem dois tipos de poetas: os de inspiração vulcânica, a que chamo repentistas, e os versificadores aplicados, a que chamo poetas da inteligência. Os primeiros são os apóstolos do povo, cantam aquilo que vêem com a simplicidade do seu limitado horizonte intelectual. Os segundos versejam com eloquência, constroem imagens e metáforas de fino recorte estilístico, evidenciando uma forte presença intelectual, entretecida na sensibilidade estética e na elevação do pensamento filosófico. Há certos poetas que escrevem de chofre, na primeira penada, sem tão pouco verificarem se nos seus poemas existe sentido, Beleza ou Graça.
O poeta é, em suma, um mago cinzelador da palavra transformada em verso, um alquimista da Beleza. Por isso, António Gedeão, o poeta/cientista cujo sensacionismo estético se inspirava nos mistérios da física e na revelação laboratorial da química, conseguiu traduzir num só verso, engenhoso e genial, a preponderância da palavra e do espiritualismo lírico sobre a incomensurável força da matéria, afirmando:
«Todo o tempo é de Poesia, desde a arrumação do Caos, à confusão da Harmonia»

Ora é precisamente essa arrumação, essa harmonia, esse profundo sentido estético do verbo lírico, que predomina neste Olhar das Palavras, cuja estrutura sequencial obedece a um raciocínio lógico, a uma frenética evolução de sentimentos e de sensações que progressivamente emocionam o leitor até ao arrebatante epílogo do último poema, sugestivamente intitulado «A Ira».
As palavras, dizia o Padre António Vieira, são como as estrelas, a uns parecem muito distintas e a outros muito claras. É por isso que antes de escrever é preciso saber pensar, razão pela qual este Olhar das Palavras constitui um claro exemplo das tais estrelas distintas, de que falava Vieira, ou daquilo que costumo designar como a intelectualização da poesia. Significa isto que a poesia de Santos Serra não está ao alcance todos, porque exige uma leitura pausada, ponderada, reflectida e inteligente. Nos seus poemas as palavras não são claras nem evidentes, não são translúcidas nem cristalinas, porque de outro modo perderiam todo o brilho das estrelas que se elevam acima da pequenez e da vulgaridade. Os seus poemas ultrapassam as barreiras físicas do visível, erguendo-se nos etéreos céus da sensibilidade estética. O poema intitulado «Temporalidade» demonstra claramente como nos impressionam as coisas visíveis e nos escapam por detrás dos sentidos as coisas belas que verdadeiramente compõem a vida: “ O horizonte é o biombo dos sentidos... / O verdadeiro mistério / É não termos tempo / De ver o que ocultam / As coisas que se vêem...”
Nesta obra sente-se uma certa similitude, na construção e na diegese poemática, com o evolucionismo modernista, inspirando-se nos supremos valores da ética filosófica e no intervencionismo sociopolítico, visionando por isso horizontes mais largos e distantes, que superam as trivialidades da vida. Não se vislumbra, na poesia de Santos Serra, uma colagem aos movimentos ou escolas poéticas mais recentes, nem tão pouco uma identificação estética com as precedentes correntes artísticas, embora se perceba que deles não se abstrai, nem deles se afasta com total isenção. Sentem-se naturais influências de Herberto Hélder, de Egipto Gonçalves ou de Mário Cesariny, situando-se, porém, muito distante do surrealismo a que Cesariny vinculou grande parte da sua obra.
Num estilo muito peculiar, os poemas de Santos Serra são vigorosos, incisivos e pujantes no sentido estético do significante, deixando para trás do biombo dos sentidos a musicalidade rimática, esse subterfúgio em que se escudam muitos poetas para camuflarem as suas inaptidões estético-filosóficas. Por isso a sua poesia é um enigma insuflado nos sentidos, iluminado pela razão estética, matizado nas sombras invisíveis do silêncio em que se enraíza a memória e se desenrola o tempo: “Gosto de poemas, / Insaciáveis mendigos de enigmas / Do mundo antes do mundo / Incisões de vento em almas invisíveis, / Sombras agitadas / Sonoras e perfeitas / De silêncios coloridos de corações do tempo”.
Sem nunca desprezar o amor, as paixões da vida e os mistérios da morte, temáticas intrinsecamente poéticas, esta obra avança sobre os candentes problemas do mundo actual, operando uma reflexão profunda sobre a conservação do ambiente, o respeito pela natureza e pela herança cultural que os nosso antepassados nos legaram. Sem cair num ecologismo romântico, estafado e desacreditado, Santos Serra enaltece as origens da vida na força hercúlea do mar e na incandescente luz solar, que são ao fim e ao cabo as características mais vivificantes deste Algarve “ardente, impressionista e mole, deste lindo preguiçoso adormecido ao sol” – como dizia João Lúcio.
Este livro é uma ode à vida, plasmada e contextualizada no espírito do sonho e na materialização da memória. Toda a obra está perpassada de sentimentos, de sensações e de apaixonadas emoções, como um testamento reflectido nos 81 poemas em que se revêem os 81 anos de vida do autor. A suprema felicidade do poeta será certamente a de comungar com o leitor das mesmas esperanças e ilusões, dos mesmos ideais e quimeras, que evoluindo no tempo se refugiaram depois na memória, sulcando a traço profundo o carácter em que se esculpiu a sensível personalidade do Poeta. O tempo, no seu decurso bio-cronológico e na construção psico-ideológica da mente, encarregou-se de moldar os versos e de os transmutar neste esfíngico Olhar das Palavras.
A obra aí está, falará por si a quem a ler. Na minha modesta opinião é a melhor que o autor já escreveu. Sinto nela um apuramento de qualidade na sofisticação lírica da sua temática. Mas também nela sinto um testemunho sincero e um legado altruísta, de que todos seremos fiéis depositários, se assim merecer a honra e a coragem com que todos devemos defender o Algarve.
Este livro é acima de tudo um juramento de amor e de fidelidade para com uma terra que, por não ser a da sua origem, lhe deve expressar a gratidão de preservar o seu nome, a sua memória e sobretudo a sua obra literária, enaltecendo-a entre as mais ilustres e distinguindo-o entre os mais talentosos poetas do Algarve do século XX.

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