sábado, 4 de julho de 2009

Jorge Correia - Paradigma do médico e do cidadão

J. C. Vilhena Mesquita

Por inadiáveis compromissos não pude, infelizmente, estar presente na homenagem pública que o grato povo tavirense prestou ao Dr. Jorge Correia. Reverencio, aqui e agora, a minha admiração e o preito de gratidão que dedico a essa figura de incomparável relevo na história da cidade do Gilão durante a segunda metade do século XX. E digo isto porque foi durante a sua vigência como presidente da edilidade tavirense, e logo a seguir como deputado pelo Algarve, que a cidade sentiu sensíveis melhorias na sua vida económica, na sua organização social e no seu desenvolvimento cultural, projectando as linhas de força do seu desenvolvimento económico-social, interrompido pelas alterações subsequentes, mas retomado anos depois com a força generosa e esforçada dos obreiros da nova ordem política.
Apesar das suas convicções - que todos souberam respeitar - nunca se distanciou dos problemas e anseios que afligem os seus conterrâneos, ajudando na medida do possível a resolver impedimentos e a facilitar soluções. A sua postura cívica tem sido exemplar. Diria mesmo de um verdadeiro democrata porque, mantendo-se atento e perscrutante a tudo o que o rodeia, tem sabido cooperar com todos os que demonstram interesse no desenvolvimento da sua cidade e da sua região.
Embora ao longo da sua vida se tenha afirmado publicamente como médico, político e agricultor, podendo em qualquer dessas vertentes granjear o seu sustento e até alcançar o êxito suscitado pelo seu génio empreendedor, o certo é que preferiu continuar a pensar unicamente nos outros, nos mais necessitados, optando pela medicina para cercear os padecimentos e aliviar o sofrimento dos mais pobres e desfavorecidos. É justo que se diga, se elogie e exalte, o facto do Dr. Jorge Correia ter exercido a medicina de uma forma competente e dedicada, sem quaisquer interesses materiais, preocupando-se unicamente com o combate à doença e pugnando pelo restabelecimento da saúde nos seus doentes.
Quando o conheci (há mais de vinte anos atrás), constatei imediatamente a sua generosa dedicação aos doentes, sem olhar a esforços nem contratempos. Nessa altura vinha com regularidade observar o Dr. Lyster Franco à sua residência em Faro, sem lhe cobrar um único centavo. Fazia-o em honra da medicina, mas também em nome da amizade. A sua nobreza de médico e de homem assim o impunha. Sempre bem-disposto, brincando com as notícias do mundo, animando o paciente e sorrindo das doenças, prometia para breve o restabelecimento da saúde. A simpatia das suas palavras e o sorriso aberto no rosto era meia cura para o paciente que se defrontava com a perda de coragem para enfrentar a doença. Achei curioso o facto de prescrever além dos remédios da farmácia os outros remédios que afastavam o doente da farmácia!.. Isto é, uma alimentação regrada, o exercício físico e os “ares puros”, que não eram propriamente do campo ou da praia, mas antes da vida social. O vício, qualquer que seja, é antecâmara da doença.
Ficamos amigos, e a minha admiração por ele foi crescendo ao longo dos anos. Sempre que posso defino-o como paradigma do médico, do cidadão e do homem de cultura. Mas a sua generosidade como médico era ímpar, digamos que era uma espécie de postura cívica que não estava ao alcance de todos porque nele era incomparavelmente sublime. Aliás verifiquei essa postura quando há alguns anos atrás fui resgatado pelo Dr. Jorge Correia do Hospital de Faro, onde me haviam diagnosticado uma meningite, que ele contestou e curou em poucos dias. Noutra altura em que estive doente apareceu-me em casa numa viatura emprestada porque foi a que primeiro encontrou... Era assim, vinha a casa do doente no primeiro instante em que era solicitado, contrastando com a generalidade dos seus colegas que só atendiam os doentes no hospital ou nos seus consultórios.
Infelizmente hoje a medicina exerce-se cada vez menos como uma vocação ou um sacerdócio, e cada vez mais como uma profissão, um negócio ou um meio de obter fortuna. Os médicos encaram os doentes como “clientes” a quem se vende um produto, quantas vezes debaixo do insondável interesse dos laboratórios farmacêuticos.
Enfim, o Dr. Jorge Correia que me habituei a admirar e a elogiar como médico, revelar-se-ia mais tarde como romancista dando à estampa vários livros em fina prosa e apurado estilo, carreando em letra de forma algumas das suas experiências de vida, suscitadas pelo seu múnus profissional e pelas suas incursões na política. Além de prosador revelou-se depois como poeta, o que se tornou numa agradável surpresa, não só para mim como também para todos os que apreciam a lira de Orfeu. Nesse âmbito tive mesmo a honra de ter apresentado publicamente um dos seus livros, cuja edição a expensas suas foi integralmente oferecida a uma instituição de beneficência social. Aliás, essa atitude de generosidade e filantropia foi seguida de igual modo com todas as obras que deu à estampa. Deve ser caso único no Algarve, pois que o costume é as editoras de Lisboa virem aqui colher largos proventos com a apresentação nas Câmaras Municipais de obras comerciais de autores consagrados e que nada têm que ver com a região.
Agora que o Dr. Jorge Correia se retirou como médico, estou certo que iremos ganhar, a tempo inteiro, um escritor e um poeta de raro talento e inspiração, que honrará com todo o mérito o prestígio e a glória dos seus antecessores. Assim o espero e desejo, restando-me agora a ousadia de ser eu a desejar-lhe bom trabalho... e boa saúde.

Este artigo foi publicado no semanário «Postal do Algarve», numa edição de homenagem ao Dr. Jorge Correia, médico e escritor algarvio.

1 comentário:

  1. Tive e tenho privilégio de conviver com o Dr. Jorge Correia.
    Um grande TAVIRENSE e um grande HOMEM.
    Um exemplo a seguir nas muitas facetas da sua vida de político, médico, agricultor, poeta, escritor ...
    exemplo de altruismo e simpatia
    Que Deus o conserve por muitos mais anos com saúde

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