sábado, 18 de julho de 2009

PINTURA = POESIA NAS ROTAS DO SUL


J. C. Vilhena Mesquita

Esta é uma das raras obras que se podem dividir em 3 partes distintas, como se tratasse de uma trindade artística do humanismo renascentista. Por um lado o Autor, como criador e mestre que se expõe e entrega sem o receio da revelação, nem o temor da crítica; por outro a Poesia como um refulgir de sentimentos, um bouquet de emoções entre os sons, o brilho e as cores das palavras; por fim a Pintura, mater expressão de visões incontidas e exorcismadas na tela, materialização de sonhos que a alma revela nos matizes da elegíaca criação. A obra é una e indivisível, mas a força perscrutante do crítico vai mais longe e separa-lhe os vectores que consolidam a estrutura, como que tentando dissecar-lhe a alma e descobrir os segredos da criação.
Comecemos então pelo autor. Conheci Manuel Ribeiro há cerca de dois anos. Impressionou-me a sua vivacidade aliada a uma perspicácia aguda, que não esconde uma inteligência relampejante. Sensibilizou-me a sua natural jovialidade e invejável força de viver, espelhada e transmitida numa diversificada produção artística, que sem rodeios fez questão de me revelar. Intrigou-me este seu tardio acordar, esta sua vontade de se dar ao mundo no outono da vida. Mas depressa me explicou que só agora, depois de estreitar distâncias, de comungar culturas e de consumar as obrigações naturais da missão terrena, pode finalmente assentar arraiais para meditar sobre os mistérios da existência e as injustiças dessa imperfeita argila em que foi modelada a figura humana. A poesia e sobretudo a pintura que sempre o acompanharam na odisseia da vida, como irmãs gémeas dum intrínseco harém, sentia-as agora cada vez mais sedutoras, mais prementes e compulsivas.
O homem dos conhecimentos técnicos, que queimou as pestanas e viu caiarem-se as cãs debruçado sobre o estirador de trabalho, que se deixou enlevar na apaixonante quimera do pedagogo que ensina, forma e modela personalidades juvenis, viu agora num patamar mais elevado do tempo chegado o momento de serenamente se entregar às musas e adormecer ao som dos idílicos acordes da cítara de Orfeu.
A arquitectura, a engenharia, o cálculo matemático e a abstracção geométrica dos espaços mensuráveis, preencheram a sua vida e ainda hoje lhe invadem de saudade a alma que o tempo espalhou pelos quatro cantos do mundo. As horas de ócio e lazer preenche-as agora na criação do belo, porém não deixou de continuar a prestar o melhor do seu esforço e da sua disponibilidade à comunidade que o acolheu neste iluminado recanto de artistas e poetas. Não podia, pois, ter escolhido melhor refúgio para erigir um altar às musas do que este sereno e resplandecente Algarve, este alegre e preguiçoso rincão adormecido ao sol.
Olhemos agora para a sua criação lírica.
Os poemas que li neste livro revelaram-me a presença de um sonhador, suspirando pelos mesmos ideais com que os deuses combateram o caos, convencionaram os cânones, erigiram a perfeição e construíram a harmonia. A mesma harmonia que nos fez idealizar a paz. Mas foram os deuses que arquitectaram o paraíso não foram os homens. Os homens perderam-se nos podres meandros da imperfeição, congeminando ódios, arquitectando vinganças, instilando invejas e infligindo sofrimentos. Atento e discordante, Manuel Ribeiro revolta-se em metafóricas rimas de poeta conceptual, urdindo recorrências, adições e oposições, estabelecendo aqui e ali paralelismos léxico-semânticos, como se na imbricada tessitura das palavras coubesse um mundo perfeito, de homens imaculados como anjos. Que bom seria sentir na poesia a verdade das coisas e a realidade da vida. Nessa frustração de acordar entre as quimeras do poema, fica-nos o perfume das palavras como um trago do néctar em que se consubstancia o mistério da poesia. Terras, paisagens, figuras e monumentos, lugares, prazeres e liberdades, sons, aromas, visões e fantasias, tudo isto está presente e patente nos poemas de Manuel Ribeiro.
Os quadros, desenhos, óleos e aguarelas que ilustram esta obra ajudam a introduzir os poemas, mas não os superam. Uns são meras ilustrações, na forma figurativa como rodeiam os conceitos e a musicalidade das palavras embebidas no subterfúgio da rima poética. Outros são abstracções puras, sem forma nem movimento, mas prenhes de cor e vivacidade. São também poemas, sem outras palavras que não sejam a policromia refulgente das tintas esbatidas, esfumadas, adormecidas. Técnicas clássicas, experiências modernistas e renovações impressionistas, fazem recriar o belo numa orgia de luz e cor, como uma girândola de sensações que nos enleva nas asas do elegíaco nirvana.
Este livro é seguramente um polígono de múltiplas faces, que só a nossa imaginação, a magia das palavras e o brilho das cores nos proporcionarão o inestimável prazer da sua companhia.

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