sábado, 4 de julho de 2009

O Algarve à la minute

José Carlos Vilhena Mesquita

“Na minha rua o mar é todo o mundo” – expressão feliz do poeta António Pereira, que define o Algarve como a comunhão da terra com o mar, desse imenso e calmoso mar, que não separa nem desune, mas antes aproxima os povos e sustenta quimeras de riqueza e glória. Foi desse mar ao fundo da rua que nasceu o carácter do povo algarvio e se fez a história do Algarve. Nas caravelas do Infante cobriu-se de glória, nas divisas do turismo moderno granjeou o sustento e arquitectou o futuro. Esta é verdadeiramente uma terra de mar, que já foi de marítimos, e hoje é de todo o mundo.
Poucas regiões do país possuem padrões culturais tão fortes e acentuados como o Algarve. Desde logo a particularidade das suas chaminés, a música rendilhada do seu “corridinho”, a alvura da cal revestindo a modéstia das paredes que contrastam com a altivez das açoteias. Por outro lado, a sua estrutura orográfica em forma de anfiteatro, que desce das cordilheiras montanhosas, que o separam do Alentejo, até às aprazíveis águas da confluência mediterrânica, confere-lhe um clima ameno, cujas primícias agrícolas abasteceram, desde longa data, o mercado internacional e suscitaram uma invejável gastronomia, rica em doces de amêndoa e figo.
Mas se a amendoeira em flor é hoje símbolo do Algarve, não o é menos a sua ímpar luminosidade, as suas alcantiladas falésias, a calmaria das suas cristalinas águas marítimas que se distendem nas finas areias das praias, outrora paradisíacas, onde nasceu a recente indústria nacional do turismo. Tudo isso são padrões culturais dum Algarve recente, moderno e cosmopolita, cada vez menos genuíno e aprazível, cada vez mais desgastado por um certo gigantismo massificador, que se desvirtua na ânsia duma estereotipada oferta de sol, mar e praias. Mas o que nos idos de sessenta era natural, genuíno e raro, tornou-se infelizmente num desenfreado desordenamento urbano – de que é exemplo a vila de Quarteira – atentatório dos equilíbrios ecológicos e das raízes tradicionais da arquitectura algarvia. A fobia do lucro, alicerçava o sonho de fazer desta região a Meca do turismo europeu, descurando porém as regras mais elementares da oferta embasada em padrões de qualidade, como sejam a privacidade, o sossego, a pureza ambiental, a animação tradicional e a revelação cultural.
A opção da quantidade veio revelar alguns índices enganosos, porque se é verdade que aumentaram os postos de trabalho e melhorou o nível de vida dos algarvios, não podemos esquecer que cresceram também os índices de poluição ambiental e de saturação das praias, restando o golfe como válvula de escape para um turismo cada vez mais etário e sazonal. O turismo, essa “galinha dos ovos de ouro” dos tempos modernos, é tão periclitante e sensível que, se não se diversificar tão depressa o investimento, à mínima convulsão internacional poderá sofrer danos irreparáveis.
Hoje o poeta já não veria o mar ao fundo da sua rua. Taparam-no com hotéis, prédios e aldeamentos turísticos. Porém, o mar permanece ali, à nossa espera, capaz de nos fazer sonhar.

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